Todd Haynes é um diretor no mínimo curioso. É difícil
entender como um cineasta capaz de fazer um drama tão comovente e sensível como
“Longe do Paraíso” (2002) foi capaz de fazer um filme tão incômodo e frio como
“Mal do Século” (1995) alguns anos antes. Da mesma maneira, é interessante, mas
também gratificante, notar que mesmo depois da ambiciosa, mas extremamente fria
cinebiografia de Bob Dylan (“Não Estou Lá”, 2007), o diretor seja capaz de
comandar um filme tão delicado e belo como este seu novo “Carol”.
O filme tem início na década de 50, e nos apresenta duas
personagens bem distintas. Therese é uma jovem de 20 e poucos anos que trabalha
em uma loja de brinquedos. Sendo completamente introvertida, e até infeliz, ela
tem a fotografia como hobby, mas não possui grande interesse em se relacionar
socialmente (“Não entendo quem gosta de fotografar outras pessoas”, diz em
certo momento). Já Carol é uma mulher bem mais madura, segura de si, com uma
filha pequena, e que está passando pelo processo de divórcio.
As duas se encontram brevemente na loja em que Therese
trabalha e não demora muito para começarem a sentir uma forte atração uma pela
outra. O que não seria um problema se elas não vivessem em uma sociedade
profundamente preconceituosa, onde a simples possibilidades de duas mulheres se
amarem e morarem juntas é praticamente impensável.
Apostando em uma narrativa acertadamente melancólica
(afinal, o romance está praticamente fadado à impossibilidade), o cineasta Todd
Haynes é hábil desde o início em fazer o espectador se importar com suas
personagens. Utilizando em diversos momentos uma câmera subjetiva que faz o
público assumir o ponto de vista de Therese (como quando ela brevemente perde
Carol de vista durante o primeiro encontro), e trazendo as personagens
constantemente deslocadas, pequenas no quadro, o cineasta praticamente obriga o
espectador a torcer (mesmo que em vão) para um final feliz.
Mas ainda assim, o filme evita pregações de como o
preconceito é injustificável (afinal, todos deveriam saber disso), e foca na
beleza e na honestidade do sentimento que surge entre as personagens, criando
momentos praticamente sublimes (como aquele que traz Therese timidamente
fotografando Carol na neve).
A trilha sonora composta por Carter Burwell (colaborador
recorrente dos brilhantes irmãos Coen) é linda, sendo delicada e melancólica,
mas também se permitindo momentos de felicidade e esperança (como no blues que
acompanha as personagens em um passeio de carro, no auge do relacionamento).
O elenco é impecável, mas por mais que Cate Blanchett seja
quem vai concorrer na categoria principal do Oscar, é Rooney Mara (que
concorrerá como coadjuvante - sendo até agora a franca favorita), o grande
destaque do filme. Atriz de quem sou cada vez mais fã, ela vem se mostrando não
apenas de um enorme talento, como também de uma versatilidade invejável. É
impressionante como a mesma atriz capaz de tamanho mistério e dubiedade em
“Terapia de Risco” (2013), ou a imensa frieza e ameaça em “Millennium: Os
Homens Que Não Amavam As Mulheres” (2011), seja também capaz de tamanha doçura
e vulnerabilidade vista neste “Carol”. E ainda que concorra como coadjuvante,
sua personagem é a protagonista da trama. Começando como uma pessoa que tem
dificuldades até de conversar com amigos, ela encontra em Carol uma razão para
viver, passando a enxergar o mundo de outra forma. E é interessante notar como
no início Todd Haynes constantemente traz a personagem no lado esquerdo (mais
fraco) da tela, mas conforme ela vai amadurecendo e ficando mais segura de si,
passa a ocupar o lado direito.
O cuidado na parte técnica também é palpável. No início,
Therese sempre surge usando preto, o que reflete sua infelicidade, mas após
conhecer Carol (que por sua vez usa constantemente cores luxuosas como o rosa e
o vermelho) ela passa a usar um pequeno chapéu colorido, e quando decide se
entregar de vez ao seu sentimento, surge vestindo um casaco completamente
vermelho.
Em um país que tem como deputado mais popular uma pessoa que
defende que ser homossexual é “falta de apanhar”, e casamento igualitário é
visto como “ditadura gay”, filmes como “Carol” são mais do que um simples
entretenimento, são retratos necessários da sociedade, que escancaram o absurdo
que é condenar o amor entre pessoas do mesmo sexo. Emocionando e entristecendo não
só pela história que tem para contar, mas principalmente por levar à inevitável
conclusão de que mesmo passados 60 anos, pouca coisa mudou.
João Vitor, 6 de Janeiro de 2016.
Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/
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