sexta-feira, 1 de abril de 2016

Crítica: Zoom, de Pedro Morelli

“Zoom” é um filme que funciona tanto como uma experiência narrativa ambiciosa quanto como uma homenagem ao Cinema e a ficção de modo geral. Além disso, trata-se de uma experiência divertidíssima que ainda consegue surpreender pela ambição e ser completamente único e original.



O roteiro conta simultaneamente três histórias: uma acompanha Emma (Alison Pill), que após gastar suas economias em um implante de seios que dá errado, tem que arrumar uma maneira de conseguir dinheiro para refazer a cirurgia; a outra é feita em animação e segue o cineasta Edward (Gael Garcia Bernal), que encontra dificuldades na produção de seu novo filme; e a última acompanha Michelle (Mariana Ximenes), uma modelo que decide largar a carreira para ser escritora.

As premissas são simples, mas o que realmente as tornam tão interessantes é o fato de elas estarem uma dentro da outra: Emma está desenhando uma HQ sobre Edward, que está dirigindo um filme sobre Michelle, que por sua vez está escrevendo um livro sobre Emma. Ou seja, tudo está interligado em um loop, e cada história só funciona em função da outra.

Pra ficar mais fácil de entender.

O principal tema do filme, e que o torna tão interessante, é a realidade vs ficção. Em todas as tramas temos alguém contando uma história de uma forma diferente (filme, quadrinho e livro), e uma das personagens ainda trabalha em uma fábrica de bonecas sexuais, que são feitas sob encomenda para imitar pessoas reais, e em determinado momento ela diz “Nós vamos fazê-la idêntica, mas melhor” – que, afinal de contas, é a própria definição de ficção: uma imitação da realidade, mas de alguma forma, melhor.


Além disso, o filme merece muitos créditos por conseguir equilibrar tão bem três tramas tão distintas e saltar de uma para outra de maneira tão orgânica e bem humorada – em determinado momento, por exemplo, o cineasta Edward diz que quer mostrar com seu filme “sua verdadeira visão”, e nesse momento a câmera vai se aproximando até mergulhar em seu olho, e daí passamos a acompanhar a outra história.



As opções estéticas encontradas pelo diretor Pedro Morelli para diferenciar as tramas também são orgânicas e interessantes. A trama com a personagem da Alison Pill é quase toda filmada com uma paleta amarelada, enquanto a que segue a modelo vivida por Mariana Ximenes é recheada de cores frias. Já a que acompanha o cineasta vivido por Gael Garcia Bernal é diferenciada de uma maneira mais óbvia, já que é toda filmada para simular uma animação 2D em stop motion (na verdade as cenas foram filmadas primeiramente com os atores e depois convertidas manualmente para desenhos). Aliás, é interessante notar como a animação começa completamente bidimensional, sem detalhes e sem cores, mas depois do personagem dizer “Eu não sou tão unidimensional”, alguns detalhes começam a aparecer e aos poucos os desenhos vão se enchendo de cores vivas e vibrantes.

Também é interessante como o diretor consegue brincar com as abordagens de cada trama. A história do cineasta é feita para simular um stop motion, já a que segue a personagem que precisa tirar seu silicone tem uma abordagem bem cômica, com movimentos de câmera mais mecânicos e discretos. Mas é na última trama, que acompanha a modelo, que o diretor toma sua decisão mais interessante: como essa história está sendo filmada pelo cineasta ficcional dentro do filme, o diretor (o real) aproveita para abusar de movimentos de câmeras virtuosos, que mesmo chamando demais a atenção para si, funciona dentro do contexto (afinal, o personagem é um cineasta vaidoso e cheio de si).


Aliás, uma das coisas mais engraçadas do filme é justamente a maneira como ele tira sarro de si mesmo. Em determinado momento, por exemplo, temos uma personagem comendo pão com requeijão e podemos ver com destaque o logo da Danone (que é uma das patrocinadoras do filme), numa propaganda artificial e que só serve para lembrar o espectador que ele está vendo um filme. Mas alguns minutos depois, vemos o personagem do cineasta brigando com sua equipe justamente por ser obrigado a incluir em seu filme uma inserção publicitária (o que não anula o erro, mas pelo menos mostra que o próprio filme tem consciência de sua falha).


Não que o filme não tenha erros, pois na verdade tem. A mania de ficar parando a trilha sonora para um fala engraçadinha demostra uma insegurança na força do próprio texto, além disso, todo e qualquer impacto dramático possível dentro das tramas são anulados em prol da experiência metalinguística, e os desfechos das narrativas também são um tanto quanto decepcionantes (ainda que, mais uma vez, seja necessário aplaudir a sacada do filme de tirar brincar consigo mesmo, ao incluir uma piada durante os créditos que tira sarro justamente do desfecho insatisfatório).


Tendo ainda um terceiro ato que surpreende muito pela complexidade e ambição narrativa, “Zoom” é um filme único e divertido, que brinca consigo mesmo e, acima de tudo, serve para nos lembrar do quanto é fascinante e necessária a ficção em nossa vida.

Muito Bom!

João Vitor, 1º de Abril de 2016.

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