Não é por
acaso que Spotlight vem surgindo como um dos principais nomes para o próximo
Oscar. Trata-se de um filme muito bom, com um ótimo roteiro e um elenco
recheado de atores queridos e homogeneamente competentes. E por mais que a
duração possa parecer um pouco longa para uma parte do público, a força de sua
história é tanta, que é praticamente impossível conhecê-la e não se revoltar
com tamanha injustiça e covardia.
Baseado em
uma história real, o roteiro acompanha um grupo de jornalistas de Boston
enquanto estes reúnem documentos capazes de provar casos de pedofilia
praticados por membros da Igreja Católica.
A meia hora
inicial do filme pode até parecer um pouco lenta, já que se dedica basicamente
a apresentar seus vários personagens e o ambiente em que eles trabalham, mas ainda
assim, o roteiro já acerta por apresentar com calma os obstáculos que os
jornalista terão que enfrentar (desde o fato de a maioria de seus leitores
serem católicos, o que faz com que os editores hesitem em enfrentar a Igreja
legalmente, até o fato de que muitas das vítimas não estão preparadas para
falar sobre os casos, já que isso poderia repercutir negativamente para eles
mesmos).
Mas basta os
jornalistas começarem suas apurações e suas entrevistas com os envolvidos nos
casos para o filme prender a atenção do espectador até o fim.
A primeira
cena memorável traz o grupo entrevistando um rapaz que foi molestado por um
padre enquanto criança. Só esse momento já justificaria qualquer indicação a prêmio
que o roteiro possa receber. É impressionante como os roteiristas conseguem
passar a dimensão do abuso para a vítima (como o próprio personagem diz,
trata-se de uma agressão não apenas física, como também espiritual) e também
explicar como é fácil para um padre se aproximar de uma criança (começando com
uma atenção um pouco maior, passando para algumas “piadas sujas”, até chegar no
abuso em si). Trata-se da melhor cena do filme, e é uma verdadeira aula de
roteiro.
A partir daí
a narrativa fica mais dinâmica, a investigação vai tomando proporções maiores e
o roteiro continua a incluir passagens memoráveis (“Ele é um dos sortudos,
ainda está vivo”, diz um advogado sobre uma vítima, após ouvirmos seu
depoimento e entendermos que para muitos o suicídio acaba se mostrando a saída
mais fácil para o sofrimento que a pedofilia traz para a criança).
Uma decisão
muito acertada por parte do diretor Thomas McCarthy é trazer os depoimentos das
vítimas sem nenhuma trilha sonora, pois isso impede uma romantização artificial
e ainda demostra um enorme respeito a elas. Sem contar que também os tornam
muito mais chocantes, por soarem completamente realistas.
O uso de
locações para as cenas externas também é impecável, principalmente por trazer
sempre grandes igrejas ao fundo dos personagens, reforçando a constante
lembrança dos abusos para as vítimas, e também simbolizando a imponência de seu
poder, que é encarado por muitos como inquestionável – e a decisão do jornal de
enfrenta-lo é louvável.
A direção do
Thomas McCarthy é discreta, mas conduz com segurança o alto número de diálogos,
e se destaca muito (e isso provavelmente o renda uma indicação ao Oscar) pela
direção de atores. O elenco é grande e recheado de nomes de peso (Michael
Keaton, Mark Ruffalo, Liev Schreiber, Rachel McAdams, Stanley Tucci, e por aí
vai...), e todos estão surpreendentemente bem.
Liev
Schreiber (um ator subestimado) surge como um dos maiores destaques do filme.
Mantendo sempre a voz controlada e uma expressão séria, o ator passa uma
determinação palpável. Michael Keaton também convence mais uma vez, passando a
experiência e a calma de seu personagem, que de certa forma até contrasta com a
juventude de seus colegas.
Outros que também
merecem destaque são Rachel McAdams (que cria uma personagem não apenas
dedicada ao extremo ao seu trabalho, como também capaz de uma gentileza tocante
quando está entrevistando as vítimas), e Mark Ruffalo (um ator sempre
competente, que surge como um dos mais inquietos e até um pouco impulsivo, mas
também sempre dedicado ao trabalho e à ética).
Sendo desde
já um dos favoritos a pelo menos algumas indicações ao Oscar (sendo o franco
favorito para Roteiro Original), Spotlight é um filme muito competente, que
conta uma história que há muito tempo merecia ser contada, e ainda tem a
capacidade de fazer o espectador se importar e se indignar com os fatos ali
retratados.
Muito Bom! |
João Vitor,
3 de Janeiro de 2016.
Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/
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