Não é por
acaso que o tema “Inteligência Artificial” é tão explorado no Cinema. As
questões que isso levanta podem ser fascinantes se bem trabalhadas (“o que
define um ser humano?”, “até que ponto podemos nos diferenciar das máquinas?”).
E ao longo da História o tema originou verdadeiras obras primas, tais como
“Metrópolis” (1927, Fritz Lang), "2001: Uma Odisseia no Espaço" (1968, Stanley
Kubrick) "Blade Runner" (1982, Ridley Scott) e "Matrix" (1999, Andy e Lana
Wachowski). Sendo assim, não deixa de ser surpreendente que mesmo décadas
depois um tema já tão explorado consiga dar origem a um filme tão bom quanto
este novo “Ex Machina”.
Escrito e
dirigido por Alex Garland (roteirista conhecido por colaborar com Danny Boyle –
“A Praia” (2000), “Extermínio” (2002) e “Sunshine” (2007) – e estreante na
direção), a trama acompanha Caleb (Domhnall Gleeson), um jovem programador que
ganha um sorteio para passar uma semana na casa isolada de Nathan Bateman
(Oscar Isaac), que está em segredo construindo um robô com inteligência
artificial, Eva (Alicia Vikander).
Desde o
início é possível notar que o roteiro trabalha o protagonista para ser o ponto
de vista do espectador (uma pessoa que é jogada em uma situação complexa, e aos
poucos começa a compreendê-la), mas ao contrário de muitos outros filmes do
gênero (até o competente “Interestelar” serve de exemplo), o roteiro não apela
para diálogos demasiadamente expositivos, afinal, Caleb é um programador
inteligente e não demora pra compreender as ideias de Nathan.
É claro que
aqui e ali o texto dá uma escorregada, como ao terminar um diálogo com um
clichê bobo (“Se você criou Inteligência Artificial, não é a História dos
Homens, é a História dos Deuses”), mas no geral é mais do que competente,
achando ainda espaço para momentos memoráveis (como o diálogo entre
Caleb e Nathan sobre sexualidade).
As atuações
também merecem aplausos. Domhnall Gleeson (ator de quem gosto cada vez mais)
protagoniza o filme com carisma e competência, tendo ainda a oportunidade de adicionar
uma discreta e bem vinda profundidade a seu personagem em um breve monólogo
sobre seus pais.
Já Oscar
Isaac (que a essa altura já é um dos meus atores preferidos) é o grande destaque
do filme (e sua não indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, ainda que
previsível, não deixa de ser frustrante). Seu personagem é cheio de dubiedade:
ao mesmo tempo em que é capaz de despertar simpatia (reparem na naturalidade
com a qual ele dá um leve toque amigável em Caleb durante uma conversa), também
gera no espectador (e no protagonista) uma desconfiança cada vez maior, seja
pelo seu alcoolismo ou pela clara omissão de informações. E a cena passada em
um jantar onde seu personagem faz uma brincadeira (ou não?) sobre os
eletricistas que trabalharam em sua casa é um dos melhores momentos do longa.
Fechando o
elenco principal temos também Alicia Vikander (indicada a vários prêmios por
este papel, e franca favorita para o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo seu
trabalho no filme “A Garota Dinamarquesa”). Sua personagem acaba funcionando,
de certa forma, como uma outra versão do personagem de Oscar Isaac, também
sendo capaz de conquistar a simpatia do espectador e do protagonista desde o
início (com seu olhar doce, inocente e curioso), mas também gerando cada vez
mais desconfianças conforme a trama avança. Aliás, acho uma pena que a atriz
esteja ganhando tantos créditos pelo filme “A Garota Dinamarquesa” e não por
este “Ex Machina”, pois se trata não apenas de um filme infinitamente superior,
como também um trabalho de atuação muito mais desafiador e bem sucedido (e se
em “A Garota Dinamarquesa” muitas outras atrizes poderiam ter tomado seu lugar,
confesso que não consigo pensar em nenhum outro nome que faria sua personagem
tão bem aqui).
A direção de
Alex Garland também é hábil ao criar uma atmosfera tensa mantendo
constantemente a câmera em movimento sorrateiro, como se estivesse vendo algo
que não devia. E a escolha de quase não usar trilha sonora instrumental durante
os dois primeiros atos, criando tensão apenas a partir de sons como vento e
folhas, se mostra surpreendentemente eficiente.
E se a
escolha de mergulhar a casa em luz vermelha toda vez que a energia cai pode
parecer uma decisão óbvia da fotografia de Rob Hardy (afinal, o vermelho tende
automaticamente a deixar tudo mais tenso), não há como negar que a estratégia
funciona, e as cenas envolvendo diálogos entre Caleb e Eva durante essas quedas
(que são também os únicos momentos onde eles podem conversar sem serem ouvidos
por Nathan) estão entre os melhores do filme. Além disso, o fotógrafo ainda
aproveita as belíssimas locações das poucas cenas externas do filme para criar
verdadeiras pinturas (a cena envolvendo quedas d’água é a minha preferida –
plasticamente falando).
Ainda que
perca um pouco de força em seu terceiro ato (quando ele finalmente mostra suas
cartas não deixa de ser interessante, mas é inegável que o suspense anterior
era mais eficiente), “Ex Machina” é um filme inesquecível e inteligente. Não é
o maior exemplo de originalidade, mas é mais do que bem sucedido dentro de sua proposta,
mostrando que o gênero de ficção científica ainda pode ter muito para nos
presentear.
Ótimo! |
João Vitor,
4 de Fevereiro de 2016.
Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/
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