Em meu texto sobre Trumbo, apontei que os roteiristas, ao
contrário dos diretores e atores, não costumam ser valorizados pelo grande
público. Basta reparar como os roteiristas mais famosos são sempre aqueles que
também dirigem seus filmes (Woody Allen, Quentin Tarantino, etc). Sendo assim,
é natural que muitos roteiristas se sintam frustrados diante do mau
reconhecimento e passem a se arriscarem na direção. Uma prova disso, é que até
mesmo o genial Charlie Kaufman (autor de roteiros absolutamente brilhantes como
“Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, “Adaptação” e “Quero Ser John
Malkovich”) passou a dirigir seus próprios textos. E se seu primeiro trabalho
como diretor (“Sinédoque, Nova York”) pode ter deixado alguma dúvida sobre sua capacidade
de dirigir, toda e qualquer suspeita é deixada de lado com este seu novo
“Anomalisa”.
O filme é uma animação em stop motion com massinha e conta a
história de Michael Stone (David Thewlis), um palestrante motivacional
melancólico e deprimido, que em uma de suas viagens de trabalho passa a enxergar
a vida com mais esperança após se apaixonar por Lisa (Jennifer Jason Leigh).
A premissa pode até parecer simples, principalmente se
comparada com os trabalhos anteriores do diretor, mas isso não significa que
seja menos profunda ou bem construída.
Já de cara é necessário aplaudir a decisão de Kaufman de
trazer todos os personagens (com exceção, é claro, dos dois principais)
dublados pela mesma voz. É uma estratégia bem simples, mas extremamente
eficiente para passar para o espectador o desânimo e o pessimismo do personagem.
Assim, quando ele entreouve um casal discutindo, por exemplo, não faz diferença
quem está falando o quê, as duas vozes são idênticas e se misturam (pois do
ponto de vista dele não faz diferença).
Essa mesma estratégia funciona também para fazer o
espectador entender a paixão súbita que o personagem sente por Lisa. Depois de
mais de meia hora somente de vozes masculinas (inclusive para as personagens
femininas), quando finalmente ouvimos uma voz de mulher, compreendemos porque o
protagonista se apaixona imediatamente.
A parte técnica também não decepciona. O cuidado da
composição visual é palpável, seja nos personagens (as expressões faciais e os
leves movimentos de respiração) ou até mesmo em detalhes nas roupas (como as
pequenas dobras e amassados, que tão um toque de realidade discreto e
eficiente).
Também é interessante como Charlie Kaufman e seu codiretor
Duke Johnson aproveitam as liberdades oferecidas pela animação para criarem cenas
que seriam complicadíssimas de filmar em live action, como o plano-sequência
que segue o protagonista desde a recepção do hotel, passando pelo elevador, até
chegar a seu quarto. Outros detalhes mais sutis também são interessantes (ainda
que dispensáveis), como o raccord sonoro que transforma o som de taças batendo
em um barulhinho
de elevador.
Outra decisão acertada é a de utilizar pouquíssima música
durante boa parte do filme, o que reforça a sensação de tristeza e desânimo do
personagem. Seguindo a lógica, quando o protagonista se apaixona e passa a ser
mais esperançoso, o compositor Carter Burwell investe em músicas com melodias
alegres e fantasiosas.
Provando mais uma vez que Charlie Kaufman é um dos nomes
mais interessantes do cinema americano atual, “Anomalisa” talvez não seja para
todo mundo (quem não está familiarizado com o trabalho de Kaufman ou busca uma
animação convencional pode acha-lo um pouco lento), mas trata-se de uma obra
única e inesquecível, que emociona e entristece pela sua sensibilidade e
melancolia.
Ótimo! |
P.S: Vale a pena lembrar que Animação é uma técnica, não um
gênero. Nem todas as animações são voltadas para o público infantil, e
“Anomalisa” é a prova disso.
João Vitor, 28 de Janeiro de 2016.
Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/
Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/
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