O Regresso é um espetáculo. Ao longo de suas quase três
horas o filme traz inúmeros momentos de tirar o fôlego, impressionando pela
perfeição técnica e provando mais uma vez que Iñárritu é um dos melhores
diretores de sua geração.
Ambientado no século XIX o roteiro conta a história real
(ainda que com diversas liberdades criativas, como abordarei daqui a pouco) do
explorador Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), que após ser brutalmente ferido por
um urso em uma de suas expedições, é deixado para morrer pelos seus
companheiros. Mas mesmo em condições completamente adversas (com feridas
abertas, perna quebrada e a centenas de quilômetros da ajuda mais próxima),
Glass consegue sobreviver e vai em busca de vingança.
Um dos maiores atrativos da direção de Alejandro G. Iñarritu
é seu fascínio por longos planos sem cortes. Se em Birdman (meu texto sobre
pode ser lido aqui) essa manobra servia como comentário sobre o fato de o filme
ser sobre uma peça de teatro (que ao contrário do Cinema, não traz cortes no meio
das cenas), aqui seus longos planos servem para acentuar o desconforto do
espectador em determinadas cenas e aumentar seu envolvimento na narrativa.
Aliás, é impressionante o controle que o diretor demonstra sobre a
mise-en-scene (geografia das cenas), pois mesmos nos momentos de ação (como o
ataque de índios que acontece logo nos primeiros minutos) seus planos sem
cortes aumentam a tensão e a inquietação, mas nunca deixam o espectador perdido
sobre o que está acontecendo. Já em outro momento chave, que traz o
protagonista sendo brutalmente atacado por um urso, a opção de filmar sem cortes (pelo menos aparentes) demostra não apenas um feito técnico impressionante,
como ainda atinge um nível de desconforto e envolvimento inacreditáveis.
E se Iñarritu merece aplausos pelo seu preciosismo, o mesmo
merece seu diretor de fotografia Emmanuel Lubezki. Mesmo depois de ser
responsável por fotografias nada menos do que brilhantes em filmes como “Filhos
da Esperança”, “A Árvore da Vida”, “Gravidade”, e “Birdman”, o fotógrafo
mexicano mostra que ainda é capaz de surpreender. Aqui, mesmo utilizando apenas
luz natural, ele mais uma vez consegue criar verdadeiras pinturas, como os
planos que trazem raios de sol por entre as árvores e aqueles que sobrevoam as
impressionantes locações montanhosas cobertas de neve.
Igualmente interessante é a maneira como Iñarritu e Lubezki
criam pequenas rimas visuais que enriquecem o filme para um olhar mais atento –
como o momento que traz o personagem de Leonardo DiCaprio embaçando a lente com
sua respiração ofegante e logo depois vemos o antagonista interpretado por Tom
Hardy enchendo o quadro com a fumaça de seu cachimbo.
É claro que aqui e ali o filme parece se impressionar
consigo mesmo e acaba criando alguns momentos descartáveis que chamam demais a
atenção para si, e que só estão ali por motivos estéticos – como quando o
protagonista está conversando com um índio e este vai falar uma coisa (sem
importância alguma) e a câmera se move lentamente até se posicionar em um
ângulo contra-plongée, que enfoca o ator tendo como pano de fundo apenas o céu
cheio de nuvens (um momento lindo plasticamente, mas sem propósito algum).
Já a trilha sonora merece créditos por apostar em constantes
melodias dissonantes, que acentuam o desconforto do espectador, atingindo seu
ápice no clímax da narrativa, onde a música não apenas funciona para incomodar,
como ainda consegue fazer uma leve e discreta referência ao filme anterior do
diretor (Birdman), ao trazer ao fundo alguns grooves rápidos de bateria.
As atuações também merecem destaque. Leonardo DiCaprio (que
deve vencer seu primeiro Oscar por este trabalho) protagoniza o filme com uma
entrega total, conseguindo ainda dar humanidade ao seu personagem ao demonstrar
seu carinho com o filho. Já Tom Hardy (ator que está em plena ascensão) faz
mais uma vez um trabalho admirável. Mesmo tento que atuar com um sotaque
completamente diferente do seu (ele é britânico e seu personagem é um sulista
americano), o ator consegue ser completamente odiável e vilanesco sem ser
caricatural, convencendo como uma ameaça palpável.
Outro que surpreende e que está em plena ascensão é Domhnall
Gleeson (que só nos últimos dois anos esteve presente em nada menos do que sete
filme, incluindo os ótimos “Frank”, “Brooklyn”, “Star Wars: O Despertar da
Força” e “Ex Machina”). Aqui ele deixa completamente de lado sua
vulnerabilidade adolescente (apresentadas em filmes como “Frank” e “Questão de
Tempo”) e convence como um capitão maduro e com grande senso de dever e
justiça.
Já o roteiro é o que o filme tem de pior. Levando em
consideração a proposta da narrativa, que depende muito mais da estética, isso
acaba importando bem menos do que normalmente importaria (filmes como Spotlight
e Carol poderiam beirar o desastre se seus roteiros não fossem bons), mas ainda
assim, algumas coisas incomodam e poderiam ter sido evitadas.
Ainda que o filme acerte em não apelar para o velho e
preconceituoso clichê do índio malvado e selvagem, ele falha ao tentar
adicionar uma reflexão profunda sobre o genocídio praticado pelos colonizadores
e se perde em sua auto-importância: em determinado momento, quando um francês
questiona se um índio roubou os produtos que está tentando vender, este
responde dizendo que o verdadeiro ladrão é o homem branco por tomar tudo que
seu povo tinha – o que é verdade, e poderia ficar interessante no filme se não
tivesse sido jogado de maneira tão aleatória e artificial. Em outro momento,
vemos um índio morto enforcado em uma árvore com uma placa escrita “somos todos
selvagens” – pecando mais uma vez pela obviedade e pela inverossimilhança (quem
iria ter o trabalho de quebrar um pedaço de madeira e escrever uma mensagem
para pendurar em um cadáver no meio da floresta onde muito provavelmente
ninguém irá ver???)
E se o texto acerta ao tomar algumas liberdades criativas em
relação à história real (a opção de colocar o filho do protagonista como mais
uma vítima do antagonista não apenas aumenta a vilania deste, como também deixa
o sentimento de revolta e vingança ainda mais palpável), volta a errar no
terceiro ato ao incluir um detalhe envolvendo um cantil (não darei mais
detalhes para evitar spoilers) que além de inverossímil, é descartável (afinal,
havia outras maneiras do roteiro passar aquela informação).
Além disso, vale dizer que a cena envolvendo um cavalo e um
penhasco é completamente absurda e exagerada, além de descartável.
Em relação à duração, posso dizer que em nenhum momento o
filme me pareceu cansativo ou arrastado (muito pelo contrário). Mas isso não
significa que ele não seja mais longo do que o necessário, pois na verdade é.
Todas as cenas que trazem devaneios do protagonista sobre sua esposa morta e
seu filho representam uma gordura a mais que poderia ter sido cortada na sala
de montagem. Não chegam a ser completamente descartáveis, pois acabam
adicionando humanidade ao personagem e são de uma beleza plástica
impressionante, mas acabam tomando muito mais tempo do que o necessário.
Mas apesar desses probleminhas, o fato é que “O Regresso”
ainda é um filmaço, oferecendo uma experiência única e completamente imersiva,
além se ser inesquecível e provar que a parceira entre Iñarritu e Lubezki é uma
das mais interessantes do cinema atual.
João Vitor, 7 de Fevereiro de 2016.
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