Se tem alguém no cenário
cinematográfico atual que pode facilmente ser comparado a grandes nomes da
história do cinema, este alguém é Denis Villeneuve. Dono de uma carreira
relativamente curta, mas que vem acumulando cada vez mais obras primas, o
diretor canadense já se estabeleceu como um dos melhores profissionais de sua
geração.
E este novo A Chegada não deixa nada a desejar, sendo talvez o seu trabalho
mais ambicioso do ponto de vista temático, oferecendo uma experiência delicada
e melancólica, e que ao mesmo tempo também é reflexiva e poética.
O roteiro escrito por Eric
Heisserer e adaptado de um conto de Ted Chiang acompanha a Dra. Louise Banks
(Amy Adams), uma linguista que é convocada pelo governo americano para tentar
estabelecer contato com misteriosas naves alienígenas que pousaram em vários
locais diferentes ao redor da Terra.
Melancólico desde seus segundos
iniciais, que acompanham a relação da protagonista com sua filha desde seu
nascimento até sua morte precoce na adolescência, o filme aposta em uma fotografia
toda acinzentada e desprovida de cores, trazendo constantemente o quadro cheio
de sombras que podem simbolizar tanto o mistério em que os personagens estão
envolvidos (e que pode ou não envolver uma ameaça) quanto a tristeza que parece
sempre rondar a protagonista (simbolizada também por seus flashes de memória
envolvendo momentos com a filha – e aqui a montagem de Joe Walker se mostra
primorosa, já que encaixa esses flashes de maneira orgânica e dinâmica na
narrativa, adicionando complexidade dramática ao filme ao invés de desviar a
atenção da trama).
O trabalho de efeitos visuais
também merecem créditos, principalmente por não chamarem a atenção para si e se
encaixarem de maneira orgânica às necessidades da trama (gosto particularmente
da cena que envolve uma inversão de gravidade dentro da nave, e outra que
envolve um plano aéreo que nos mostra pela primeira vez o objeto voador
alienígena).
Já a trilha sonora do sempre
competente Jóhann Jóhannsson acerta por equilibrar muito bem o mistério e possível
ameaça representada pelos aliens com a tristeza melancólica da protagonista,
sendo eficiente quando tenta emocionar (as melodias em cordas que acompanham os
primeiros minutos de projeção são lindas) e também quando pretende criar tensão
(mais uma vez, assim como acontecia em Sicário, apostando em sons graves
pesados, mas agora os deixando mais dissonantes e desconfortáveis).
Mas apesar do primor técnico, isso
não teria o mesmo valor se não fosse pela direção inteligente de Denis
Villeneuve. Equilibrando aqui os principais elementos de seus últimos trabalhos
(o drama opressivo de Os Suspeitos, a
subjetividade instigante de O Homem
Duplicado, e a tensão absoluta de Sicário),
o diretor conduz o filme de maneira segura e precisa, conseguindo até brincar
com “Forma vs Conteúdo”: reparem, por exemplo, no uso de círculos ao longo do
filme – não só os personagens comentam sobre isso (“Eu achava que era o fim,
mas era apenas o começo” diz a protagonista logo no início da projeção), como
também a forma de comunicação dos alienígenas é através de figuras circulares,
a estrutura do filme (aqui dão darei detalhes para evitar spoilers) também é de
certa forma circular, e em interpretações mais livres pode-se ainda enxergar
relação com o “ciclo da vida” (que também é um dos temas do filme), e ao
terminar a projeção, basta uma reflexão sobre o que acabou de ver que você com
certeza encontrará mais figuras circulares na obra (boa parte do fascínio do
filme está em descobri-las por si mesmo). Além disso, o diretor ainda é hábil
ao fazer o espectador se identificar com a protagonista utilizando diversos
recursos que são até simples, mas poucos diretores pensariam em utilizar –
desde o mais óbvio uso de câmera subjetiva (aquela que nos faz enxergar tudo
com os olhos da personagem), até alternativas mais sofisticadas, como ao fazer
o espectador ouvir através dos
ouvidos da protagonista (destaque para a cena que se passa em um helicóptero, onde
o barulho do motor e os sons do rádio são retratados de acordo com a percepção
da personagem).
No elenco temos uma performance
delicada e triste de Amy Adams (que se contrapõe com seus trabalho habituais,
onde normalmente aparece como uma figura cheia de vida e energia), que acerta
também por conseguir equilibrar o fascínio em relação à linguagem dos
alienígenas e a dúvida e melancolia que parecem inerentes à personagem. E
enquanto Forest Whitaker e Michael Stuhlbarg oferecem interpretações bem mais
contidas do que o habitual e se saem muito bem, Jeremy Renner, que interpreta
um físico, traz leveza e sensibilidade ao seu personagem e o impede de parecer
uma figura excessivamente racional e fria.
Poético, melancólico, e cada vez
mais rico depois de reflexões, A Chegada
é possivelmente o melhor filme de 2016, compreendendo a complexidade temática
de sua história e também a força dramática de seus personagens, oferecendo uma
experiência intensa, triste e enriquecedora.
Excelente! |
João Vitor, 24 de Novembro de
2016.
Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/
Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/
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