A Travessia
Mais um acerto de Robert Zemeckis
Robert Zemeckis já deixou sua marca na história do cinema, sendo
um cineasta com uma capacidade invejável de criar narrativas únicas e
envolventes, sempre buscando maneiras novas de contar suas histórias, e
utilizando a tecnologia em favor da Arte (Trilogia De Volta Para o Futuro e
Forrest Gump estão aí para comprovar). E sua carreira acaba de ganha mais um admirável exemplar com esse novo “A Travessia”.
O filme conta a história real do equilibrista Philippe Petit
(Joseph Gordon-Levitt), que ficou famoso ao atravessar as Torres Gêmeas usando
apenas um cabo. Mesmo sem ter autorização legal para a arriscada aventura, ele
reuniu um grupo de assistentes internacionais e contou com a ajuda de um mentor
(Ben Kingsley) para bolar o plano, que sofreu diversos obstáculos para poder
ser finalmente executado. A travessia ocorreu na ilegalidade em 7 de
agosto de 1974 e ganhou destaque no mundo inteiro.
Uma discreta referência ao Laranja Mecânica. |
Filmes americanos que se passam em outros países com
personagens de outras nacionalidades sempre se veem diante de um problema: o
idioma. Pois fazer um filme em uma língua que não seja o inglês implicaria em
uma baixa de bilheteria, tendo em vista que uma boa parte do grande público
americano não está acostumada a ler legendas. Sendo assim, filmes como
“Operação Valquíria” e “A Menina que Roubava Livros” acabam se prejudicando e
soando artificiais ao trazerem personagens falando uma língua que visivelmente
não seria a deles. Aqui, o mesmo quase acontece, pois os personagens franceses
falam inglês até mesmo entre si, mas pelo menos o roteiro se preocupa em tentar
justificar essa decisão: Philippe Petit pede a seus amigos para conversarem em
inglês porque ele precisa “treinar” para quando for à Nova York. Não deixa de
ser um pouco artificial, mas pelo menos é necessário reconhecer o esforço.
O protagonista, muito bem interpretado por Joseph
Gordon-Levitt, é carismático e bem desenvolvido, sem nunca fazer o
espectador duvidar que alguém realmente possa ser assim (um erro muito comum em
filmes que acompanham artistas emblemáticos), e seu romance com a personagem
interpretada por Charlotte Le Bon traz momentos interessantes ainda que se
encerre de maneira pouco satisfatória.
É preciso reconhecer também que o roteiro tem vários
clichês: o pai de Petit é a caricatura do homem sério que não quer que o filho
seja artista, e a cena que leva o jovem a sair de casa é de dar vergonha
alheia, tamanha a artificialidade. Além disso, os dois últimos “cúmplices” a se
juntarem ao grupo reunido pelo protagonista são a mais pura caricatura dos
hippies dos anos 70.
Já os efeitos visuais são impecáveis (Joseph Gordon-Levitt
realmente parece estar andando pelo cabo em todas as cenas do filme e a
reconstrução das torres por computação gráfica jamais soa artificial).
Como diretor, Robert Zemeckis cria um interessante clima de
deslumbramento e reverência à Arte, que lembra um pouco o clima fantasioso
criado por ele em O Expresso Polar, e sua escolha por praticamente não manter a
câmera parada, utilizando a tecnologia para criar movimentos que de outra forma
seriam impossíveis, não só ajudam a criar uma narrativa em 3D interessante
(coisa rara), mas também contribui para o clima de deslumbramento do filme (não
dá para esquece que acima de tudo, atravessar as torres gêmeas foi para Petit a
realização de seu maior sonho).
E por falar em 3D, esta é uma das poucas vezes que eu diria
que vale a pena pagar o ingresso mais caro, pois a técnica aqui ajuda na
imersão do espectador na narrativa, especialmente durante a esperada cena da
travessia entre as torres, onde acaba sendo fundamental para criar a tensão e
sensação de vertigem que o cineasta almeja.
A trilha sonora acerta ao apostar em riffs de guitarra
durante as passagens do filme que acompanham os planos dos personagens para
“invadir” as torres, pois não apenas gera empolgação e divertimento, como também
remete às bandas de rock dos anos 70 (período em que se passa o filme). E a
escolha de Für Elise (a famosa musiquinha do gás), de Beethoven, para
acompanhar a travessia é linda e ajuda a passar não apenas a leveza do momento,
como também o deslumbramento experimentado por todos que acompanharam a
façanha.
A opção de quebra da quarta parede (quanto um personagem
olha para a câmera e fala diretamente com o público) para a narração do filme
parece um pouco esquisita no início, e mesmo não se justificando, pelo menos
consegue, conforme a narrativa avança, criar um elo entre o protagonista e o
espectador, algo que acaba contribuindo para o impacto dramático da obra.
Terminando com uma palavra que é perfeita para resumir o
legado deixado pelo ato de Petit e também fazer uma singela e discreta
homenagem ao World Trade Center, “A Travessia” é um filme único, inesquecível,
e mesmo com seus problemas, pode facilmente ser considerado como mais um passo
certeiro na rica carreira de Robert Zemeckis.
Muito Bom! |
João Vitor, 10 de Outubro de 2015.
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