Steven Spielberg tem um talento inquestionável. Durante seus
mais de 40 anos de carreira realizou vários trabalhos que podem facilmente ser
considerados como “clássicos”, e influenciou boa parte da nova geração de
cineastas, direta ou indiretamente. E por mais que alguns títulos recentes como
“Cavalo de Guerra” e “Lincoln” se rendam ao exagero e se encontram comprometidos
por um puro melodrama, é impossível não criar expectativas a cada anúncio de um
novo filme seu.
Baseado em uma história real o roteiro de Matt Charman
revisado pelos irmãos Coen acompanha o advogado James Donovan (Tom Hanks) em
sua defesa de um agente soviético capturado, Rudolf Abel (Mark Rylance), e,
posteriormente, sua tentativa de trocá-lo por um jovem piloto americano
capturado em solo inimigo.
Já de cara é necessário aplaudir a imparcialidade política
do filme, que não se rende ao patriotismo cego de muitos filmes americanos. Ao
contrário de inúmeros títulos (tais como “Sniper Americano” e “O Franco
Atirador”) que trazem os inimigos como pessoas excessivamente frias e
inconsequentes, e americanos como heróis racionais e patrióticos, Ponte dos
Espiões é um filme que não hesita em criticar a própria postura americana em
época de guerra.
Em um determinado momento, por exemplo, vemos uma turma de
crianças aterrorizadas sendo forçadas a assistirem a vídeos mostrando os
estragos que os inimigos poderiam causar com suas bombas atômicas – ignorando
que o próprio Estados Unidos havia destruído duas cidades cheias de inocentes
com bombas idênticas alguns anos antes. Aliás, essa crítica à paranoia criada
pela mídia está longe de ser algo exclusivo do passado, já que até alguns anos
atrás o governo Bush utilizava da mesma estratégia para validar sua “guerra ao
terror”.
Outro momento interessante e politicamente relevante no
filme é quando vemos o americano preso pelos soviéticos sendo condenado a uma
pena mais baixa do que o agente soviético havia sido nos EUA, e enquanto o
tribunal americano é cheio de bagunça, com pessoas ameaçando e clamando pela
pena de morte, o tribunal soviético é organizado e calmo.
É claro que o filme também não vira o jogo e mostra os
soviéticos como o bem e os americanos como o mal (e nem deveria), já que o
próprio americano preso na URSS é mostrado sendo impiedosamente maltratado na
prisão. Mas o que o filme faz é mostrar que em uma guerra não importa os seus
ideais, já que os dois lados serão capazes de atitudes desumanas. Neste
quesito, Ponte dos Espiões se assemelha muito ao excelente Munique, de 2005
(talvez o melhor filme recente do Spielberg), que também fugia das
generalizações, e não hesitava em criticar os horrores cometidos pelos dois
lados do conflito.
Outro mérito do roteiro (e muito da direção também) é
conseguir manter o espectador vidrado por mais de duas horas apenas pela força
de sua trama e seus ágeis diálogos, sem nunca perder o ritmo ou apelar para
cenas artificiais de ação gratuita.
Já seu senso de humor (muito provavelmente fruto da revisão
dos excepcionais irmãos Coen), que é ao mesmo tempo discreto e exagerado, às
vezes soa um pouco esquisito, ficando um pouco dissonante com seu drama, mas
aos poucos isso também acha seu lugar, e o filme consegue criar momentos onde
um risinho de canto de boca vem ao espectador de maneira espontânea e bem-vinda
(destaque para as cenas envolvendo a família do agente soviético e outra
envolvendo um aperto de mão).
Em relação à direção, Spielberg conduz o filme com uma
segurança invejável, sem chamar demais a atenção para si. O fato de o filme ser
melodramático não é novidade, já que o diretor parece nunca abrir mão de sua
capacidade de criar momentos propícios a lágrimas. A grande questão é se este recurso
funciona ou não, já que se utilizado em exagero acaba comprometendo o impacto
da cena. Por exemplo: a cena das pedras no final de “A Lista de Schindler” é
indiscutivelmente melodramática, mas é também bem dosada e funciona para fazer
o espectador ir para os créditos emocionado; já o último ato de “Inteligência
Artificial”, ou todas as partes de “Cavalo de Guerra”, servem como exemplos de
um melodrama mal utilizado que compromete o impacto dos acontecimentos pela sua
artificialidade.
Neste seu novo filme, seu melodrama ultrapassa um pouco o
limite aqui e ali (como na rima visual envolvendo pessoas pulando um muro em
diferentes lugares do mundo), mas de modo geral se mostra bem contido e não
chega a atrapalha o resultado final, o que acaba sendo um grande alívio para
qualquer fã do diretor.
Já as atuações são completamente impecáveis. Tom Hanks
mostra que sempre consegue surpreender e protagoniza o filme de maneira
perfeita, e confesso que não consigo pensar em nenhum ator que faria este papel
tão bem quanto ele. Já Mark Rylance (o soviético capturado) surge como a grande
surpresa do elenco, criando um personagem que conquista a admiração do
espectador mesmo que este acredite que ele se encontre do “lado errado” (vide
alguns parágrafos acima) da guerra.
A fotografia de Janusz Kaminski (parceiro de longa data de
Spielberg) é linda (destaque para as cenas passadas na gelada Berlim) e a
reconstrução de época é cuidadosa e competente, e deve garantir ao filme uma
indicação aos óscares de melhor figurino e designe de produção.
Se encerrando com um letreiro que resume o resto da vida dos
personagens principais (um recurso clichê que já foi usado milhões de outras
vezes, mas que se bem dosado - como é o caso – funciona muito bem), Ponte dos
Espiões é desde já um forte candidato para a temporada de premiações do final
do ano, e, mais do que isso, é um trabalho admirável daquele que é um dos
maiores diretores de cinema de todos os tempos.
Muito Bom! |
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