sexta-feira, 6 de março de 2015

Interpretações sobre Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), de Alejandro G. Iñárritu


Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

Desmistificando o homem-pássaro


O objetivo deste post é discutir sobre as diferentes interpretações possíveis sobre Birdman, novo filme de Alejandro G. Iñárritu, além de sua temática e seu ambíguo final.

É importante lembrar que todas as interpretações, desde que justificadas com elementos do filme, são igualmente válidas, e as ideias aqui expostas não devem ser encaradas como uma versão definitiva sobre a obra.

AVISO: Se você ainda não assistiu ao filme, não leia o texto, pois contém spoilers.


A primeira coisa que chama a atenção no filme são seus créditos inicias: ao fazer as letras desaparecerem aos poucos, Iñárritu cria por alguns segundos a seguinte imagem:


Algo que à primeira vista me pareceu um pequeno floreio descartável do diretor (principalmente pelo fato de “Amor” estar escrito em seu idioma de origem, o espanhol, e não o inglês que é falado durante a projeção), mas que se mostrou muito mais interessante levando em consideração o desenvolvimento da trama, podendo exercer diversas funções.

A primeira delas é a mais óbvia: a palavra é uma referencia a uma das temáticas do filme – o amor (a peça que Riggan está adaptando se chama “De Que Falamos Quando Falamos de Amor”; ele quer se sentir amado, admirado; o amor da filha é algo que ele tenta conquistar o filme inteiro).

A segunda possibilidade é um pouco mais simples: com as letra na tela é possível formar a frase “I am Birdman” (Eu sou Birdman) – algo curioso, mas descartável.

E a terceira é a frase: “am I Bird or Man?” (Eu sou um pássaro ou um homem?), que já traz uma discussão temática mais complexa e interessante, algo que voltarei a abordar daqui a pouco.

Indo para o filme em si, a primeira imagem que vemos é a de um meteoro caindo em direção ao solo – uma metáfora clara da carreira do protagonista, que está em constante decadência há anos.


Ao sermos apresentados aos personagens nos damos conta de que o filme foi feito para simular um único plano-sequência, ou seja, são duas horas de um take só sem cortes (aparentes, é claro). Isso é algo que só pela técnica já vale a pena, mas neste caso, consegue ser relevante não só visual quanto tematicamente, já que acaba simulando uma peça de teatro (o filme é sobre a adaptação de uma peça) e dando a narrativa um ritmo frenético, fazendo o espectador compartilhar os sentimentos de urgência experimentados pelo protagonista.


A escolha de filmar em plano-sequência também é um desafio enorme para os atores, pois com uma direção convencional, ao gravar a mesma cena diversas vezes, o montador tem a opção de pegar uma fala de um take, uma reação de outro, e assim montar uma interpretação uniforme e sempre no máximo que o ator pode oferecer. Já ao gravar tudo de uma vez, os atores precisam se manter no máximo de sua técnica a todo o momento, não dando espaço para erros – o que torna o trabalho do elenco, em especial a performance central de Michael Keaton, ainda mais admirável.

A ausência de uma montagem convencional acaba também apresentando um desafio para a construção da tensão e do ritmo da narrativa, já que não é possível o uso de cortes rápidos, e isso acaba dando uma responsabilidade ainda maior à trilha sonora. Usando, praticamente, apenas ritmos de bateria o filme todo, Antonio Sanchez faz um trabalho admirável ao representar com seus solos a confusão mental que se passa a todo o momento pela cabeça do protagonista, e a opção de brincar com a diegese da música mostrando o baterista tocando a trilha sonora dentro do filme, é uma ironia interessante e uma ótima escolha por parte do diretor.







Outra coisa interessante em Birdman é a sua metalinguagem, especialmente na escolha dos atores: Michael Keaton também ficou famoso interpretando um super-herói nos anos 90, e desde então tem dificuldades para conseguir papeis relevantes, enquanto Edward Norton é conhecido por ter um temperamento difícil, assim como o seu personagem.








Interpretações sobre o final:

O final do filme pode parecer em um primeiro momento estranho, já que parece indicar que Riggan realmente era capaz de voar, algo que o filme mesmo já havia desmentido (logo após ele fazer um longo voo pelas ruas da cidade até chegar ao teatro, vemos um taxista correndo atrás dele pedindo o dinheiro da corrida – ou seja, o “voo” só existiu em sua cabeça, pois o que ele realmente estava fazendo era andar de carro).








Isso deixa claro que pelo menos em alguns momentos (os que mostram coisas “sobrenaturais”, como os poderes da mente de Riggan) o filme assume o ponto de vista do personagem, e nos mostra o que está passando em sua cabeça, e não o que realmente está acontecendo.

Sendo assim, se Riggan demonstrasse realmente saber voar no final do filme, o roteiro estaria se contradizendo, o que não faria sentido. Então a cena final não deve ser encarada de maneira literal, mas ao pensar sobre o que ela realmente pode significar, só pude pensar em duas opções plausíveis.

1ª Interpretação:

A primeira interpretação seria: a cena final não aconteceu realmente, Riggan não se jogou pela janela do quarto e Sam não retornou ao local (ela não tinha motivo aparente para fazer isso), e seu olhar orgulhoso ao ver o pai “voar” representa o seu sentimento de felicidade por ele finalmente ter alcançado o que queria: o sucesso.

Ou seja, a cena é uma representação do que se passava pela cabeça dos personagens: Riggan finalmente alcançou a fama e se sentiu realizado, e Sam estava orgulhosa – simples assim.
E o fato de esse sucesso ser representado como um voo remente diretamente ao Birdman (a antiga glória do protagonista), e também acaba gerando uma ironia temática interessante (lembra-se do “Bird or Man?” do início?)

Outra coisa que prova esse ponto de vista é o fato do “novo” nariz de Riggan o deixar parecido com o traje do Birdman (que representa para ele o único momento de sua vida em que ele alcançou o sucesso e foi querido pelas pessoas), e ao perceber isso ele “voa”.


2ª Interpretação: (créditos para o site Weltretter, que em seu texto sobre o filme me fez olhar para o filme dessa maneira. Link aqui).

A segunda opção já é um pouco mais complexa, mas também mais coerente a meu ver, já que não apenas justifica o final como também dá uma maior coerência a outros acontecimentos durante o filme.

A possibilidade é: o filme TODO se passa sob o ponto de vista de Riggan, e o que vemos não está necessariamente acontecendo daquele jeito (em alguns momentos, talvez), mas é a maneira com que o personagem está vendo.

Sendo assim, faz sentido, como escrevi anteriormente, que as cenas em que ele demonstra seu poder (ao mover coisas e voar) representem sua imaginação, e a cena do taxi funciona como uma maneira do diretor nos lembrar de que estamos dentro da cabeça do personagem. E se considerarmos essa interpretação, o plano-sequência ganha mais uma justificativa (afinal, a mente de Riggan não pára) e os únicos corte visíveis do filme (os que acontecem antes da cena final) também ocorrem por uma razão: o personagem está inconsciente.


As cenas em que o protagonista não aparece também não são mostradas como elas realmente aconteceram e sim como ele imagina: o namoro de Sam com Mike, por exemplo, representa seu ciúme de que sua filha se envolva com alguém tão complicado.








Já a cena evolvendo as personagens de Naomi Watts e Andrea Riseborough representa o seu desejo de ser importante (nesse momento, a aprovação dele se mostra importante para as duas personagens), e o beijo entre elas só intensifica essa possibilidade, pois pode representar um pensamento de Riggan, já que este parece se sentir atraído pelas duas.







Outra coisa que essa interpretação explica é a figura da crítica, que é apresentada de maneira caricatural, disposta a acabar com a peça a qualquer custo. Se fôssemos encarar isso de maneira literal, seria um erro por parte do filme, mas levando em consideração de que tudo é contado sob o ponto de vista do protagonista, essa caricatura já faz sentido: ele a enxerga desse modo, disposta a arruiná-lo. Mas ao escrever uma crítica positiva, a personagem demonstra que é capaz de reconhecer a qualidade da peça, ou seja, o que ela havia falado antes não aconteceu realmente, foi apenas o que o protagonista entendeu, ou quis ouvir (para justificar uma possível crítica ruim, provavelmente).


Essa interpretação também abre a possibilidade para dois finais distintos – um feliz, e um pessimista (você escolhe em qual prefere acreditar).

O feliz é o que eu já havia proposto na primeira interpretação, e que também faz sentido nesse ponto de vista: Riggan não estava realmente voando e nem Sam estava realmente na janela – ele apenas sente como estivesse finalmente voando e ela se mostra orgulhosa.

Mas é o final pessimista que se mostra mais completo e fascinante: a figura do Birdman aparece várias vezes durante o filme falando com o protagonista (o humilhando, na maioria das vezes), e o que o site Weltretter (link aqui) propôs e me pareceu extremamente coerente, é que essa figura nada mais é do que a depressão.

 Ela está constantemente tentando deixar o personagem desestimulado, deprimido, mas mesmo assim ele consegue passar por cima e fazer uma incrível peça, que o faz alcançar o que ele sempre quis. Mas ao ir ao banheiro do hospital e encontrar o Birdman, Riggan se dá conta de que nem mesmo o sucesso é capaz de livrá-lo de sua doença, então comete suicídio. E o que Sam realmente vê da janela do hospital é seu pai morto, mas como o filme é sob o ponto de vista dele (mesmo quando ele não está em cena), vemos a personagem reagir da maneira com que ele gostaria que ela reagisse: feliz e orgulhosa, pois o pai conseguiu o sucesso que queria e agora finalmente encontrou a paz.




É um final triste e pessimista, mas, pelo menos a meu ver, é também o mais coerente em explicar cada detalhe dessa fascinante e inesquecível obra-prima.

Esse texto não foi bem uma crítica, mas eu não poderia deixar de avaliar: Excelente!

João Vitor, 6 de Março de 2015.