terça-feira, 16 de setembro de 2014

Crítica: Onde Os Fracos Não Têm Vez, de Joel e Ethan Coen

              

             Onde Os Fracos Não Têm Vez

                         A obra-prima dos irmão Coen


Onde Os Fracos Não Têm Vez não é somente o melhor filme dos irmãos Coen, ou o melhor filme de 2007, ou um dos melhores da década. É, sem sombra de dúvidas, um dos melhores filme já feitos em toda história do cinema americano.


Baseado no livro de Cormac McCarthy, o longa conta a história de Llewelyn Moss (Josh Brolin), um veterano do Vietnã que encontra uma maleta de dinheiro no deserto e se vê perseguido por Anton Chigurh (Javier Bardem). Nesse contexto, há ainda o xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones) que se vê desolado no meio de tanta violência.

Com um roteiro recheado de diálogos geniais, como: “– Você vende traves? – Me diga o número de sua barraca e eu encomendo as traves necessárias. – Esquece. Quero uma barraca. – Qual barraca? – A que tiver mais traves.” ou “ – Se eu não voltar, diga à minha mãe que eu a amo. – Mas sua mãe está morta. – Então eu mesmo digo.”, o filme aborda temas como o corrompimento do homem pela ganância e a banalização da violência, e ainda brinda o espectador com cenas de brutalidades exageradas que são essenciais para a mensagem da obra (reparem no monólogo que abre e no que encerra a narrativa).




A fotografia é do sempre competente e parceiro de longa data dos irmãos Coen, Roger Deakins, que aqui faz um dos trabalhos mais fascinantes de sua carreira, ajudando a montar quadros dignos de serem emoldurados, em especial nas cenas passadas ao nascer do Sol, e criando um contraste espetacular entre o vermelho forte do sangue e as cores secas do deserto.

Outra coisa fascinante no filme é o personagem vivido brilhantemente por Javier Bardem, Anton Chigurh, que sempre surge representando uma ameaça e nunca deixando o espectador prever suas ações. Desde sua primeira aparição, percebemos sua importância (já que surge inteiro de roupas negras em um cenário com cores predominantemente claras e secas), e sua ameaça (já que levamos vários segundos para conseguirmos ver seu rosto). E essa ameaça logo em seguida é justificada, pois sua primeira ação no filme é enforcar um policial com uma algema, para logo em seguida matar um homem com um cilindro de ar comprimido, para depois decidir a vida de um atendente de posto no cara ou coroa. Dessa forma, quando vemos o personagem vivido por Woody Harrelson fazer comentários como: “Você o viu e continua vivo?” ou “Mesmo se você o desse o dinheiro, ele te mataria apenas pelo incômodo”, não temos dificuldades em compreendê-lo.









A direção dos irmãos Coen é o que dá a tudo o toque de obra-prima. Criando rimas visuais interessantes, como aquela envolvendo reflexos em uma televisão, e cenas de ação extremamente bem coreografadas, a dupla demonstra mais uma vez seu marcante senso de humor negro, que aqui, ao contrário da maioria de seus outros filmes, não aparece em primeiro plano, mas sim para pontuar determinados momentos da narrativa, como quando vemos um policial desligando o telefone após dizer “Está tudo sob controle”, para no segundo seguinte ser brutalmente morto.








Outra decisão genial da dupla é a ausência de uma trilha instrumental para ajudar a estabelecer a tensão durante o filme, já que tudo o que os dois precisam pra tal, são apenas os sons diegéticos (aqueles que são originados pelos personagens ou pelo cenário). E isso, além de dar maior realismo à história, principalmente às cenas de ação, deixa tudo ainda mais tenso (destaque para a cena que se passa em um quarto de hotel, onde nenhuma música seria mais tensa do que aquele silêncio; e a cena que mostra Llewelyn sendo perseguido por um pit bull, onde os sons das patas do animal nas pedras se mostram muito mais assustadoras do que qualquer música).



Os figurinos de Mary Zophres também merecem destaque, já que refletem tanto a condição física quanto a mental dos personagens. Llewelyn, por exemplo, começa com uma roupa arrumada, mas com o passar do filme, como o personagem vai se desgastando devido a tudo que lhe acontece, suas roupas também vão ficando cada vez mais rasgadas e sujas. Já Anton Chigurh, permanece com suas roupas intocadas, já que está acostumado à violência e não se vê atingido por tudo que o cerca.









Aliás, em relação às roupas de Chigurh, sua única peça que não é preta são suas botas. Assim, quando o vemos matar um personagem e em seguida erguer os pés para não sujá-los de sangue, podemos perceber outra ironia sutil do filme, já que suas botas já são vermelhas.







Não temendo em apostar em um desfecho ambíguo e genial, mas que com certeza vai desagradar muitos dos que estão acostumados aos finais redondinhos de Hollywood, Onde Os Fracos Não Têm Vez é uma verdadeira obra-prima, que merece ser vista e revista inúmeras vezes, e que traz atuações marcantes, um roteiro irretocável e uma direção primorosa. Sem dúvidas, um filme que irá ser lembrado por muitas e muitas décadas, e que definitivamente irá se tornar um clássico do cinema.

Excelente!

João Vitor, 14 de Setembro de 2014