O grande crítico de cinema Roger
Ebert tinha uma frase genial que dizia: “Não importa sobre o que um filme é,
importa como ele é sobre aquilo que ele é”. Sim, é uma
citação que pode parecer complicada, mas simplificando em outras palavras,
significa que todo filme tem que funcionar dentro de sua própria lógica. Desta
forma, se um filme se estabelece como um drama realista e pesado, não faz sentido
incluir personagens mais exagerados, ou incidentes que soem muito longe da
realidade. Por outro lado, se o filme quiser criar um universo menos realista,
não há problema algum, desde que não contrarie sua própria lógica tentando se
levar a sério demais. Dentre os filmes que tomam a liberdade de criar um
universo próprio, e que mesmo longe da realidade se mostram extremamente
eficiente, destaco alguns como Fargo (na
realidade, quase toda a carreira dos irmãos Coen serve de exemplo), Deadpool, O Grande Hotel Budapeste, Trainspotting,
e agora este novo e ótimo Elle – que
mesmo com uma trama relativamente previsível, funciona perfeitamente bem dentro
de sua própria lógica, e fornece uma narrativa desconfortável e peculiar, que
compreende que sua força não está em sua história e sim em sua protagonista.
O filme conta a história de
Michèle (Isabelle Huppert), uma executiva em uma empresa de games que
administra sua vida de maneira muito particular, tanto nos negócios quanto nas
relações complicadas como o filho e a nora, e também com o ex-namorado. Mas
após ser estuprada dentro da própria casa por um agressor identificável, ela
tenta impedir que isso a abale, ao mesmo tempo em que teme que o agressor possa
retornar.
Trazendo desde o início um senso
de humor apurado, que vale muito mais por sua peculiaridade e originalidade do
que por gerar risadas propriamente ditas (a cena que se passa em uma
maternidade e outra que traz a protagonista recebendo uma noticia séria de um
médico são os meus momentos de humor favoritos de toda a projeção), o diretor
holandês Paul Verhoeven (do excelente e já clássico Robocop) também acerta por incluir cenas que trazem a protagonista
reencenando mentalmente a violência à qual foi submetida, imaginando o que
poderia ter acontecido se ela tivesse conseguido reagir – em uma sacada genial,
já que isso é algo que todos nós fazemos quando ficamos imaginando o que
poderia ter acontecido se tivéssemos agido diferente em determinada situação (e
isso serve para aproximar emocionalmente a personagem principal do espectador,
já que apesar de ser completamente excêntrica, a nossa capacidade de se
importar com ela é muito importante para o funcionamento do filme).
E é justamente aí que o filme se
diferencia tanto e se mostra tão eficiente: em sua protagonista. Vivida com uma
entrega total pela excelente Isabelle Huppert (que merece aplausos por, mesmo
depois de tanto anos de uma já consagrada carreira, ter a coragem de aceitar um
papel tão desafiador como este), Michèle é uma mulher completamente distante do
universo do espectador (garanto que ninguém jamais conheceu alguém exatamente
como ela), mas pelo talento de Huppert e Verhoeven se torna possível acompanhar
até mesmo suas ações mais absurdas (a relação com a mãe e com a nora são
particularmente marcantes pela peculiaridade) sem que soem artificiais ou
gratuitas, já que como disse anteriormente, o filme compreende sua própria lógica
e trabalha dentro dela – desta forma, não precisamos de grandes momentos
melodramáticos para acentuar um acontecimento trágico, o diretor deixa o
espectador compreender a dimensão do que acontece por si mesmo, enquanto
embarca na frieza de sua protagonista e nos oferece algo que só o bom cinema
pode oferecer: uma experiência irreal, marcante e única.
Muito Bom! |
João Vitor, 16 de Novembro de
2016.
Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/
Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/
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