“Zootopia” é um filme que começa parecendo um genérico
“acredite nos seus sonhos, você só será feliz quando realiza-los”, mas termina
sendo uma imensa diversão, que funciona ainda como uma inteligente e relevante
crítica ao preconceito e à mídia sensacionalista.
O filme acompanha a personagem Judy Hopps, uma coelha que,
para realizar seu sonho de se tornar policial, se muda para a cidade de
Zootopia, onde diversas espécies convivem em harmonia. Porém, ao iniciar seu
trabalho acaba se deparando com uma misteriosa conspiração que envolve o
desaparecimento de outros animais. Para a sua investigação ela conta ainda com
a ajuda inesperada de Nick Wilde, uma raposa conhecida por seus truques e
honestidade dúbia.
Uma das coisas que mais impressiona no filme é sua
inventividade na criação de seu universo (coisa em que a Disney vem se tornando
cada vez mais competente, vide a cidade de “Operação Big Hero” e os diversos
mundos de vídeo games de “Detona Ralph”). Além de visualmente interessante,
recheado de cores vivas e expressivas, o trabalho do estúdio ainda é feliz em
criar pequenos detalhes sobre o funcionamento daquela sociedade, surpreendendo
pela criatividade e pelo bom humor – gosto particularmente da maneira como o
celular da protagonista, visivelmente inspirado no iPhone, traz como símbolo
uma cenoura ao invés de uma maçã. Além disso, o filme ainda brinca com nossos
próprios costumes e vícios do dia a dia (como na piada que envolve um
aplicativo de dança, e que rende um dos momentos mais engraçados do longa), e
ainda se diverte com o que seria o estereótipo da personalidade de cada
animal (os coelhos fazendeiros, a preguiça preguiçosa, o touro durão, a raposa
trapaceira, etc.).
Também é necessário aplaudir o cuidado no designe dos
personagens, em especial a protagonista. Seguindo a velha e eficiente
estratégia de empregar grandes olhos para passar bondade e confiança, o filme
traz ainda uma grande riqueza de detalhes e trejeitos que enriquecem a
personagem (como o reflexo de levantar as orelhas quando ouve algo inesperado).
Mas o que realmente acaba diferenciando tanto ao obra é sua
madura visão sobre a mídia (propaganda para ganhar poder, de modo geral) e
preconceitos, que no início pode até parecer óbvia (o velho “não importa quem
você é, você pode realizar seus sonhos”), mas acaba se desenvolvendo em algo
complexo que evita moralismos e se encaixa de maneira orgânica dentro da trama
de investigação do filme – e a sequência que envolve uma declaração da
protagonista em uma coletiva de imprensa (e toda a eventual consequência disto)
está, sem dúvidas, entre as melhores do ano e traz uma das discussões mais
complexas e inteligentes que eu já vi em um filme infantil (incluindo os
trabalhos da Pixar), servindo não apenas como uma crítica à política do medo
(especialidade do governo americano), mas também às manobras políticas que se
beneficiam do caos criado pela mídia para vender ideais preconceituosos (Trump
e os muçulmanos servem como exemplo atual).
Para não dizer que o filme é exemplar, é necessário admitir
que, além do começo meio incerto, sua duração poderia ser um pouco mais curta,
e o excesso de reviravoltas no terceiro ato também incomoda, chegando até a soar
um pouco artificial.
Achando ainda espaço para referências divertidíssimas (desde
momentos rápidos, como aquele que remete a “Breaking Bad” e outro envolvendo
DVDs piratas dos últimos filmes da Disney, até outros mais elaborados, como a
longa sequência inspirada em “O Poderoso Chefão”), “Zootopia” é uma diversão
enorme ao mesmo tempo em que é um filme ambicioso do ponto de vista temático –
sendo, desde já, um dos melhores trabalhos do ano, independente do gênero ou
técnica de produção*.
Ótimo! |
*Como já apontei em meu texto sobre “Anomalisa”, animação
não é um gênero e sim uma técnica, ainda que neste caso específico o filme se
encaixe no gênero infantil, comédia e mistério.
João Vitor, 20 de Março de 2016.
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