segunda-feira, 25 de abril de 2016

Crítica: Ave, César!, de Joel e Ethan Coen

Existem pouquíssimos diretores em atividade que são tão interessantes quanto os irmãos Joel e Ethan Coen. Donos de uma carreira que já dura mais de trinta anos, a dupla comandou diversas obras primas (como “O Grande Lebowski” e “Onde os Fracos Não Têm Vez”) e conquistou o respeito tanto do grande público (com 4 Oscars no currículo) quanto dos cinéfilos mais exigentes (com diversos prêmios em festivais respeitados como o de Cannes).

E agora com este novo “Ave, César!”, eles provam que ainda são capazes de surpreender mesmo quando não trazem muita coisa nova.


Ambientado na era de ouro de Hollywood, o filme acompanha o chefe de estúdio Edward Mannix (Josh Brolin), que no meio das correrias de diversas gravações descobre que seu principal astro, Baird Whitlock (George Clooney) foi sequestrado.

Como não poderia deixar de ser, o filme acaba funcionando como uma homenagem ao cinema de Hollywood da década de 50 (em especial os musicais e épicos), e, se tratando de um filme dos irmãos Coen, também não deixa de ser uma divertida sátira com o período, ironizando o medo comunista americano e brincando com diversos clichês de gêneros (desde as transições de montagem bregas até o vilão com um animalzinho de estimação – aliás, o nome escolhido para o animal é simplesmente genial, e pode até passar despercebido para algumas pessoas), sempre trazendo o senso de humor tão característico da dupla (que fica claro na piada envolvendo o nome do diretor interpretando por Ralph Fiennes e – minha preferida – na cena que envolve uma reunião de líderes religiosos para discutir sobre um roteiro).

Também é interessante como os diretores conseguem achar espaço para incluírem momentos de alto nível de complexidade estética (outra marca registrada deles) – como na cena que envolve a personagem de Scarlett Johansson em uma coreografia de nado sincronizado e outra que traz um número musical protagonizado por Channing Tatum.


Em relação aos personagens o filme também não deixa a desejar, principalmente para quem já é fã dos Coen, trazendo diversas figuras que beiram o caricatural, mas que funcionam muito bem dentro da lógica do filme e reforçam seu senso de humor (como na subtrama envolvendo a personagem de Scarlett Johansson e na breve cena protagonizada por Frances McDormand).

Sendo desde já um dos filmes mais interessantes do ano, “Ave, César!” pode não ser para todo mundo (principalmente para quem não gosta dos trabalhos dos diretores mais voltados para a comédia exagerada, como “Queime Depois de Ler” e “E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?”), mas quem aprecia uma experiência diferente e recheada de sarcasmo com certeza terá um prato cheio.


Muito Bom!


João Vitor, 25 de Abril de 2016.

terça-feira, 5 de abril de 2016

Crítica: O Filho de Saul, de László Nemes

O Filho de Saul é um filme difícil e sufocante, mas é também uma obra inesquecível e extremamente bem realizada, que surpreende pela capacidade de imersão e pelo total controle que exerce sobre o espectador.


Ambientado em um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, o filme acompanha Saul, um judeu húngaro membro do Sonderkommando (um grupo de prisioneiros que ficam isolados dos demais, auxiliando à força os nazistas nas câmaras de gás) e que um dia acredita ter encontrado seu filho entre os corpos que estão para serem queimados. A partir daí, ele vai tentar encontrar um rabino para que possa dar um enterro religioso apropriado para a criança.

A abordagem do diretor estreante László Nemes não é nada sutil e não hesita em criar uma atmosfera completamente desagradável e sufocante para fazer o espectador compartilhar o sentimento de urgência e angústia vivido pelo protagonista. Utilizando uma razão de aspecto reduzida, que deixa a imagem quase quadrada, o diretor ainda não economiza em câmara na mão tremida e quadros fechadíssimos que acompanham o personagem pelas costas e deixa quase tudo o que acontece ao redor desfocado – o que dá à narrativa um caráter de primeira pessoa e, obviamente, deixa tudo ainda mais claustrofóbico.

Vale dizer também que por causa desta abordagem estética que deixa tudo o que acontece ao redor desfocado, o trabalho de som se torna ainda mais importante para que o espectador possa compreender o que está ocorrendo na tela, e o resultado é impecável. A grande maioria dos sons acontece ou fora de foco ou fora de quadro, e o designe sonoro do filme é extremamente eficiente não só em recriar esses sons (tiros, explosões, gritos, etc.), mas também em espalhá-los entre as caixas do cinema (alguns sons vêm do lado direto, outros do esquerdo, e muito até de trás), praticamente encurralando o espectador e tornando a experiência ainda mais imersiva.



Também é interessante como a fotografia abre mão de qualquer tipo de “glamour” ou beleza plástica para apostar em um visual amarelado, sujo e feio, e que cai como uma luva dentro da proposta incômoda da narrativa. Aliás, vale dizer que toda a reconstrução de época é impecável, desde os uniformes amassados e sujos dos prisioneiros até o ambiente claustrofóbico e aterrorizante das câmaras de gás.

O filme só acaba pecando mesmo em dois aspectos. Primeiro, por privar o espectador de quase todo conhecimento possível sobre o protagonista, já que as únicas informações sobre o personagem e seu filho são dadas apenas no terceiro ato, sendo que se algumas delas fossem apresentadas antes, o roteiro ficaria muito mais instigante de ponto de vista dramático. E segundo, ele se estende demais em sua hora final, chegando até a ficar repetitivo. Normalmente filmes que têm uma abordagem mais incômoda não costumam passar de uma hora e meia, e neste caso a projeção beira às duas horas, fazendo com que momentos-chave que ocorrem na reta final da trama sejam encarados com impaciência por parte do espectador que já começa a ansiar pelo seu desfecho.

Mas estes são deslizes bem pequenos comparados ao poder de imersão do filme, que não apenas é uma obra marcante, como ainda prova que mesmo um tema tão explorado pelo Cinema como o Holocausto ainda pode render trabalhos completamente originais.

Ótimo!

João Vitor, 5 de Abril de 2016.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Crítica: Zoom, de Pedro Morelli

“Zoom” é um filme que funciona tanto como uma experiência narrativa ambiciosa quanto como uma homenagem ao Cinema e a ficção de modo geral. Além disso, trata-se de uma experiência divertidíssima que ainda consegue surpreender pela ambição e ser completamente único e original.



O roteiro conta simultaneamente três histórias: uma acompanha Emma (Alison Pill), que após gastar suas economias em um implante de seios que dá errado, tem que arrumar uma maneira de conseguir dinheiro para refazer a cirurgia; a outra é feita em animação e segue o cineasta Edward (Gael Garcia Bernal), que encontra dificuldades na produção de seu novo filme; e a última acompanha Michelle (Mariana Ximenes), uma modelo que decide largar a carreira para ser escritora.

As premissas são simples, mas o que realmente as tornam tão interessantes é o fato de elas estarem uma dentro da outra: Emma está desenhando uma HQ sobre Edward, que está dirigindo um filme sobre Michelle, que por sua vez está escrevendo um livro sobre Emma. Ou seja, tudo está interligado em um loop, e cada história só funciona em função da outra.

Pra ficar mais fácil de entender.

O principal tema do filme, e que o torna tão interessante, é a realidade vs ficção. Em todas as tramas temos alguém contando uma história de uma forma diferente (filme, quadrinho e livro), e uma das personagens ainda trabalha em uma fábrica de bonecas sexuais, que são feitas sob encomenda para imitar pessoas reais, e em determinado momento ela diz “Nós vamos fazê-la idêntica, mas melhor” – que, afinal de contas, é a própria definição de ficção: uma imitação da realidade, mas de alguma forma, melhor.


Além disso, o filme merece muitos créditos por conseguir equilibrar tão bem três tramas tão distintas e saltar de uma para outra de maneira tão orgânica e bem humorada – em determinado momento, por exemplo, o cineasta Edward diz que quer mostrar com seu filme “sua verdadeira visão”, e nesse momento a câmera vai se aproximando até mergulhar em seu olho, e daí passamos a acompanhar a outra história.



As opções estéticas encontradas pelo diretor Pedro Morelli para diferenciar as tramas também são orgânicas e interessantes. A trama com a personagem da Alison Pill é quase toda filmada com uma paleta amarelada, enquanto a que segue a modelo vivida por Mariana Ximenes é recheada de cores frias. Já a que acompanha o cineasta vivido por Gael Garcia Bernal é diferenciada de uma maneira mais óbvia, já que é toda filmada para simular uma animação 2D em stop motion (na verdade as cenas foram filmadas primeiramente com os atores e depois convertidas manualmente para desenhos). Aliás, é interessante notar como a animação começa completamente bidimensional, sem detalhes e sem cores, mas depois do personagem dizer “Eu não sou tão unidimensional”, alguns detalhes começam a aparecer e aos poucos os desenhos vão se enchendo de cores vivas e vibrantes.

Também é interessante como o diretor consegue brincar com as abordagens de cada trama. A história do cineasta é feita para simular um stop motion, já a que segue a personagem que precisa tirar seu silicone tem uma abordagem bem cômica, com movimentos de câmera mais mecânicos e discretos. Mas é na última trama, que acompanha a modelo, que o diretor toma sua decisão mais interessante: como essa história está sendo filmada pelo cineasta ficcional dentro do filme, o diretor (o real) aproveita para abusar de movimentos de câmeras virtuosos, que mesmo chamando demais a atenção para si, funciona dentro do contexto (afinal, o personagem é um cineasta vaidoso e cheio de si).


Aliás, uma das coisas mais engraçadas do filme é justamente a maneira como ele tira sarro de si mesmo. Em determinado momento, por exemplo, temos uma personagem comendo pão com requeijão e podemos ver com destaque o logo da Danone (que é uma das patrocinadoras do filme), numa propaganda artificial e que só serve para lembrar o espectador que ele está vendo um filme. Mas alguns minutos depois, vemos o personagem do cineasta brigando com sua equipe justamente por ser obrigado a incluir em seu filme uma inserção publicitária (o que não anula o erro, mas pelo menos mostra que o próprio filme tem consciência de sua falha).


Não que o filme não tenha erros, pois na verdade tem. A mania de ficar parando a trilha sonora para um fala engraçadinha demostra uma insegurança na força do próprio texto, além disso, todo e qualquer impacto dramático possível dentro das tramas são anulados em prol da experiência metalinguística, e os desfechos das narrativas também são um tanto quanto decepcionantes (ainda que, mais uma vez, seja necessário aplaudir a sacada do filme de tirar brincar consigo mesmo, ao incluir uma piada durante os créditos que tira sarro justamente do desfecho insatisfatório).


Tendo ainda um terceiro ato que surpreende muito pela complexidade e ambição narrativa, “Zoom” é um filme único e divertido, que brinca consigo mesmo e, acima de tudo, serve para nos lembrar do quanto é fascinante e necessária a ficção em nossa vida.

Muito Bom!

João Vitor, 1º de Abril de 2016.