sábado, 27 de fevereiro de 2016

Palpites Oscar 2016

Assim como no ano passado, seguem minhas apostas para o Oscar:

Para entender melhor minhas escolhas recomendo que leiam meus textos sobre os filmes indicados:


MELHOR FILME

Vai vencer: O Regresso... Ou Spotlight... Ou A Grande Aposta

Poucas vezes a categoria principal esteve tão dividida. Os três principais prêmios da temporada foram para três filmes diferentes. “O Regresso” levou o Sindicado de Diretores, Globo de Ouro e BAFTA, e acredito que seja o favorito, ainda que o fato de não ter sido indicado a roteiro pesa bastante contra, e também é muito raro dois filmes do mesmo diretor levar Melhor Filme em dois anos seguidos. Já “Spotlight” levou o prêmio principal do Sindicado de Atores e outros prêmios importantes como o Critics’ Choice, além de ter sido o franco favorito no início da temporada de premiações, e ainda que tenha perdido forças, tem grandes chances. Já “A Grande Aposta” é o que menos levou prêmios, mas levou o mais importante de todos (Sindicato dos Produtores), ou seja... Está praticamente empatado. Mas me arrisco a dizer que as chances são as seguintes: 40% para “O Regresso”, 30 para “Spotlight” e 30 para “A Grande Aposta”.

Qual seria meu voto: Na categoria de Melhor Filme o voto é diferente: invés de escolher seu favorito, você tem que listar todos os filmes na ordem de sua preferência. Minha lista seria:

1: “Mad Max: Estrada da Fúria” (disparado o melhor) 2: “O Regresso” 3: “Perdido em Marte” 4: “Spotlight” 5: “O Quarto de Jack” (estes últimos três quase empatados) 6: “Ponte dos Espiões” 7: “Brooklyn” 8 “A Grande Aposta” (consideravelmente mais fraco do que os outros).


MELHOR DIREÇÃO

Vai vencer: Alejandro G. Inarritu (O Regresso).

O fato de ele ter vencido ano passado pesa contra (apenas dois diretores ganharam duas vezes seguidas), mas além do Globo de Ouro e BAFTA, ele levou o prêmio mais importante da temporada (DGA), e é o favorito.

Possível surpresa: George Miller (Mad Max: Estrada da Fúria).

Qual seria meu voto: George Miller (Mad Max: Estrada da Fúria) – explico o porquê em minha crítica.

Não merece: Não considero o trabalho de nenhum deles ruim, mas teria dado a vaga de Adam McKay (A Grande Aposta) para Ridley Scott (Perdido em Marte) ou Tod Haynes (Carol).

Observação: Se Adam McKay vencer nesta categoria, seu filme passa automaticamente o ser o franco favorito para a categoria principal. O mesmo vale para Thomas McCarthy (Spotlight).


MELHOR ATOR

Vai vencer: Leonardo DiCaprio (O Regresso)

Não há o que se discutir, Leonardo DiCaprio é um grande ator que já foi indicado várias vezes e ganhou TODOS os prêmios importantes da temporada até agora.

Qual seria meu voto: Leonardo DiCaprio

Não merece: Eddie Redmayne


MELHOR ATRIZ

Vai vencer: Brie Larson (O Quarto de Jack)

Mais uma que não há o que se discutir, já que Larson ganhou TODOS os prêmios da temporada até aqui.

Qual seria meu voto: Brie Larson ou Charlotte Rampling (provavelmente ficaria com a primeira por gostar mais do filme).

Não merece: Jennifer Lawrence – uma atuação mediana em um filme ruim.


MELHOR ATOR COADJUVANTE


Vai vencer: Sylvester Stallone (Creed)

Como Idris Elba (que ganhou o principal prêmio da temporada até aqui) não foi indicado, o caminho fica limpo para Stallone.

Possível surpresa: Christian Bale (A Grande Aposta) ou Mark Rylance (Ponte dos Espiões), mas é muito difícil.

Qual seria meu voto: Sylvester Stallone

Não merece: Nenhum. Particularmente, não teria indicado Mark Ruffalo nem Christian Bale, mas são grandes atores em trabalhos competentes.


MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

Vai vencer: Alicia Vikander (A Garota Dinamarquesa)

Kate Winslet (Steve Jobs) até venceu alguns prêmios na temporada, mas apenas nas cerimonias em que Alicia Vikander estava concorrendo na categoria principal, então sua vitória aqui é quase impossível. Também queria acreditar que Rooney Mara (Carol) tem alguma chance, mas não consigo.

Qual seria meu voto: Rooney Mara, sem dúvidas.

Não merece: Adoro a Alicia Vikander, mas teria ficado muito mais satisfeito se ela tivesse sido indicada por seu trabalho no filme “Ex Machina”.
Mas por mais que eu não goste de “A Garota Dinamarquesa”, não dá para dizer que seu trabalho não é bom, mas também não acho que seja digno de tantos prêmios.


MELHOR ROTEIRO ORIGINAL 

Vai vencer: Spotlight

Esta categoria já está ganha faz tempo (já previ esse resultado no começo de Janeiro ao escrever sobre o filme).

Qual seria meu voto: Divertida Mente é o melhor, mas como já vai ganhar Melhor Animação, eu votaria no ambicioso trabalho de Alex Garland em “Ex Machina” – um filmaço que não vai ganhar nada.


MELHOR ROTEIRO ADAPTADO

Vai vencer: A Grande Aposta

Outra categoria que já está ganha, até porque a única possível surpresa nem foi indicada (Steve Jobs).

Qual seria meu voto: Carol

Não merece: Não gosto do roteiro de A Grande Aposta, ainda que ele utilize elementos puramente cinematográficos para contar uma história que foi originalmente pensada para um livro.


MELHOR FOTOGRAFIA

Vai vencer: O Regresso

Emmanuel Lubezki já venceu nos últimos dois anos, mas levou os principais prêmios da temporada, fez um trabalho exemplar, e a Academia adorou o filme; deve levar.

Possível surpresa: Mad Max

Qual seria meu voto: O Regresso

O que seria justo: Um empate entre O Regresso e Mad Max

Não merece: Gosto muito de todos os indicados.


MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO

Vai vencer: Mad Max: Estrada da Fúria – 90% de chances

Possível surpresa: O Regresso

Qual seria meu voto: Mad Max: Estrada da Fúria (explico o porquê na minha crítica)

Não merece: A Garota Dinamarquesa


MELHOR FIGURINO

Vai vencer: Mad Max: Estrada da Fúria (mais uma vez, leia meu texto para entender o porquê).

Possível surpresa: Carol ou O Regresso

Qual seria meu voto: por conseguir fazer uma armadura de plástico parecer ameaçadora, votaria em Mad Max: Estrada da Fúria, ainda que eu não fosse ficar triste com uma vitória de Carol, um filme que eu adoro e que não vai ganhar nada.

Não merece: Não sou fã de Cinderela, mas seus figurinos funcionam dentro da lógica fabulesca do filme, já as roupas de “A Garota Dinamarquesa” contribuem para a lógica exagerada do diretor Tom Hooper, que afunda o filme, então não deveria nem ter sido indicado (até porque poderia ter dado a vaga para Brooklyn).


MELHOR MONTAGEM

Vai vencer: Mad Max: Estrada da Fúria

Possível supresa: A Grande Aposta (se ganhar aqui, suas chances aumentam muito para Melhor Filme; o mesmo vale para Spotlight)

Qual seria meu voto: Mad Max: Estrada da Fúria

Não merece: Embora eu não goste de A Grande Aposta, como disse em meu texto, sua montagem é eficiente (ainda que funcione em função de um objetivo que eu considero falho).




MELHOR MIXAGEM DE SOM

Vai vencer: O Regresso

Até algumas semanas atrás, diria que a vitória de Mad Max era certa, mas O Regresso levou o BAFTA de Melhor Som, e nos últimos anos todos que venceram lá venceram também o Oscar de Mixagem, então minha aposta vai nele.

Possível surpresa: Mad Max: Estrada da Fúria – nem sei se dá para dizer que seria surpresa.

Qual seria meu voto: Mad Max: Estrada da Fúria

Não merece: Gosto de todos.


MELHOR EDIÇÃO DE SOM

Vai vencer: Mad Max: Estrada da Fúria

Possível surpresa: O Regresso – mas também não sei se dá para dizer que seria surpresa.

Qual seria meu voto: Mad Max: Estrada da Fúria, mas também ficaria muito feliz com uma vitória de Star Wars.

Não merece: Gosto muito de todos.




MELHORES EFEITOS VISUAIS

Vai vencer: Star Wars: O Despertar da Força

Esta categoria está um pouco difícil de prever, mas Star Wars levou o BAFTA, foi um fenômeno de bilheteria, e está indicado em várias categorias (até em algumas em que sua indicação não era esperada, como em Montagem e Trilha Sonora), então acho que leva.

Possível surpresa: Mad Max: Estrada da Fúria

Qual seria meu voto: Gosto muito de todos os indicados, mas Star Wars não vai levar mais nada, então votaria nele.


MELHOR MAQUIAGEM E CABELO

Vai vencer: Mad Max: Estrada da Fúria

Possível surpresa: O Regresso

Qual seria meu voto: Mad Max: Estrada da Fúria, embora goste muito do trabalho de O Regresso.


MELHOR TRILHA SONORA

Vai vencer: Os Oito Odiados

Ennio Morricone é uma lenda e ganhou os principais prêmios até aqui, não tem como não levar o Oscar.

Qual seria meu voto: Os Oito Odiados, sem dúvidas.

Não merece: Gosto de todos, ainda que eu ache que Ponte dos Espiões deveria ter dado sua vaga ao Corrente do Mal.


MELHOR CANÇÃO ORIGINAL



Vai vencer: Til it Happens to You (The Hunting Ground)

Lady Gaga é famosa, ganhou vários prêmios na temporada e a categoria está fraca este ano.

Qual seria meu voto: não sou fã de nenhuma das músicas indicadas, mas a da Lady Gaga é a melhorzinha, votaria nela.


MELHOR ANIMAÇÃO

Vai vencer: Divertida Mente

Não há o que se discutir. É um grande trabalho, é a volta à boa forma da Pixar, e ganhou todos os principais prêmios de animação da temporada.

Qual seria meu voto: Divertida Mente, embora não fosse ficar triste com uma vitória de “Anomalisa” ou “O Menino e o Mundo” (por ser brasileiro).

Não merece: Não vi “Quando Estou Com Marnie”, mas gosto muito dos outros quatro.


MELHOR FILME LINGUA ESTRANGEIRA

Vai vencer: O Filho de Saul

O filme levou todos os prêmios importantes até aqui, e tem uma temática que a academia adora premiar; não tem como não vencer.

Qual seria meu voto: Ainda não vi “O Filho de Saul”, mas dentre os outros quatro, “O Abraço da Serpente” (Colômbia) é sem dúvidas o melhor.

Não merece: Não desgosto de nenhum dos indicados, mas acho que o “Cinco Graças” e “A Guerra” poderiam perfeitamente ter dado suas vagas para o filme brasileiro (“Que Horas Ela Volta?”) e o chileno (“O Clube”).




MELHOR DOCUMENTÁRIO

Vai vencer: Amy

É um filme impactante e atual, além de ter vencido vários prêmios importantes até aqui.

Qual seria meu voto: Cartel Land

Não merece: só vi Amy e Cartel Land, ambos ótimos.


MELHOR DOCUMENTÁRIO CURTA-METRAGEM

Vencedor – Body Team 12

Qual seria meu voto: Não vi nenhum dos indicados.


MELHOR CURTA-METRAGEM

Vencedor – Ave Maria

Qual seria meu voto: Não vi nenhum dos indicados.


MELHOR CURTA-METRAGEM ANIMAÇÃO

Vencedor – Os Heróis de Sanjay

Qual seria meu voto: só vi Os Heróis de Sanjay, e achei apenas bom.

Crítica: Mad Max: Estrada da Fúria, de George Miller

“Mad Max: Estrada da Fúria” é um dos filmes mais alucinantes e envolventes que eu já vi. Brilhantemente dirigido por George Miller o longa é completamente original e inventivo, além de ser disparado o melhor filme de sua saga (que também contém os ótimos “Mad Max”, de 1979, “Mad Max: A Caçada Continua”, de 1981, e “Mad Max: Além da Cúpula do Trovão”, de 1985 – este último um pouco mais fraco que os outros).


Hábil desde o início ao apresentar seu personagem título como uma pessoa completamente perturbada por erros passados, o filme logo estabelece seu ritmo alucinante que não apenas é extremamente eficiente e envolvente, como ainda é coerente dentro do universo em que se passa o filme: um mundo pós-apocalíptico onde a gasolina e os carros são quase deuses.







Aliás, todo o trabalho de direção de George Miller é completamente impecável. Trazendo constantemente planos aéreos que dão a dimensão grandiosa da ação, e nunca apelando para câmera tremida ou cortes muito rápidos, o diretor consegue criar sequencias de tirar o fôlego e sem nunca deixar o espectador perdido em relação ao que está ocorrendo. E sua opção de filmar alguns planos em câmera levemente acelerada se mostra fundamental para a energia do filme, e passam para o público a sensação de velocidade e urgência dos personagens de maneira orgânica e extremamente eficiente.





Vale dizer também que a energia empregada por Miller e sua equipe não estão presentes apenas nas cenas mais grandiosas, mas também em combates menores – como na cena que traz uma luta entre Tom Hardy e Charlize Theron e que é de tirar o fôlego.



Também é necessário aplaudir a decisão de utilizar o máximo de efeitos práticos possíveis, deixando a computação gráfica surgir de maneira quase natural e sem chamar demais a atenção para si (como na cena que envolve uma tempestade de areia). E basta assistir a qualquer sequência que envolva trabalho de dublês neste filme (como as cenas envolvendo manobras de moto), para perceber que não importa o quão bom sejam os efeitos computadorizados, eles nunca substituirão a tangibilidade de um bom efeito prático.




O trabalho de som também merece destaque, pois além de ter que lidar com barulhos ensurdecedores de motores de carro durante boa parte da projeção, a mixagem ainda tem que se preocupar em deixar os diálogos audíveis, já que muitas informações-chave são faladas no meio de perseguições. Além disso, os efeitos sonoros ainda surpreendem por adicionarem pequenos detalhes que enriquecem a ação, como os sons de batidas de coração e até alguns sons dissonantes ao fundo que aumentam a inquietação e passam o estado de espírito perturbado do personagem título.

Já os trabalhos de designe de produção e figurino impressionam pela criatividade ao criarem seu universo e seus personagens. Reparem como a caracterização do vilão Immortan Joe é completamente imponente e ameaçadora ao mesmo tempo em que é primitiva e deslocada (sua armadura parece até de plástico), e muitos personagens secundários também chamam a atenção pela bizarrice de seus visuais – aquele que tem um nariz feito de ferro e o outro que usa um capuz feito de munições são meus preferidos.









O trabalho de maquiagem também é excelente, convencendo nas caracterizações mais fortes (como na aparência ressecada dos indivíduos que passam sede), até em alguns detalhes mais sutis (reparem em como as tatuagens em alto-relevo dos seguidores do vilão são inchadas e completamente primitivas).






Mas não são apenas as caracterizações dos personagens que surpreendem pela inventividade, já que os carros vistos no filme também são únicos e contribuem não apenas para criar uma visual interessante, como também para aumentar a energia das sequências de ação. Gosto muito daqueles que são cobertos de espinhos (mais uma vez, reparem como os efeitos práticos são fundamentais), outros que trazem prisioneiros como “bolsas de sangue” amarrados na parte da frente (recurso que já havia sido utilizado no segundo filme da série), e aquele que traz um carro convencional posto em cima de uma estrutura de rodas gigantes.







Ah, e o que dizer dos carros que trazem instrumentos musicais em sua carroceria, brincando com a própria diegese da trilha sonora?







A fotografia de John Seale também não fica pra trás. Apostando em cores vivas (subvertendo a tendência de filmes pós-apocalípticos de utilizarem sempre paletas dessaturadas), ele beneficia o 3D e cria um universo escaldante, onde a falta d’agua é algo palpável. Além disso, ele ainda faz uma excelente distinção dos cenários em que se passam o filme: a Cidadela é o único local a trazer cores verdes vibrantes, enquanto o deserto é todo alaranjado. Já para as sequências passadas a noite, ele mergulha o quadro em luz azul, o que é de uma beleza plástica sublime e ainda contribui para deixar a ação mais compreensível (já que em qualquer filme as sequências de ação passadas no escuro tendem a ser mais confusas).










Mas por mais que a grande força do filme esteja em seus aspectos técnicos, o roteiro não deixa nada a desejar.

Mesmo trabalhando em cima de uma história simples (que quase se resume a perseguições de carro), o texto escrito pelo próprio George Miller aproveita para subverter clichês (como o da “garota indefesa”) e ainda cria um universo interessante (a maneira como Immortan Joe manipula seus “súditos” com o controle da água é excelente) com personagens que fogem completamente da unidimensionalidade.







Basta ver as figuras das esposas resgatadas, por exemplo: se em inúmeros filmes o roteiro se limitaria a trazer as jovens indefesas apenas para serem salvas pelo herói, aqui elas não apenas estão fugindo de um opressor (“Não somos objetos”, elas escrevem nas paredes de suas celas), como são salvas por uma outra mulher (não um homem como seria o usual) e – e isso é o mais importante – cada uma delas tem personalidade própria.

A jovem interpretada por Abbey Lee, por exemplo, tem um charme mais selvagem, enquanto a personagem de Courtney Eaton tem sentimentos mais conflituosos. Já Zoë Kravitz é a mais impulsiva e revoltada do grupo, e Riley Keough tem a oportunidade de protagonizar momentos de sensibilidade tocantes com o personagem de Nicholas Hoult. E fechando o grupo das esposas temos Rosie Huntington-Whiteley, que surge como a mais madura e sensata das cinco.







O personagem título também não decepciona. Interpretado com uma entrega total por Tom Hardy, Max é uma pessoa atormentada por erros passados e que não está acostumado a ter conversas com outras pessoas – o que se reflete na dicção forçada do ator.


Já Hugh Keays-Byrne, que interpreta o vilão Immortan Joe (e que também interpretou o vilão no primeiro filme da saga, em 1979), talvez seja a principal surpresa do elenco. Mesmo com quase 70 anos, o ator é capaz de uma presença física assustadora, e mesmo utilizando uma mascara o filme todo, o que só o deixa com os olhos disponíveis para atuar (além da voz, é claro), ele é capaz de evocar uma insanidade total e convencer como uma ameaça real aos heróis.








Mas talvez o principal destaque do elenco seja Charlize Theron, e apesar do que sugere o título, ela é a protagonista do filme. Convencendo com a dedicação e o comprometimento de sua personagem, a atriz ainda consegue adicionar uma interessante carga dramática ao filme em um monólogo sobre sua história de vida. Aliás, é na personagem dela que o filme encontra suas forças quando a ação eventualmente fica um pouco de lado.



E mais uma vez é necessário aplaudir a inteligência de Miller em não se render ao clichê de mulheres indefesas, já que a personagem da Charlize Theron executa tarefas que o próprio Max é incapaz (o momento envolvendo uma arma com três tiros é um dos meus preferidos).



Sendo uma experiência inesquecível e inovadora, “Mad Max: Estrada da Fúria” não apenas cumpre seu papel de entreter (e muito) seu espectador, como ainda consegue subverter clichês do gênero Ação, se estabelecendo como uma obra inteligente e que mostra que ainda há espaço para trabalhos profundamente originais dentro do Cinema Blockbuster.

Excelente!


João Vitor, 26 de Fevereiro de 2016.

Crítica: Ex Machina: Instinto Artificial, de Alex Garland

Não é por acaso que o tema “Inteligência Artificial” é tão explorado no Cinema. As questões que isso levanta podem ser fascinantes se bem trabalhadas (“o que define um ser humano?”, “até que ponto podemos nos diferenciar das máquinas?”). E ao longo da História o tema originou verdadeiras obras primas, tais como “Metrópolis” (1927, Fritz Lang), "2001: Uma Odisseia no Espaço" (1968, Stanley Kubrick) "Blade Runner" (1982, Ridley Scott) e "Matrix" (1999, Andy e Lana Wachowski). Sendo assim, não deixa de ser surpreendente que mesmo décadas depois um tema já tão explorado consiga dar origem a um filme tão bom quanto este novo “Ex Machina”.



Escrito e dirigido por Alex Garland (roteirista conhecido por colaborar com Danny Boyle – “A Praia” (2000), “Extermínio” (2002) e “Sunshine” (2007) – e estreante na direção), a trama acompanha Caleb (Domhnall Gleeson), um jovem programador que ganha um sorteio para passar uma semana na casa isolada de Nathan Bateman (Oscar Isaac), que está em segredo construindo um robô com inteligência artificial, Eva (Alicia Vikander).

Desde o início é possível notar que o roteiro trabalha o protagonista para ser o ponto de vista do espectador (uma pessoa que é jogada em uma situação complexa, e aos poucos começa a compreendê-la), mas ao contrário de muitos outros filmes do gênero (até o competente “Interestelar” serve de exemplo), o roteiro não apela para diálogos demasiadamente expositivos, afinal, Caleb é um programador inteligente e não demora pra compreender as ideias de Nathan.


É claro que aqui e ali o texto dá uma escorregada, como ao terminar um diálogo com um clichê bobo (“Se você criou Inteligência Artificial, não é a História dos Homens, é a História dos Deuses”), mas no geral é mais do que competente, achando ainda espaço para momentos memoráveis (como o diálogo entre Caleb e Nathan sobre sexualidade).

As atuações também merecem aplausos. Domhnall Gleeson (ator de quem gosto cada vez mais) protagoniza o filme com carisma e competência, tendo ainda a oportunidade de adicionar uma discreta e bem vinda profundidade a seu personagem em um breve monólogo sobre seus pais.

Já Oscar Isaac (que a essa altura já é um dos meus atores preferidos) é o grande destaque do filme (e sua não indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, ainda que previsível, não deixa de ser frustrante). Seu personagem é cheio de dubiedade: ao mesmo tempo em que é capaz de despertar simpatia (reparem na naturalidade com a qual ele dá um leve toque amigável em Caleb durante uma conversa), também gera no espectador (e no protagonista) uma desconfiança cada vez maior, seja pelo seu alcoolismo ou pela clara omissão de informações. E a cena passada em um jantar onde seu personagem faz uma brincadeira (ou não?) sobre os eletricistas que trabalharam em sua casa é um dos melhores momentos do longa.


Fechando o elenco principal temos também Alicia Vikander (indicada a vários prêmios por este papel, e franca favorita para o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo seu trabalho no filme “A Garota Dinamarquesa”). Sua personagem acaba funcionando, de certa forma, como uma outra versão do personagem de Oscar Isaac, também sendo capaz de conquistar a simpatia do espectador e do protagonista desde o início (com seu olhar doce, inocente e curioso), mas também gerando cada vez mais desconfianças conforme a trama avança. Aliás, acho uma pena que a atriz esteja ganhando tantos créditos pelo filme “A Garota Dinamarquesa” e não por este “Ex Machina”, pois se trata não apenas de um filme infinitamente superior, como também um trabalho de atuação muito mais desafiador e bem sucedido (e se em “A Garota Dinamarquesa” muitas outras atrizes poderiam ter tomado seu lugar, confesso que não consigo pensar em nenhum outro nome que faria sua personagem tão bem aqui).

A direção de Alex Garland também é hábil ao criar uma atmosfera tensa mantendo constantemente a câmera em movimento sorrateiro, como se estivesse vendo algo que não devia. E a escolha de quase não usar trilha sonora instrumental durante os dois primeiros atos, criando tensão apenas a partir de sons como vento e folhas, se mostra surpreendentemente eficiente.


E se a escolha de mergulhar a casa em luz vermelha toda vez que a energia cai pode parecer uma decisão óbvia da fotografia de Rob Hardy (afinal, o vermelho tende automaticamente a deixar tudo mais tenso), não há como negar que a estratégia funciona, e as cenas envolvendo diálogos entre Caleb e Eva durante essas quedas (que são também os únicos momentos onde eles podem conversar sem serem ouvidos por Nathan) estão entre os melhores do filme. Além disso, o fotógrafo ainda aproveita as belíssimas locações das poucas cenas externas do filme para criar verdadeiras pinturas (a cena envolvendo quedas d’água é a minha preferida – plasticamente falando).

Ainda que perca um pouco de força em seu terceiro ato (quando ele finalmente mostra suas cartas não deixa de ser interessante, mas é inegável que o suspense anterior era mais eficiente), “Ex Machina” é um filme inesquecível e inteligente. Não é o maior exemplo de originalidade, mas é mais do que bem sucedido dentro de sua proposta, mostrando que o gênero de ficção científica ainda pode ter muito para nos presentear.

Ótimo!


João Vitor, 4 de Fevereiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Crítica: Straight Outta Compton, de F. Gary Gray

“Straight Outta Compton” é um filme surpreendentemente bom. Digo que é surpreendente pois biografias de artistas não vêm sendo um forte do Cinema americano nos últimos anos, e a história real que inspirou esta obra tem várias armadilhas que poderiam estragar a narrativa (como o excesso de personagens e a questão social), mas felizmente isso não acontece e o filme se mostra coeso e bem sucedido.


Ambientado nos anos 80 o roteiro segue os cinco jovens que usaram suas experiências pessoais, como a constante violência policial à qual eram submetidos, para escreverem raps de protesto e que alcançaram sucesso no mundo todo com o nome de N.W.A.

O primeiro acerto do grupo de quatro roteiristas é retratarem o processo de criação das letras e a formação da banda de maneira convincente, ainda que claramente simplifiquem algumas situações e tragam vários diálogos que com certeza não aconteceram dessa maneira na vida real. E ainda que possua aqui e ali alguns momentos mais artificiais (como a discussão entre o personagem de Paul Giamatti e um policial em frente à gravadora), o texto consegue desenvolver com cuidado o alto número de personagens importantes, e faz com que o espectador entenda suas motivações.

Outra coisa interessante do filme é a maneira como ele transita com fluência de diálogos convencionais para momentos de grande tensão. E a direção ágil e segura de F. Gary Gray, que mantém a câmera inquieta e aposta em ruídos graves constantes para acentuar o desconforto crescente de algumas cenas, consegue não apenas deixar o espectador apreensivo, como ainda cria momentos de ação extremamente marcantes – como a cena que abre o longa e envolve uma invasão policial, e outra que traz uma correria caótica depois de um show.

A montagem também merece créditos pela energia imposta nas cenas de apresentações, onde os cortes sincronizados com o ritmo da música surgem de maneira orgânica e sem chamar demais a atenção para si. Já a fotografia é extremamente feliz ao utilizar a luz solar para criar constantes flares, que curiosamente lembram muito as luzes utilizadas em palcos – como se lembrasse os personagens daquilo que eles almejam.

É necessário destacar também que o filme ainda tem algumas sutilezas muito interessantes – reparem na naturalidade e o cansaço com que Ice Cube olha uma ação violenta da polícia (sem esconder seu desgosto, mas sabendo que não pode fazer nada contra), ou então quando um policial manda os personagens se deitarem no chão e eles, antes mesmo de receberem a ordem, já vão entrelaçando os dedos atrás das costas (passando para o espectador a informação de que eles já passaram por isso dezenas de vezes, sem precisar apelar para um diálogo expositivo).

Mas apesar de todas as qualidades técnicas, me arrisco a dizer que o filme não seria nada mais do que mediano se não fossem seus atores. Sendo homogeneamente competente, o carisma do elenco é fundamental para que o espectador consiga se envolver e se importar com os personagens.

Paul Giamatti, ator que já ofereceu performances impecáveis (“Sideways”, 2004) e outras vergonhosas (“A Dama na Água”, 2006), surge aqui surpreendentemente bem. Apesar de sua caracterização exagerada, seu personagem está longe de ser uma caricatura, convencendo pela maturidade, e servindo como a voz sensata para os impulsivos membros da banda.

Mas talvez o maior destaque do elenco seja Corey Hawkins como Dr. Dre, que não apenas é muito carismático, como ainda tem a chance de protagonizar duas cenas comoventes de peso dramático, se saindo incrivelmente bem. Aliás, é interessante e corajoso que a trilha sonora não apele para melodias melodramáticas para tentar arrancar lágrimas, deixando o trabalho quase que todo por conta do ator.

Voltando a encontrar uma força dramática em seus últimos minutos depois de uma hora final bem monótona, “Straight Outta Compton” funciona como denúncia ao racismo e à violência policial ao mesmo tempo em que é uma experiência envolvente e marcante. Não é o filme mais original do mundo, nem tampouco inovador, mas não deixa de ser extremamente competente e prova que ainda é possível fazer uma boa biografia em Hollywood.

Muito Bom!

P.S: Há duas versões deste filme: uma de duas horas e vinte, e outra de duas horas e quarenta e cinco. Este texto é baseado na versão mais longa.

João Vitor, 5 de Fevereiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: Steve Jobs, de Danny Boyle

Dentre os cineastas estrangeiros em Hollywood, Danny Boyle é sem dúvidas um dos mais interessantes, pois é um profissional que está se desafiando constantemente, fazendo com que seus trabalhos sejam sempre diferentes uns dos outros. Filmes como “Trainspotting”, “Quem Quer Ser um Milionário?” e “127 Horas”, independente da qualidade, são obras que se diferenciam completamente entre si, cada uma criando um próprio universo e funcionando muito bem dentro dele.



Neste seu novo trabalho, “Steve Jobs”, o cineasta acompanha o personagem título (interpretado por Michael Fassbender) durante três momentos marcantes de sua vida e carreira. O lançamento do Macintosh (1984), sua passagem pela empresa Next (1988), e o lançamento do iMac (2001).

Desde os segundos iniciais o filme já traz um grande senso de urgência, e estabelece Steve Jobs como uma pessoa arrogante, mas inteligente, que tem uma quase irracional obsessão com cada mínimo detalhe em seu trabalho. E já de cara é necessário aplaudir a atuação de Michael Fassbender, que não apenas funciona dentro do contexto do filme, como ainda foge da caricatura, convencendo mesmo nas falas mais teatrais (“Você teve três semanas para resolver isso, o universo foi criado em um terço desse tempo”, diz em certo momento).


Kate Winslet (indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante pelo seu papel) também está muito bem, e por mais que nos dois primeiros atos ela não tenha muito o que fazer (sua personagem não é nada mais do que a “assistente do protagonista”), no ato final ela tem a oportunidade de adicionar uma forte carga dramática ao filme, e o faz muito bem.

Também não posso deixar de chamar a atenção para o trabalho de Seth Rogen, um ator cômico que eu particularmente gosto muito, mas que sempre achei limitado dramaticamente, e que aqui faz um papel muito importante e se sai surpreendentemente bem, conseguindo deixar de lado sua persona cômica e mergulhar completamente em seu personagem - e a cena que o traz discutindo com Jobs em um palco de orquestra é particularmente memorável, não apenas pelo forte texto e as ótimas atuações, como também pelo simbolismo (como o próprio Jobs fala, ele pode até não “tocar os instrumentos”, mas sabe desempenhar o papel de “maestro” e fazer todos trabalharem para o mesmo objetivo).


Aliás, é curioso que o próprio roteiro traga a comparação com uma orquestra, já que em diversos momentos a montagem e a trilha sonora trabalham juntas para criar uma estrutura quase orquestral – destaque para a cena que traz Michael Fassbender e Jeff Daniel em um duelo verbal (um de vários), onde a música vai criando um atrito cada vez maior, e a montagem intercala momentos do presente com pedaços de discussões passadas, criando uma sequência memorável e brilhantemente orquestrada.


O roteiro de Aaron Sorkin (que escreveu também o ótimo “O Homem Que Mudou o Jogo” e o brilhante “A Rede Social”) traz suas principais características – além dos já citados duelos verbais, o texto tem ainda vários momentos de “walk-and-talk”, que mesmo expositivos, funcionam graças à agilidade e o talento do roteirista para escrever diálogos, e pela maneira cuidadosa como ele constrói seus personagens. E o fato de ele ter sido esnobado pela Academia, no mesmo ano em que o favorito é o trabalho irregular de Adam McKay e Charles Randolph em “A Grande Aposta”, é extremamente decepcionante e injusto.

Vale apontar também que no terceiro ato o filme muda um pouco sua pegada, deixando o ritmo frenético um pouco de lado, e pesando mais o lado dramático, o que não é necessariamente um problema, já que isso acaba por humanizar ainda mais os personagens. Mas os segundos finais acabam mudando um pouco a lógica da narrativa para tentar terminar em uma nota otimista, o que acaba soando um pouco forçado e artificial, ainda que o diretor Danny Boyle consiga imprimir uma estrutura de fim de espetáculo que não apenas funciona, como também é coerente com o que ele vinha fazendo até então (tendo em vista o que eu abordei dois parágrafos acima).

Sendo acertadamente um filme sobre personagem e não sobre trama (os sucessos e fracassos das empresas são resumidos em segundos), “Steve Jobs” faz jus à seu personagem título, sendo fascinante e único, conseguindo se manter com o espectador mesmo depois de seu fim.


Muito Bom!

João Vitor, 17 de Janeiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/