“Zoom” é um filme que funciona tanto como uma experiência
narrativa ambiciosa quanto como uma homenagem ao Cinema e a ficção de modo
geral. Além disso, trata-se de uma experiência divertidíssima que ainda
consegue surpreender pela ambição e ser completamente único e original.
O roteiro conta simultaneamente três histórias: uma
acompanha Emma (Alison Pill), que após gastar suas economias em um implante de
seios que dá errado, tem que arrumar uma maneira de conseguir dinheiro para
refazer a cirurgia; a outra é feita em animação e segue o cineasta Edward (Gael
Garcia Bernal), que encontra dificuldades na produção de seu novo filme; e a
última acompanha Michelle (Mariana Ximenes), uma modelo que decide largar a
carreira para ser escritora.
As premissas são simples, mas o que realmente as tornam tão
interessantes é o fato de elas estarem uma dentro da outra: Emma está
desenhando uma HQ sobre Edward, que está dirigindo um filme sobre Michelle, que
por sua vez está escrevendo um livro sobre Emma. Ou seja, tudo está interligado
em um loop, e cada história só funciona em função da outra.
Pra ficar mais fácil de entender. |
O principal tema do filme, e que o torna tão interessante, é
a realidade vs ficção. Em todas as tramas temos alguém contando uma história de
uma forma diferente (filme, quadrinho e livro), e uma das personagens ainda
trabalha em uma fábrica de bonecas sexuais, que são feitas sob encomenda para
imitar pessoas reais, e em determinado momento ela diz “Nós vamos fazê-la
idêntica, mas melhor” – que, afinal de contas, é a própria definição de ficção:
uma imitação da realidade, mas de alguma forma, melhor.
As opções estéticas encontradas pelo diretor Pedro Morelli
para diferenciar as tramas também são orgânicas e interessantes. A trama com a
personagem da Alison Pill é quase toda filmada com uma paleta amarelada,
enquanto a que segue a modelo vivida por Mariana Ximenes é recheada de cores
frias. Já a que acompanha o cineasta vivido por Gael Garcia Bernal é
diferenciada de uma maneira mais óbvia, já que é toda filmada para simular uma
animação 2D em stop motion (na verdade as cenas foram filmadas primeiramente
com os atores e depois convertidas manualmente para desenhos). Aliás, é
interessante notar como a animação começa completamente bidimensional, sem
detalhes e sem cores, mas depois do personagem dizer “Eu não sou tão
unidimensional”, alguns detalhes começam a aparecer e aos poucos os desenhos
vão se enchendo de cores vivas e vibrantes.
Também é interessante como o diretor consegue brincar com as
abordagens de cada trama. A história do cineasta é feita para simular um stop
motion, já a que segue a personagem que precisa tirar seu silicone tem uma
abordagem bem cômica, com movimentos de câmera mais mecânicos e discretos. Mas
é na última trama, que acompanha a modelo, que o diretor toma sua decisão mais
interessante: como essa história está sendo filmada pelo cineasta ficcional
dentro do filme, o diretor (o real) aproveita para abusar de movimentos de
câmeras virtuosos, que mesmo chamando demais a atenção para si, funciona dentro
do contexto (afinal, o personagem é um cineasta vaidoso e cheio de si).
Aliás, uma das coisas mais engraçadas do filme é justamente
a maneira como ele tira sarro de si mesmo. Em determinado momento, por exemplo,
temos uma personagem comendo pão com requeijão e podemos ver com destaque o
logo da Danone (que é uma das patrocinadoras do filme), numa propaganda
artificial e que só serve para lembrar o espectador que ele está vendo um
filme. Mas alguns minutos depois, vemos o personagem do cineasta brigando com
sua equipe justamente por ser obrigado a incluir em seu filme uma inserção
publicitária (o que não anula o erro, mas pelo menos mostra que o próprio filme
tem consciência de sua falha).
Não que o filme não tenha erros, pois na verdade tem. A
mania de ficar parando a trilha sonora para um fala engraçadinha demostra uma
insegurança na força do próprio texto, além disso, todo e qualquer impacto
dramático possível dentro das tramas são anulados em prol da experiência
metalinguística, e os desfechos das narrativas também são um tanto quanto
decepcionantes (ainda que, mais uma vez, seja necessário aplaudir a sacada do
filme de tirar brincar consigo mesmo, ao incluir uma piada durante os créditos
que tira sarro justamente do desfecho insatisfatório).
Tendo ainda um terceiro ato que surpreende muito pela
complexidade e ambição narrativa, “Zoom” é um filme único e divertido, que brinca
consigo mesmo e, acima de tudo, serve para nos lembrar do quanto é fascinante e
necessária a ficção em nossa vida.
Muito Bom! |
João Vitor, 1º de Abril de 2016.
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