terça-feira, 13 de outubro de 2015

Crítica: Quarteto Fantástico, de Josh Trank


Quarteto Fantástico


Uma leve defesa para o filme mais criticado do ano


O texto a seguir foi inicialmente planejado para ser um breve comentário para o site filmow, mas acabou se estendendo em uma análise mais completa e decidi publicá-lo aqui.



Realmente, o filme é bem fraco, mas na minha opinião, também está longe de ser esse desastre todo que estão falando. Fiquei com a impressão de que com a má recepção da crítica, muita gente já foi pro cinema esperando ver um filme ruim, e como o primeiro ato é um desastre, é fácil desistir e dizer que o filme é todo um lixo, o que não é verdade.


O primeiro ato, como eu já disse, é um desastre: recheado de clichês (poucas coisas são mais ultrapassadas que o jovem menino gênio, que sofre bullying na escola e constrói uma incrível máquina na garagem de casa) e diálogos pavorosos, que não consegue criar nem um momento sequer um pouco engraçado.





Já o segundo ato é muito interessante, mesmo. A dinâmica entre os personagens (muito em função do talento dos atores) funciona, o filme consegue criar momentos cômicos leves e orgânicos, e a ação é interessante (destaque para a cena em que os personagens viajam para a outra dimensão, logo antes de ganharem seus poderes). É claro que ainda tem algumas falhas (a cena que traz os personagens discutindo a possibilidade de usarem a máquina escondidos é particularmente falha), mas ainda assim, como um todo, funciona.

Ah, sim, e tem uma referência ao Borat - como não gostar?


Finalmente, temos o terceiro ato, que foi disparado a parte mais criticada por todos. Particularmente, o achei bem falho, mas não acho que seja um desastre completo. As cenas de ação não têm nada de mais, mas também não são vergonhosas. O vilão também tem prós e contras: suas motivações não são absurdas (um jovem que não é ninguém em sua vida e de repente pode ser o rei de um mundo não é uma premissa ruim), mas o problema é que elas soam muito radicais, pois sua transformação é feita muito rápido (um problema que atingia também o personagem de Jamie Foxx no subestimado “O Espetacular Homem Aranha 2:A Ameaça de Electro”, do ano passado).


Mas o que realmente prejudica este terceiro ato, e acabou comprometendo a experiência para muita gente, é que é nele que todas as fragilidades da estrutura do filme se expõem.

Soa extremamente tolo o fato de o Victor Von Doom sumir no começo, passar metade do filme sem aparecer ou influenciar nada, e de repete surgir como o grande antagonista dos heróis. Outra coisa que prejudica é o fato do clímax não ter preparação nenhuma: o filme está vindo em um determinado ritmo, e se saindo muito bem, e de repente, um minuto depois, os personagens já estão se enfrentando na batalha final.

Mas, sejamos honestos, o visual do Dr. Destino merece créditos, pois não apenas é interessante como também é coerente dentro da lógica estética do filme, sem parecer cartunesca ou exagerada. Além disso, o personagem tem uma presença intimidadora muito forte (destaque para o momento em ele se levanta, logo após se revelar como o vilão, e a câmera acompanha o seu caminhar em um plano contra-plongée – momento este que me causou mais impacto do que qualquer um presente em “Homem-Formiga”, por exemplo).

Sendo extremamente irregular, mas não um desastre completo, este novo “Quarteto Fantástico” é uma nota desafinada em um ano em que as grandes produções hollywoodianas vêm se mostrando surpreendentemente coesas e competentes (Mad Max, Jurassic World, Divertida Mente e Missão Impossível vem à mente), mas é também um filme injustamente detonado por quem entra na sala de cinema com pré-conceitos já construídos e se cega para suas eventuais virtudes.

O.K.

João Vitor, 13 de Outubro de 2015.

sábado, 10 de outubro de 2015

Crítica: A Travessia, de Robert Zemeckis



A Travessia

Mais um acerto de Robert Zemeckis


Robert Zemeckis já deixou sua marca na história do cinema, sendo um cineasta com uma capacidade invejável de criar narrativas únicas e envolventes, sempre buscando maneiras novas de contar suas histórias, e utilizando a tecnologia em favor da Arte (Trilogia De Volta Para o Futuro e Forrest Gump estão aí para comprovar). E sua carreira acaba de ganha mais um admirável exemplar com esse novo “A Travessia”.

O filme conta a história real do equilibrista Philippe Petit (Joseph Gordon-Levitt), que ficou famoso ao atravessar as Torres Gêmeas usando apenas um cabo. Mesmo sem ter autorização legal para a arriscada aventura, ele reuniu um grupo de assistentes internacionais e contou com a ajuda de um mentor (Ben Kingsley) para bolar o plano, que sofreu diversos obstáculos para poder ser finalmente executado. A travessia ocorreu na ilegalidade em 7 de agosto de 1974 e ganhou destaque no mundo inteiro.

Uma discreta referência
ao Laranja Mecânica.
Filmes americanos que se passam em outros países com personagens de outras nacionalidades sempre se veem diante de um problema: o idioma. Pois fazer um filme em uma língua que não seja o inglês implicaria em uma baixa de bilheteria, tendo em vista que uma boa parte do grande público americano não está acostumada a ler legendas. Sendo assim, filmes como “Operação Valquíria” e “A Menina que Roubava Livros” acabam se prejudicando e soando artificiais ao trazerem personagens falando uma língua que visivelmente não seria a deles. Aqui, o mesmo quase acontece, pois os personagens franceses falam inglês até mesmo entre si, mas pelo menos o roteiro se preocupa em tentar justificar essa decisão: Philippe Petit pede a seus amigos para conversarem em inglês porque ele precisa “treinar” para quando for à Nova York. Não deixa de ser um pouco artificial, mas pelo menos é necessário reconhecer o esforço.

O protagonista, muito bem interpretado por Joseph Gordon-Levitt, é carismático e bem desenvolvido, sem nunca fazer o espectador duvidar que alguém realmente possa ser assim (um erro muito comum em filmes que acompanham artistas emblemáticos), e seu romance com a personagem interpretada por Charlotte Le Bon traz momentos interessantes ainda que se encerre de maneira pouco satisfatória.


É preciso reconhecer também que o roteiro tem vários clichês: o pai de Petit é a caricatura do homem sério que não quer que o filho seja artista, e a cena que leva o jovem a sair de casa é de dar vergonha alheia, tamanha a artificialidade. Além disso, os dois últimos “cúmplices” a se juntarem ao grupo reunido pelo protagonista são a mais pura caricatura dos hippies dos anos 70. 

Já os efeitos visuais são impecáveis (Joseph Gordon-Levitt realmente parece estar andando pelo cabo em todas as cenas do filme e a reconstrução das torres por computação gráfica jamais soa artificial).




Como diretor, Robert Zemeckis cria um interessante clima de deslumbramento e reverência à Arte, que lembra um pouco o clima fantasioso criado por ele em O Expresso Polar, e sua escolha por praticamente não manter a câmera parada, utilizando a tecnologia para criar movimentos que de outra forma seriam impossíveis, não só ajudam a criar uma narrativa em 3D interessante (coisa rara), mas também contribui para o clima de deslumbramento do filme (não dá para esquece que acima de tudo, atravessar as torres gêmeas foi para Petit a realização de seu maior sonho).

E por falar em 3D, esta é uma das poucas vezes que eu diria que vale a pena pagar o ingresso mais caro, pois a técnica aqui ajuda na imersão do espectador na narrativa, especialmente durante a esperada cena da travessia entre as torres, onde acaba sendo fundamental para criar a tensão e sensação de vertigem que o cineasta almeja.


A trilha sonora acerta ao apostar em riffs de guitarra durante as passagens do filme que acompanham os planos dos personagens para “invadir” as torres, pois não apenas gera empolgação e divertimento, como também remete às bandas de rock dos anos 70 (período em que se passa o filme). E a escolha de Für Elise (a famosa musiquinha do gás), de Beethoven, para acompanhar a travessia é linda e ajuda a passar não apenas a leveza do momento, como também o deslumbramento experimentado por todos que acompanharam a façanha.

A opção de quebra da quarta parede (quanto um personagem olha para a câmera e fala diretamente com o público) para a narração do filme parece um pouco esquisita no início, e mesmo não se justificando, pelo menos consegue, conforme a narrativa avança, criar um elo entre o protagonista e o espectador, algo que acaba contribuindo para o impacto dramático da obra.


Terminando com uma palavra que é perfeita para resumir o legado deixado pelo ato de Petit e também fazer uma singela e discreta homenagem ao World Trade Center, “A Travessia” é um filme único, inesquecível, e mesmo com seus problemas, pode facilmente ser considerado como mais um passo certeiro na rica carreira de Robert Zemeckis.

Muito Bom!

João Vitor, 10 de Outubro de 2015. 

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Crítica: Pecados Íntimos, de Todd Field

Pecados Íntimos é um ótimo filme. Não tanto por ser original ou por trazer uma direção particularmente memorável, mas sim pelo simples fato de que o roteiro reconhece e se apoia em sua melhor qualidade: seus personagens.


Sarah Pierce (Kate Winslet) é casada com Richard (Gregg Edelman), com quem tem uma filha. Um dia, ela conhece Brad Adamson (Patrick Wilson), que é casado e tem um filho com Kathy (Jennifer Connelly). É o início de uma amizade entre eles, que envolve um homem frustrado por estar desempregado e uma mulher infeliz com seu casamento e sua própria vida. Logo esta amizade torna-se um caso extraconjugal.


Como dá para perceber, não se trata das mais originais ou promissoras premissas, mas o roteiro escrito por Todd Field e Tom Perrotta é inteligente o suficiente para reconhecer isso e compensar desenvolvendo com cuidado os vários e complexos personagens.


Sarah é estabelecida como o centro do filme, sendo uma mulher infeliz que finalmente encontra algo novo em sua vida ao se relacionar com Richard, que por sua vez também é profundamente infeliz e imaturo, mesmo que relativamente bem sucedido (ele está desempregado, mas é formado em Direito, e sua esposa trabalha como documentarista). Ainda temos também o personagem Ronnie (Jackie Earle Haley), que é um pedófilo que acabou de sair da cadeia e retorna para a casa, mas se vê incapaz de reconstruir sua vida.


Todas essas dores e frustrações são trabalhadas pelo roteiro com cuidado, nunca caindo no melodrama ou na artificialidade. A narração em off também é muito bem aproveitada (coisa rara), ainda que o monólogo final seja descartável.


Talvez o único erro por parte do roteiro seja a relação de Sarah (Kate Winslet) e seu marido, que, ao contrario do que acontece com o outro casal da trama (Patrick Wilson e Jennifer Connelly), é mal desenvolvida, e em certo momento o filme chega até a jogar um interessante conflito sobre eles, mas apenas para esquecê-lo logo depois.

A direção de Todd Field (que desde 2006, quando este filme foi lançado, não dirigiu mais nada) é segura e consegue criar momentos marcantes (destaque para o plano-sequência envolvendo uma piscina, que ilustra a passagem do tempo de maneira orgânica e original).


As atuações também são ótimas, Kate Winslet consegue conferir sensibilidade a uma personagem que nas mãos de outras atrizes poderia soar antipática, mas a maior surpresa do elenco está em Jackie Earle Haley, um ator pouco reconhecido apesar da carreira extensa, e que compõe aquele que é provavelmente o personagem mais complexo da narrativa.


Encerrando com um desfecho satisfatório, mas que não deixa de soar um pouco decepcionante tendo em vista toda a preparação criada pelo próprio roteiro, Pecados Íntimos é um filme singular, interessante, recheado de personagens complexos e imperfeitos, que não conseguem superar suas próprias imaturidades. É uma pena que o sentido do título original (Little Children – Criancinha) tenha se perdido na tradução, pois de certa forma reflete muito da essência daqueles indivíduos.  

Muito Bom!

João Vitor, 9 de Outubro de 2015