Em meus textos nunca digo coisas
como “vá ver este filme” ou “fuja de tal filme”, pois acredito que não é papel
de um crítico de cinema dizer ao público qual filme ele deve ver, e sim o fazer
enxergar coisas novas nos filme que já viu, sejam bons ou ruins, e assim ter
uma experiência mais envolvente e enriquecedora. Porém, como no cinema não há
regras, com este documentário 13ª Emenda
vou me contradizer: vá ver este filme!
Não que seja uma obra-prima, ou o
melhor filme do ano, mas é um filme importante, que expõe não apenas opiniões
embasadas, mas fatos incontestáveis que
deveriam ser de conhecimento coletivo.
O objetivo do documentário é a
princípio simples, mas se mostra cada vez mais complexo conforme o estudo vai
se aprofundando: tentar entender como a 13ª Emenda Constitucional dos Estados
Unidos (a que pôs fim à escravidão) na verdade foi responsável por criar a
maior população carcerária do mundo, contribuindo inclusive para a desigualdade
racial depois do fim da segregação.
A direção é de Ava DuVernay, uma
das principais promessas da nova geração do cinema americano, responsável pelo
excelente Selma (que também tratava
diretamente de questões raciais) e pelos belos Middle of Nowhere e I Will
Follow (estes dois disponíveis também na Netflix brasileira). Sua abordagem
estética é muito interessante, mesmo que discreta: ao filmar os entrevistados,
por exemplo, ela alterna planos mostrando a pessoa diretamente de frente e
outros que a mostram de perfil, algo que não apenas é interessante visualmente,
como ainda dialoga de maneira orgânica com as clássicas fotos de presidiários –
e como o filme fala sobre prisão, e como qualquer um pode acabar sendo preso
injustamente, nada mais apropriado. Além disso, a diretora ilustra de maneira
muito dinâmica alguns dos dados apresentados pelo filme com animações, de modo
a reforçar o absurdo destes, o que se mostra surpreendentemente eficaz e
orgânico.
Mas o que faz o filme ser tão
importante são os dados que ele expõe, que por mais que não sejam novidade, muitas
vezes passam despercebidos por boa parte da população: como ao mostrar que
enquanto 1 em cada 40 homens brancos estão presos, entre os negros esses
números passam para 1 em cada 16. Outro dado importante e incontestável
apresentado pelo filme são aqueles que expõem como a dita “guerra às drogas” ao
invés de diminuir o consumo, apenas causou um aumento absurdo da população
carcerária: enquanto no início dos anos 70 (quando Nixon declarou essa tal de
“guerra às drogas”) haviam cerca de 300 mil pessoas presas no país, hoje esse
número está em 2,3 milhões.
Mas o filme também não se rende à
ingenuidade de retratar os republicanos como os vilões e os democratas como
mocinhos, já que mostra que apesar de as principais leis responsáveis pelas
prisões desproporcionais terem sido criadas nos governos Nixon e Reagan, o
próprio Bill Clinton adotou uma visão moralista para se eleger após os
democratas terem perdidos três eleições seguidas, e pôs em prática muitas
coisas que possibilitaram o aumento da população carcerária.
E não esquecendo que estava em
ano de eleição, Ava DuVernay também mostra que ambos candidatos concorrendo à
presidência não estão muito preocupados em resolver este problema: enquanto
Hillary Clinton aparece fazendo algumas declarações comprometedoras, Donald
Trump se mostra mil vezes pior, já que foi capaz de fazer propaganda pedindo
pena de morte para um grupo de jovens negros, que depois foram provados
inocentes. Além disso, a sequência que o traz fazendo um discurso moralista
sobre “os bons velhos tempos” enquanto a montagem intercala momentos racistas
de décadas passadas, ilustra de maneira perfeita como o ciclo do preconceito
nunca chega ao fim.
Trazendo também comentários
extremamente reveladores de um membro do governo Nixon sobre como a “guerra às
drogas” foi um disfarce para uma perseguição política, e ilustrando de maneira
muito didática o racismo constitucional americano, 13ª Emenda é um filme envolvente e emocionante, mas acima de tudo,
necessário.
Muito Bom! |
João Vitor, 21 de Janeiro de 2017.
Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/
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