“Mad Max: Estrada da Fúria” é um
dos filmes mais alucinantes e envolventes que eu já vi. Brilhantemente dirigido
por George Miller o longa é completamente original e inventivo, além de ser
disparado o melhor filme de sua saga (que também contém os ótimos “Mad Max”, de
1979, “Mad Max: A Caçada Continua”, de 1981, e “Mad Max: Além da Cúpula do
Trovão”, de 1985 – este último um pouco mais fraco que os outros).
Hábil desde o início ao
apresentar seu personagem título como uma pessoa completamente perturbada por
erros passados, o filme logo estabelece seu ritmo alucinante que não apenas é
extremamente eficiente e envolvente, como ainda é coerente dentro do universo
em que se passa o filme: um mundo pós-apocalíptico onde a gasolina e os carros
são quase deuses.
Aliás, todo o trabalho de direção
de George Miller é completamente impecável. Trazendo constantemente planos
aéreos que dão a dimensão grandiosa da ação, e nunca apelando para câmera
tremida ou cortes muito rápidos, o diretor consegue criar sequencias de tirar o
fôlego e sem nunca deixar o espectador perdido em relação ao que está
ocorrendo. E sua opção de filmar alguns planos em câmera levemente acelerada se
mostra fundamental para a energia do filme, e passam para o público a sensação
de velocidade e urgência dos personagens de maneira orgânica e extremamente
eficiente.
Vale dizer também que a energia
empregada por Miller e sua equipe não estão presentes apenas nas cenas mais
grandiosas, mas também em combates menores – como na cena que traz uma luta
entre Tom Hardy e Charlize Theron e que é de tirar o fôlego.
Também é necessário aplaudir a
decisão de utilizar o máximo de efeitos práticos possíveis, deixando a
computação gráfica surgir de maneira quase natural e sem chamar demais a
atenção para si (como na cena que envolve uma tempestade de areia). E basta
assistir a qualquer sequência que envolva trabalho de dublês neste filme (como
as cenas envolvendo manobras de moto), para perceber que não importa o quão bom
sejam os efeitos computadorizados, eles nunca substituirão a tangibilidade de
um bom efeito prático.
O trabalho de som também merece
destaque, pois além de ter que lidar com barulhos ensurdecedores de motores de
carro durante boa parte da projeção, a mixagem ainda tem que se preocupar em
deixar os diálogos audíveis, já que muitas informações-chave são faladas no
meio de perseguições. Além disso, os efeitos sonoros ainda surpreendem por
adicionarem pequenos detalhes que enriquecem a ação, como os sons de batidas de
coração e até alguns sons dissonantes ao fundo que aumentam a inquietação e
passam o estado de espírito perturbado do personagem título.
Já os trabalhos de designe de
produção e figurino impressionam pela criatividade ao criarem seu universo e
seus personagens. Reparem como a caracterização do vilão Immortan Joe é completamente
imponente e ameaçadora ao mesmo tempo em que é primitiva e deslocada (sua
armadura parece até de plástico), e muitos personagens secundários também
chamam a atenção pela bizarrice de seus visuais – aquele que tem um nariz feito
de ferro e o outro que usa um capuz feito de munições são meus preferidos.
O trabalho de maquiagem também é
excelente, convencendo nas caracterizações mais fortes (como na aparência
ressecada dos indivíduos que passam sede), até em alguns detalhes mais sutis
(reparem em como as tatuagens em alto-relevo dos seguidores do vilão são
inchadas e completamente primitivas).
Mas não são apenas as
caracterizações dos personagens que surpreendem pela inventividade, já que os
carros vistos no filme também são únicos e contribuem não apenas para criar uma
visual interessante, como também para aumentar a energia das sequências de
ação. Gosto muito daqueles que são cobertos de espinhos (mais uma vez, reparem
como os efeitos práticos são fundamentais), outros que trazem prisioneiros como
“bolsas de sangue” amarrados na parte da frente (recurso que já havia sido
utilizado no segundo filme da série), e aquele que traz um carro convencional
posto em cima de uma estrutura de rodas gigantes.
Ah, e o que dizer dos carros que
trazem instrumentos musicais em sua carroceria, brincando com a própria diegese
da trilha sonora?
A fotografia de John Seale também
não fica pra trás. Apostando em cores vivas (subvertendo a tendência de filmes
pós-apocalípticos de utilizarem sempre paletas dessaturadas), ele beneficia o
3D e cria um universo escaldante, onde a falta d’agua é algo palpável. Além
disso, ele ainda faz uma excelente distinção dos cenários em que se passam o
filme: a Cidadela é o único local a trazer cores verdes vibrantes, enquanto o
deserto é todo alaranjado. Já para as sequências passadas a noite, ele mergulha
o quadro em luz azul, o que é de uma beleza plástica sublime e ainda contribui
para deixar a ação mais compreensível (já que em qualquer filme as sequências
de ação passadas no escuro tendem a ser mais confusas).
Mas por mais que a grande força
do filme esteja em seus aspectos técnicos, o roteiro não deixa nada a desejar.
Mesmo trabalhando em cima de uma
história simples (que quase se resume a perseguições de carro), o texto escrito
pelo próprio George Miller aproveita para subverter clichês (como o da “garota
indefesa”) e ainda cria um universo interessante (a maneira como Immortan Joe
manipula seus “súditos” com o controle da água é excelente) com personagens que
fogem completamente da unidimensionalidade.
Basta ver as figuras das esposas
resgatadas, por exemplo: se em inúmeros filmes o roteiro se limitaria a trazer
as jovens indefesas apenas para serem salvas pelo herói, aqui elas não apenas
estão fugindo de um opressor (“Não somos objetos”, elas escrevem nas paredes de
suas celas), como são salvas por uma outra mulher (não um homem como seria o
usual) e – e isso é o mais importante – cada uma delas tem personalidade
própria.
A jovem interpretada por Abbey Lee,
por exemplo, tem um charme mais selvagem, enquanto a personagem de Courtney Eaton
tem sentimentos mais conflituosos. Já Zoë Kravitz é a mais impulsiva e
revoltada do grupo, e Riley Keough tem a oportunidade de protagonizar momentos
de sensibilidade tocantes com o personagem de Nicholas Hoult. E fechando o
grupo das esposas temos Rosie Huntington-Whiteley, que surge como a mais madura
e sensata das cinco.
O personagem título também não
decepciona. Interpretado com uma entrega total por Tom Hardy, Max é uma pessoa
atormentada por erros passados e que não está acostumado a ter conversas com
outras pessoas – o que se reflete na dicção forçada do ator.
Já Hugh Keays-Byrne, que
interpreta o vilão Immortan Joe (e que também interpretou o vilão no primeiro
filme da saga, em 1979), talvez seja a principal surpresa do elenco. Mesmo com
quase 70 anos, o ator é capaz de uma presença física assustadora, e mesmo
utilizando uma mascara o filme todo, o que só o deixa com os olhos disponíveis
para atuar (além da voz, é claro), ele é capaz de evocar uma insanidade total e
convencer como uma ameaça real aos heróis.
Mas talvez o principal destaque
do elenco seja Charlize Theron, e apesar do que sugere o título, ela é a
protagonista do filme. Convencendo com a dedicação e o comprometimento de sua
personagem, a atriz ainda consegue adicionar uma interessante carga dramática
ao filme em um monólogo sobre sua história de vida. Aliás, é na personagem dela
que o filme encontra suas forças quando a ação eventualmente fica um pouco de
lado.
E mais uma vez é necessário
aplaudir a inteligência de Miller em não se render ao clichê de mulheres
indefesas, já que a personagem da Charlize Theron executa tarefas que o próprio
Max é incapaz (o momento envolvendo uma arma com três tiros é um dos meus
preferidos).
Sendo uma experiência
inesquecível e inovadora, “Mad Max: Estrada da Fúria” não apenas cumpre seu
papel de entreter (e muito) seu espectador, como ainda consegue subverter clichês
do gênero Ação, se estabelecendo como uma obra inteligente e que mostra que
ainda há espaço para trabalhos profundamente originais dentro do Cinema
Blockbuster.
Excelente! |
João Vitor, 26 de Fevereiro de
2016.
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