sábado, 23 de janeiro de 2016

Crítica: A Grande Aposta, de Adam McKay

“A Grande Aposta” é o “Trapaça” (2013) desse ano. Um filme que tem várias qualidades e vários defeitos, mas que por ter um elenco admirável e querido vai conseguir diversas indicações ao Oscar, tendo em vista que a maior parte da Academia é formada por atores e eles normalmente valorizam esse tipo de trabalho.


Michael Burry (Christian Bale) é o dono de uma empresa de médio porte, que decide investir muito dinheiro do fundo que coordena ao apostar que o sistema imobiliário nos Estados Unidos irá quebrar em breve. Tal decisão gera complicações junto aos investidores, já que nunca antes alguém havia apostado contra o sistema e levado vantagem. Ao saber destes investimentos, o corretor Jared Vennett (Ryan Gosling) percebe a oportunidade e passa a oferecê-la a seus clientes. Um deles é Mark Baum (Steve Carell), o dono de uma corretora que enfrenta problemas pessoais desde que seu irmão se suicidou. Paralelamente, dois iniciantes na Bolsa de Valores percebem que podem ganhar muito dinheiro ao apostar na crise imobiliária e, para tanto, pedem ajuda a um guru de Wall Street, Ben Rickert (Brad Pitt), que vive recluso.

O primeiro obstáculo que o roteiro tem que enfrentar é o excesso de exposição. Ao lidar com diversos termos técnicos, e uma trama obviamente complexa, é inevitável que o texto traga diversos momentos de explicação, pois o espectador tem que ao menos tentar acompanhar o que está acontecendo. E as saídas que os roteiristas acham para “contornar” esse problema são, ainda que exageradas, admiráveis.

Ao invés de trazer personagens conversando sobre determinado assunto para que o espectador “descubra” o que precisa saber, o que sempre soa artificial, o roteiro aposta em escolhas mais peculiares, como a quebra da quarta parede (quando um personagem fala diretamente com o espectador), trazendo muitas vezes participações especiais de atores que entram apenas para explicar determinada palavra ou expressão (e o momento envolvendo uma banheira é particularmente criativo, e o que envolve um asiático é hilário). Isso não impede o roteiro de ter um excesso de exposição, mas tendo em vista que isso era inevitável (afinal, estamos falando de economia) dá para perdoar.

A direção de Adam McKay mantém a câmera em constante movimento, e a montagem aposta em diversos cortes rápidos, o que cria um ritmo acelerado que por mais que seja confuso, consegue passar o contexto vivido pelos personagens. Já a trilha sonora, que vai de Nirvana a Metallica, é excelente, lembrando até um pouco o jeito do Scorsese de usar a música em seus filmes.

Como a trama é praticamente impossível de se acompanhar (apesar das constantes explicações), o filme acaba apostando em seu ritmo particular e o carisma de seu elenco para se sustentar. Elenco, aliás, que traz diversos nomes de peso, entre eles Steve Carell, Marisa Tomei, Christian Bale, Ryan Gosling, Brad Pitt e Melissa Leo.


Steve Carell surge aqui como uma versão menos bem humorada e bem mais revoltada de seu personagem mais famoso (Michael Scott, da série The Office), o que não chega a ser um problema. Já Christian Bale, que foi indicado ao SAG (e que tem alguma chance no Oscar) está muito bem e se diverte com a excentricidade de seu personagem, ainda que seu reutilize alguns trejeitos que já havia criado em “O Vencedor” (2010).

Mas mesmo com um elenco admirável e diversas ideias inspiradas, a narrativa se torna desinteressante e aborrecida em diversos momentos. Afinal, não importa o quão bom seja a Forma, com um Conteúdo fraco, não se faz um bom filme.

Além de confuso (que mesmo proposital, impede um envolvimento maior por parte do espectador), o roteiro ainda tenta sem sucesso adicionar uma complexidade dramática à seus personagens, o que soa artificial e destoa com o resto da narrativa. Por exemplo, o fato do irmão do personagem do Steve Carrel ter cometido suicídio não desempenha papel nenhum na trama, e o monólogo do personagem do Christian Bale no terceiro ato sobre como ele tinha dificuldades de encontrar uma esposa, além de ser desnecessário, adiciona ao filme um pequeno problema de tom.


Acertando em cheio em seus minutos final, ao ironizar de maneira inspiradíssima a impunidade dos banqueiros e executivos milionários, “A Grande Aposta” acaba sendo um trabalho atípico e até bem criativo, mas que falha em sua longa duração e seu tom irregular, surgindo com um dos nomes mais fracos dessa temporada de premiações.

O. K.

João Vitor, 9 de Janeiro de 2015.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: Carol, de Todd Haynes

Todd Haynes é um diretor no mínimo curioso. É difícil entender como um cineasta capaz de fazer um drama tão comovente e sensível como “Longe do Paraíso” (2002) foi capaz de fazer um filme tão incômodo e frio como “Mal do Século” (1995) alguns anos antes. Da mesma maneira, é interessante, mas também gratificante, notar que mesmo depois da ambiciosa, mas extremamente fria cinebiografia de Bob Dylan (“Não Estou Lá”, 2007), o diretor seja capaz de comandar um filme tão delicado e belo como este seu novo “Carol”.


O filme tem início na década de 50, e nos apresenta duas personagens bem distintas. Therese é uma jovem de 20 e poucos anos que trabalha em uma loja de brinquedos. Sendo completamente introvertida, e até infeliz, ela tem a fotografia como hobby, mas não possui grande interesse em se relacionar socialmente (“Não entendo quem gosta de fotografar outras pessoas”, diz em certo momento). Já Carol é uma mulher bem mais madura, segura de si, com uma filha pequena, e que está passando pelo processo de divórcio.


As duas se encontram brevemente na loja em que Therese trabalha e não demora muito para começarem a sentir uma forte atração uma pela outra. O que não seria um problema se elas não vivessem em uma sociedade profundamente preconceituosa, onde a simples possibilidades de duas mulheres se amarem e morarem juntas é praticamente impensável.

Apostando em uma narrativa acertadamente melancólica (afinal, o romance está praticamente fadado à impossibilidade), o cineasta Todd Haynes é hábil desde o início em fazer o espectador se importar com suas personagens. Utilizando em diversos momentos uma câmera subjetiva que faz o público assumir o ponto de vista de Therese (como quando ela brevemente perde Carol de vista durante o primeiro encontro), e trazendo as personagens constantemente deslocadas, pequenas no quadro, o cineasta praticamente obriga o espectador a torcer (mesmo que em vão) para um final feliz.


Mas ainda assim, o filme evita pregações de como o preconceito é injustificável (afinal, todos deveriam saber disso), e foca na beleza e na honestidade do sentimento que surge entre as personagens, criando momentos praticamente sublimes (como aquele que traz Therese timidamente fotografando Carol na neve).

A trilha sonora composta por Carter Burwell (colaborador recorrente dos brilhantes irmãos Coen) é linda, sendo delicada e melancólica, mas também se permitindo momentos de felicidade e esperança (como no blues que acompanha as personagens em um passeio de carro, no auge do relacionamento).


O elenco é impecável, mas por mais que Cate Blanchett seja quem vai concorrer na categoria principal do Oscar, é Rooney Mara (que concorrerá como coadjuvante - sendo até agora a franca favorita), o grande destaque do filme. Atriz de quem sou cada vez mais fã, ela vem se mostrando não apenas de um enorme talento, como também de uma versatilidade invejável. É impressionante como a mesma atriz capaz de tamanho mistério e dubiedade em “Terapia de Risco” (2013), ou a imensa frieza e ameaça em “Millennium: Os Homens Que Não Amavam As Mulheres” (2011), seja também capaz de tamanha doçura e vulnerabilidade vista neste “Carol”. E ainda que concorra como coadjuvante, sua personagem é a protagonista da trama. Começando como uma pessoa que tem dificuldades até de conversar com amigos, ela encontra em Carol uma razão para viver, passando a enxergar o mundo de outra forma. E é interessante notar como no início Todd Haynes constantemente traz a personagem no lado esquerdo (mais fraco) da tela, mas conforme ela vai amadurecendo e ficando mais segura de si, passa a ocupar o lado direito.

O cuidado na parte técnica também é palpável. No início, Therese sempre surge usando preto, o que reflete sua infelicidade, mas após conhecer Carol (que por sua vez usa constantemente cores luxuosas como o rosa e o vermelho) ela passa a usar um pequeno chapéu colorido, e quando decide se entregar de vez ao seu sentimento, surge vestindo um casaco completamente vermelho.

Em um país que tem como deputado mais popular uma pessoa que defende que ser homossexual é “falta de apanhar”, e casamento igualitário é visto como “ditadura gay”, filmes como “Carol” são mais do que um simples entretenimento, são retratos necessários da sociedade, que escancaram o absurdo que é condenar o amor entre pessoas do mesmo sexo. Emocionando e entristecendo não só pela história que tem para contar, mas principalmente por levar à inevitável conclusão de que mesmo passados 60 anos, pouca coisa mudou.

  • Ótimo!
João Vitor, 6 de Janeiro de 2016. 

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Crítica: Spotlight, de Thomas McCarthy

Não é por acaso que Spotlight vem surgindo como um dos principais nomes para o próximo Oscar. Trata-se de um filme muito bom, com um ótimo roteiro e um elenco recheado de atores queridos e homogeneamente competentes. E por mais que a duração possa parecer um pouco longa para uma parte do público, a força de sua história é tanta, que é praticamente impossível conhecê-la e não se revoltar com tamanha injustiça e covardia.



Baseado em uma história real, o roteiro acompanha um grupo de jornalistas de Boston enquanto estes reúnem documentos capazes de provar casos de pedofilia praticados por membros da Igreja Católica.


A meia hora inicial do filme pode até parecer um pouco lenta, já que se dedica basicamente a apresentar seus vários personagens e o ambiente em que eles trabalham, mas ainda assim, o roteiro já acerta por apresentar com calma os obstáculos que os jornalista terão que enfrentar (desde o fato de a maioria de seus leitores serem católicos, o que faz com que os editores hesitem em enfrentar a Igreja legalmente, até o fato de que muitas das vítimas não estão preparadas para falar sobre os casos, já que isso poderia repercutir negativamente para eles mesmos).


Mas basta os jornalistas começarem suas apurações e suas entrevistas com os envolvidos nos casos para o filme prender a atenção do espectador até o fim.

A primeira cena memorável traz o grupo entrevistando um rapaz que foi molestado por um padre enquanto criança. Só esse momento já justificaria qualquer indicação a prêmio que o roteiro possa receber. É impressionante como os roteiristas conseguem passar a dimensão do abuso para a vítima (como o próprio personagem diz, trata-se de uma agressão não apenas física, como também espiritual) e também explicar como é fácil para um padre se aproximar de uma criança (começando com uma atenção um pouco maior, passando para algumas “piadas sujas”, até chegar no abuso em si). Trata-se da melhor cena do filme, e é uma verdadeira aula de roteiro.

A partir daí a narrativa fica mais dinâmica, a investigação vai tomando proporções maiores e o roteiro continua a incluir passagens memoráveis (“Ele é um dos sortudos, ainda está vivo”, diz um advogado sobre uma vítima, após ouvirmos seu depoimento e entendermos que para muitos o suicídio acaba se mostrando a saída mais fácil para o sofrimento que a pedofilia traz para a criança).

Uma decisão muito acertada por parte do diretor Thomas McCarthy é trazer os depoimentos das vítimas sem nenhuma trilha sonora, pois isso impede uma romantização artificial e ainda demostra um enorme respeito a elas. Sem contar que também os tornam muito mais chocantes, por soarem completamente realistas.

O uso de locações para as cenas externas também é impecável, principalmente por trazer sempre grandes igrejas ao fundo dos personagens, reforçando a constante lembrança dos abusos para as vítimas, e também simbolizando a imponência de seu poder, que é encarado por muitos como inquestionável – e a decisão do jornal de enfrenta-lo é louvável.

A direção do Thomas McCarthy é discreta, mas conduz com segurança o alto número de diálogos, e se destaca muito (e isso provavelmente o renda uma indicação ao Oscar) pela direção de atores. O elenco é grande e recheado de nomes de peso (Michael Keaton, Mark Ruffalo, Liev Schreiber, Rachel McAdams, Stanley Tucci, e por aí vai...), e todos estão surpreendentemente bem.


Liev Schreiber (um ator subestimado) surge como um dos maiores destaques do filme. Mantendo sempre a voz controlada e uma expressão séria, o ator passa uma determinação palpável. Michael Keaton também convence mais uma vez, passando a experiência e a calma de seu personagem, que de certa forma até contrasta com a juventude de seus colegas.

Outros que também merecem destaque são Rachel McAdams (que cria uma personagem não apenas dedicada ao extremo ao seu trabalho, como também capaz de uma gentileza tocante quando está entrevistando as vítimas), e Mark Ruffalo (um ator sempre competente, que surge como um dos mais inquietos e até um pouco impulsivo, mas também sempre dedicado ao trabalho e à ética).

Sendo desde já um dos favoritos a pelo menos algumas indicações ao Oscar (sendo o franco favorito para Roteiro Original), Spotlight é um filme muito competente, que conta uma história que há muito tempo merecia ser contada, e ainda tem a capacidade de fazer o espectador se importar e se indignar com os fatos ali retratados.


Muito Bom!

João Vitor, 3 de Janeiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: Deixe-me Entrar, de Matt Reeves

Remakes americanos de filmes estrangeiros costumam ser desnecessários (“Oldboy”, “Vanilla Sky” e o recente “Olhos da Justiça” servem de exemplos), e isso se deve ao fato do remake quase sempre ser pensado visando o sucesso comercial, fazendo com que sutilezas do original se percam no medo da censura e na necessidade de “mastigar” cada detalhe para ninguém sair da sala de cinema sem entender algo.

Sabendo disso, e tendo em vista que o sueco “Deixa Ela Entrar” (Tomas Alfredson, 2008) se diferenciava pela sua sutileza e pela sua visão madura sobre pré-adolescentes, é de se temer que seu remake americano acabasse deixando de lado sutilezas para se vender ao público jovem (que certamente seria atraído pela idade dos atores), ou então acabasse indo para o lado sombrio da obra, fazendo um filme de terror mais gráfico e assustador (afinal, trata-se de uma história com vampiro).

Felizmente, o que acontece neste “Deixe-me Entrar” (Matt Reeves, 2010) não é nenhuma das opções acima, pois o diretor (que já havia feito o incrivelmente competente “Cloverfield”, e que recentemente fez o excelente “Planeta dos Macacos: O Confronto”) compreende que a força da obra está nos conflitos de seus personagens, e que muito antes de ser um Terror, o filme é um Drama, e assim cria uma obra diferenciada que é fiel ao original, mas traz suficientes elementos próprios para não parecer completamente desnecessária.

A trama segue o jovem de 12 anos, Owen (Kodi Smit-McPhee), que sofre bullying no colégio e é praticamente ignorado pelos pais que acabaram de se divorciar, mas encontra uma peculiar amizade em Abby (Chloë Grace Moretz), uma estranha jovem que se muda em seu prédio.

Ao contrário do que possa parecer com a sinopse, o filme está longe de ser um romance. O que Matt Reeves faz é criar uma atmosfera intimista absolutamente melancólica, mergulhando o espectador nas tristezas e anseios que assolam o protagonista, e trazendo um “interesse amoroso” não como uma luz para trazer felicidade à sua vida, mas como apenas um leve conforto para escapar de sua realidade, mas que com certeza resultará em sofrimento (coisa que o filme em momento algum parece negar).


Sofrimento, aliás, que não é nem um pouco “amaciado” para baixar a censura. O Bullying sofrido por Owen surge como um verdadeiro terrorismo psicológico e muitas vezes também físico, o que é de essencial importância para o funcionamento do personagem, já que é um dos pilares que sustentam sua psicopatia em potencial (algo que fica claro na cena que traz o personagem enfrentando seus agressores em um lago congelado).


Mas deve-se admitir que falta ao filme algumas sutilezas, principalmente se compararmos com a versão sueca. Por exemplo, a relação da Abby com o homem mais velho que se passa por seu pai é muito mais fascinante no original, justamente por ser sutil e deixar o espectador pensar por si só e descobrir a origem do relacionamento entre eles. Já no remake, não só a relação é menos interessante, como também o roteiro faz questão de escancarar tudo o que o espectador poderia descobrir sozinho, ao incluir uma cena descartável que envolve o protagonista descobrindo uma certa foto antiga.

Os efeitos visuais em excesso também são um leve problema, pois acabam deixando algumas cenas mais artificiais do que o necessário (não vou comentar mais para evitar spoilers), mas é interessante também notar como até isso acaba ficando no segundo plano, já que muito mais do que a ação em si, o que importa é o que ela representa para os personagens (leve spoiler a seguir: a cena que traz Abby atacando uma personagem por pura necessidade desesperada é particularmente memorável).

Já o famoso momento da piscina, que representa o clímax da narrativa, também acaba se mostrando decepcionante, pois Reeves, compreensivelmente tentando fugir da imitação do original, acaba criando uma cena que começa sensacional, mas que termina de maneira rápida demais e perde toda a “beleza” (você entenderá as aspas quando vir o filme) que tanto diferenciava a obra sueca.

Mas mesmo com seus problemas, “Deixe-me Entrar” é um filme diferenciado, e por mais que não supere o original (nem chegue a ser tão bom quanto), pelo menos sabe que tipo de história quer contar, e acima de tudo, compreende que a força de sua trama não está no assustador ou no romântico, mas sim no drama melancólico de seus personagens.

Bom.
João Vitor, 19 de Dezembro de 2015.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: The Lobster, de Yorgos Lanthimos

O grego Yorgos Lanthimos conseguiu entrar para minha lista de diretores favoritos após eu assistir apenas um filme seu: Dente Canino (2009). Isso porque mais do que um filme ótimo, se tratava de uma obra que partia de uma premissa incrivelmente esquisita (uma família que decide criar seus filhos completamente isolados do mundo, com hábitos no mínimo estranhos) e conseguia extrair humor das situações mais absurdas, trazendo ainda momentos extremamente incômodos e inesquecíveis, sendo uma das experiências cinematográficas mais atípicas que eu já tive.


E agora, com este seu novo “The Lobster” (vencedor do Prêmio do Júri em Cannes este ano), o cineasta mostra que seu outro trabalho não havia sido um mero golpe de sorte, e consegue criar mais um filme completamente único e original (desta vez partindo de uma premissa ainda mais absurda), e de novo demonstrando uma facilidade para extrair graça das situações mais improváveis (muitas vezes até envolvendo violências extremas).


A sinopse é basicamente a seguinte: David (Colin Farrel) é um homem que acabou de ser trocado pela esposa e vai se hospedar em um hotel. O que não seria nada de mais se ele não vivesse em um futuro distópico onde é proibido ficar solteiro, sendo que qualquer um que não tiver um parceiro é enviado a este hotel, onde tem 45 dias para mudar a situação, se não conseguir, a pessoa é transformada em um animal de sua preferência (???) e solta na floresta.

O primeiro destaque do filme fica por conta do elenco. Como no universo da trama as relações são mecânicas e desprovidas de sentimentos, os atores têm que conseguir dizer suas falas sem demostrar emoção alguma, mas ao mesmo tempo passar o timing cômico que o diretor almeja, e fazer com que o espectador consiga desvendar um pouco mais do que se passa em suas mentes. E o resultado é surpreendentemente eficaz.


Colin Farrell protagoniza o filme com uma segurança invejável, conseguindo intrigar o espectador (nunca entendemos completamente quais são seus reais objetivos e sentimentos) ao mesmo tempo em que traz um timing cômico invejável, sendo capaz de gerar o riso na plateia apenas através de sua expressão deslocada.

John C. Riley também merece destaque. Apesar de ter um papel relativamente pequeno, o ator também demostra uma incrível facilidade para gerar riso, não pelo exagero, mas sim pela simples naturalidade com que ele age diante de situações absurdas.

Empregando uma narração em off que serve para dar um tom mais fabulesco à narrativa (e de certa forma também aumentando o potencial cômico de algumas sequências), o roteirista Efthymis Filippou (que já havia trabalho com o diretor em “Dente Canino”) utiliza a premissa absurda não apenas para gerar risadas, como também para comentar de maneira irônica a superficialidade das relações humanas (desde a necessidade cega de arrumar um parceiro até a incapacidade de sentir empatia), mas sem nunca tentar soar mais inteligente ou profundo do que realmente é.

Mas o que realmente diferencia o filme é seu senso de humor, que por mais que não seja para todo mundo (muitos com certeza terminarão a projeção achando-o de mau gosto), consegue gerar gargalhadas genuínas através das situações mais improváveis (destaco dois momentos: um envolvendo uma apresentação teatral no hotel, que tem como objetivo ilustrar a importância de se ter um parceiro, e outra envolvendo um chute na canela de uma criança).

Diferente, interessante, engraçado, irônico, repulsivo, sádico, original... Adjetivos não faltam para definir este filme, mas particularmente acho que dá para resumir em apenas um: genial.

Ótimo!

João Vitor, 22 de Dezembro de 2015.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/