É sempre natural que os filmes e
as obras de arte em geral reflitam a realidade em que foram produzidos, fazendo
com que importantes acontecimentos históricos sejam sempre temas recorrentes na
filmografia de suas épocas (a alegria do fim da segunda guerra nos anos 40-50,
a desilusão com o governo e a guerra do Vietnã nos EUA na década de 60-70, medo
nuclear durante a guerra fria, etc.). Sendo assim, é interessante notar como
este novo A Qualquer Custo usa uma
estrutura aparentemente simples para retratar todo o ressentimento e descrença
para com os grandes bancos após a crise de 2008.
O roteiro escrito por Taylor
Sheridan (do excelente Sicário) se
passa nos dias atuais e acompanha uma dupla de irmãos que para não perderem a
fazenda da família no Texas decidem cometer uma série de assaltos a bancos.
Em sua estrutura, A Qualquer Custo pode parecer um filme
convencional: temos um xerife experiente prestes a se aposentar, seu parceiro
de longa data, uma dupla de assaltantes onde um é mais impulsivo e violento enquanto
o outro é mais hesitante e tem preocupações com os filhos... Mas a verdade é
que há muito mais complexidade nessas figuras do que a princípio pode parecer,
e o roteiro funciona como um retrato da ruína do “American Dream”.
Primeiro, e mais óbvio, o fato de
os irmãos estarem prestes a perderem sua moradia para os bancos (e estes também
serem os alvos de seus assaltos) reflete todo o ressentimento de grande parte
da população que se viu obrigada a pagar por uma crise provocada por grandes
corporações. E, além disso, o filme
também comenta sobre a ruína da “família tradicional americana”, como ao deixar
subentendido que os dois irmãos cresceram com um pai abusivo (o que
posteriormente levou um deles a assassina-lo!), ou então ao trazer seu
protagonista como uma figura que mantém uma relação completamente distante de
seus próprios filhos.
E também é interessante como o
filme acaba comentando sobre a história dos EUA e seu ciclo vicioso: em
determinado momento, por exemplo, vemos um personagem de descendência indígena
dizendo (ainda que de maneira um tanto quanto expositiva demais) que seus
ancestrais tiveram toda sua propriedade roubada pelos europeus, e que agora os
descendentes destes europeus estão tendo suas propriedades roubadas pelos
bancos.
Sendo assim, é curioso notar como
o filme traz em certo momento o xerife interpretado por Jeff Bridges andando
contra o vento enrolado em um cobertor: a imagem nos remete imediatamente a uma
capa de super-herói clássico – mas em um mundo pós-crise (moral e econômica),
nada mais apropriado do que o “herói” (ou pelo menos o que está do lado da lei)
do filme ter sua capa substituída por um pano velho e desbotado.
Outra coisa que se destaca no
filme é o excelente timing do diretor David Mackenzie para escolher música, sendo
particularmente marcante a cena que traz uma explosão de violência ao som de um
rock n’ roll que está sendo tocado no som do carro de um personagem.
E enquanto a fotografia de Giles
Nuttgens é eficiente em evocar o calor escaldante do Texas, o design de
produção ajuda a retratar visualmente a temática do filme, como ao trazer
elementos como pichações contra a guerra do Iraque em muros, propagandas de
serviços financeiros para ajudar a pagar hipoteca, e (o meu preferido) traz de
maneira discreta no canto de uma escrivaninha de banco uma plaquinha com a
frase “Você é sempre bem-vindo aqui”, num toquezinho de ironia muito coerente
com o restante da narrativa.
O elenco também não fica para
trás. Ben Foster oferece talvez a melhor performance de sua carreira, vivendo
seu personagem com uma intensidade absurda, mas que tem a oportunidade de
trazer complexidade dramática em uma cena em que fala sobre sua mãe. Já Jeff
Bridges (que deve conseguir uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante) está
excelente com sempre, e apesar do sotaque carregadíssimo, consegue passar toda
a experiência e competência de seu personagem.
Conseguindo ainda comentar
tangencialmente o fascínio americano por armas de fogo, A Qualquer Custo é um filmaço, que traz uma ação frenética, mas não
perde o fôlego ao apostar em seus personagens, funcionando como um retrato
devastador de sua sociedade e de sua época.
Ótimo! |
João Vitor, 28 de Dezembro de
2016.
Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/
Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/
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