“In moonlight black boys look blue”
Esta frase, que dá nome à peça em
que o filme Moonlight foi adaptado,
traduzida literalmente ficaria “Na luz do luar, garotos negros ficam azul”, mas
no inglês ganha um duplo sentido, já que a palavra “blue” pode também
significar “triste”, assim a frase poderia ficar “Na luz do luar garotos negros
ficam tristes”.
E é nessa delicadeza que este
filme se baseia, sendo um estudo de personagem delicado, que não se rende à
saídas fáceis, e cria uma narrativa delicada que comove pela aparente
simplicidade, mas que na verdade esconde uma grande sofisticação.
O roteiro tem uma estrutura de
três atos que a princípio lembra bastante a do filme O Lugar Onde Tudo Termina (excelente, por sinal) por se passar em
três tempos distintos: a primeira parte segue o protagonista em um pedaço de
sua infância (vivido por Alex R. Hibbert), mostrando sua dificuldade de
socialização com outras crianças, sua relação complicada com a mãe viciada em
drogas (Naomie Harris) , e o encontro de uma nova esperança na figura de um
traficante (Mahershala Ali), que o trata com carinho; a segunda o acompanha em
sua adolescência (interpretado por Ashton Sanders), onde também sofre bullying
na escola, e começa a descobrir sua própria sexualidade; já a terceira e última
o segue na fase adulta (agora vivido por Trevante Rhodes), onde vemos em quem
ele se tornou depois de tudo pelo que passou.
O que mais emociona no filme é
sua delicadeza e naturalidade em retratar os acontecimentos na vida se seu
personagem principal, já que não apela para melodrama ou momentos artificiais
para conseguir o que quer. Dessa forma, a trajetória do personagem não é só
algo que impressiona como cinema, mas também convence como a trajetória e a
formação de caráter de um pessoa real.
A abordagem estética do diretor
Barry Jenkins também é ótima, variando momentos mais “convencionais” (mas que
funcionam muito bem) de câmera na mão que reforçam a inquietação e desconforto
do protagonista, com outros momentos que lembram bastante o estilo de Terrence
Malick, onde a própria câmera parece deslumbrada com o que está vendo. E a
fotografia também merece créditos não apenas pela beleza estética, como,
principalmente, por brincar com a cor azul – o que dialoga com o título do
filme e também com o título da peça, que é citado por certo personagem em
determinado momento da projeção.
A trilha sonora também é linda,
equilibrando a beleza dos instrumentos de corda com melodias dissonantes e
desconfortáveis, se equilibrando apropriadamente entre o belo e o inquietante.
Já o design de produção faz um ótimo trabalho em diferenciar a casa do
protagonista, que é cheia de azulejos velhos e sujos, com a casa do personagem
de Mahershala Ali, que é bem mobiliada e aconchegante – e o design de som
também merece créditos por ajudar a fazer deste ambiente um local agradável,
incluindo discretos sons de pássaros que reforçam a tranquilidade do lugar.
Já os figurinos comentam de
maneira discreta a situação emocional dos personagens: trazendo muitas vezes a
cor branca para refletir a inocência do protagonista em sua infância, e também
camisetas xadrez em sua adolescência para comentar seu “aprisionamento”
emocional (principalmente em relação à sua sexualidade) – e é interessantíssimo
notar como após o momento onde o personagem finalmente se permite um pouco de
liberdade, e tem seu primeiro contato sexual, na cena seguinte ele abandona seu
figurino xadrez, e veste uma camiseta apenas com listras, como se tivesse se
livrado parcialmente de sua prisão. Da mesma forma, quando o personagem resolve
agir de maneira impulsiva em uma vingança, ele surge vestido uma camiseta azul
sem listras: o que o liberta das grades momentaneamente, mas comenta sua
tristeza (lembrando que “blue” em inglês tem significado duplo).
Outra coisa que faz do filme uma
experiência marcante e delicada é seu forte elenco. Enquanto os três atores que
interpretam o protagonista encontram uma coesão impressionante em seus
trabalhos, Naomie Harris impressiona pela sutileza e por não apelar para
estereótipos genéricos de “viciada em drogas”, podendo ainda, no terceiro ato,
protagonizar um momento fortíssimo onde transborda os arrependimentos de sua
personagem, além disso, seu emagrecimento é impressionante e orgânico para o
filme. Já Mahershala Ali, um dos favoritos para o Oscar de Ator Coadjuvante,
subverte o clichê do traficante durão, retratando seu personagem como uma
pessoa complexa, capaz de uma humanidade doce, e consegue ser marcante mesmo
com pouco tempo de tela.
Sendo um delicado e complexo
estudo de personagem, que emociona pela sua sutileza e por sua beleza, Moonlight é um filme memorável, que
oferece uma experiência intensa, mas que fica ainda melhor depois que acaba e é
submetido à reflexões.
Ótimo! |
João Vitor, 22 de Janeiro de
2017.
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