terça-feira, 5 de abril de 2016

Crítica: O Filho de Saul, de László Nemes

O Filho de Saul é um filme difícil e sufocante, mas é também uma obra inesquecível e extremamente bem realizada, que surpreende pela capacidade de imersão e pelo total controle que exerce sobre o espectador.


Ambientado em um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, o filme acompanha Saul, um judeu húngaro membro do Sonderkommando (um grupo de prisioneiros que ficam isolados dos demais, auxiliando à força os nazistas nas câmaras de gás) e que um dia acredita ter encontrado seu filho entre os corpos que estão para serem queimados. A partir daí, ele vai tentar encontrar um rabino para que possa dar um enterro religioso apropriado para a criança.

A abordagem do diretor estreante László Nemes não é nada sutil e não hesita em criar uma atmosfera completamente desagradável e sufocante para fazer o espectador compartilhar o sentimento de urgência e angústia vivido pelo protagonista. Utilizando uma razão de aspecto reduzida, que deixa a imagem quase quadrada, o diretor ainda não economiza em câmara na mão tremida e quadros fechadíssimos que acompanham o personagem pelas costas e deixa quase tudo o que acontece ao redor desfocado – o que dá à narrativa um caráter de primeira pessoa e, obviamente, deixa tudo ainda mais claustrofóbico.

Vale dizer também que por causa desta abordagem estética que deixa tudo o que acontece ao redor desfocado, o trabalho de som se torna ainda mais importante para que o espectador possa compreender o que está ocorrendo na tela, e o resultado é impecável. A grande maioria dos sons acontece ou fora de foco ou fora de quadro, e o designe sonoro do filme é extremamente eficiente não só em recriar esses sons (tiros, explosões, gritos, etc.), mas também em espalhá-los entre as caixas do cinema (alguns sons vêm do lado direto, outros do esquerdo, e muito até de trás), praticamente encurralando o espectador e tornando a experiência ainda mais imersiva.



Também é interessante como a fotografia abre mão de qualquer tipo de “glamour” ou beleza plástica para apostar em um visual amarelado, sujo e feio, e que cai como uma luva dentro da proposta incômoda da narrativa. Aliás, vale dizer que toda a reconstrução de época é impecável, desde os uniformes amassados e sujos dos prisioneiros até o ambiente claustrofóbico e aterrorizante das câmaras de gás.

O filme só acaba pecando mesmo em dois aspectos. Primeiro, por privar o espectador de quase todo conhecimento possível sobre o protagonista, já que as únicas informações sobre o personagem e seu filho são dadas apenas no terceiro ato, sendo que se algumas delas fossem apresentadas antes, o roteiro ficaria muito mais instigante de ponto de vista dramático. E segundo, ele se estende demais em sua hora final, chegando até a ficar repetitivo. Normalmente filmes que têm uma abordagem mais incômoda não costumam passar de uma hora e meia, e neste caso a projeção beira às duas horas, fazendo com que momentos-chave que ocorrem na reta final da trama sejam encarados com impaciência por parte do espectador que já começa a ansiar pelo seu desfecho.

Mas estes são deslizes bem pequenos comparados ao poder de imersão do filme, que não apenas é uma obra marcante, como ainda prova que mesmo um tema tão explorado pelo Cinema como o Holocausto ainda pode render trabalhos completamente originais.

Ótimo!

João Vitor, 5 de Abril de 2016.

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