domingo, 26 de fevereiro de 2017

Palpites Oscar 2017

Assim como nos últimos dois anos, seguem minhas apostar para o próximo Oscar:

Melhor Filme

Vai vencer: La La Land

Depois de dois anos onde a categoria principal foi uma das mais divididas (Boyhood vs Birdman em 2015 e Spotlight vs O Regresso vs A Grande Aposta em 2016), voltamos à previsibilidade habitual da Academia. La La Land é o tipo de filme que não desagrada ninguém e (o que é mais importante) venceu praticamente todos os prêmios que servem de termômetro para o Oscar (incluindo o PGA, que praticamente sempre coincide). Não restam dúvidas de que irá vencer.

Qual seria meu voto: em ordem de preferência: A Chegada > A Qualquer Custo > Manchester à Beira Mar > Moonlight > La La Land > Um Limite Entre Nós > Até o Último Homem > Lion > Estrelas Além do Tempo.


Melhor Diretor

Vai vencer: Damien Chazelle (La La Land)

Outra categoria praticamente ganha. Além de a Academia ter adorado La La Land (que foi recordista de indicações ao lado de Titanic e A Malvada), Chazelle levou o DGA (Sindicato dos Diretores), que é o principal termômetro para a categoria.

Qual seria meu voto: Denis Villeneuve (A Chegada)


Melhor Ator

Vai vencer: Casey Affleck (Manchester à Beira Mar)

Casey Affleck vinha vencendo todos os principais prêmios da temporada, é um excelente ator em um excelente filme, porém enfrenta uma campanha negativa envolvendo seu envolvimento em um processo por assédio sexual, e perdeu aquele que é o principal termômetro para a categoria, o SAG, que foi para Denzel Washington. Mas enquanto o SAG é o principal termômetro e tem coincidido com o Oscar de Melhor Ator nos últimos 13 anos (!!), Denzel Washington não venceu nenhum dos outros prêmios da temporada... então é uma categoria bastante dividida, mas minha aposta vai em Affleck.

Qual seria meu voto: Casey Affleck


Melhor Atriz

Vai vencer: Emma Stone (La La Land)

Emma Stone é carismática, já foi indicada antes, a Academia adorou o filme, e ela venceu o SAG (Sindicato de Atores). Tem tudo para levar. A única que poderia surpreender é Isabelle Huppert, uma veterana dona de uma carreira invejável e que vem fazendo muita campanha, porém nem concorreu ao SAG e está em um filme bastante controverso e em língua estrangeira (apenas duas atrizes venceram por performances em língua não inglesa), é bastante difícil...

Qual seria meu voto: Isabelle Huppert (Elle)


Melhor Ator Coadjuvante

Vai vencer: Mahershala Ali (Moonlight)

Venceu o SAG, a Academia precisa premiar Moonlight de alguma forma, e sua vitória tem ainda uma importância política.

Qual seria meu voto: Michael Shannon (Animais Noturnos), mas fico satisfeito com Mahershala Ali também.


Melhor Atriz Coadjuvante:

Vai vencer: Viola Davis (Um Limite Entre Nós)

Aqui não tem o que discutir, este prêmio já está ganho antes mesmo de serem anunciadas as indicadas. Viola Davis já bateu na trave duas vezes, é uma excelente atriz, em uma excelente atuação, e tem tempo de tela suficiente para estar concorrendo na categoria principal.

Qual seria meu voto: Viola Davis está excelente, sem dúvidas, mas deveria concorrer como atriz principal, não coadjuvante, então votaria em Michelle Williams (Manchester à Beira Mar).


Melhor Roteiro Original

Vai vencer: Manchester à Beira Mar

Esta é uma categoria bastante equilibrada: La La Land pode fazer a lavada e ganhar aqui também (não merece, pois seu roteiro está entre suas coisas mais fracas – embora ainda seja ótimo), e a divisão de votos pode beneficiar A Qualquer Custo ou até mesmo O Lagosta, o único sem chances é Mulheres do Século XX. Mas aposto em Manchester por ser um filme excelente que pode não vencer outras categorias.

Qual seria meu voto: O Lagosta, mas fico muito satisfeito com Manchester à Beira Mar


Melhor Roteiro Adaptado

Vai vencer: Moonlight

Se Moonlight concorresse como roteiro original (como fez em outras premiações), esta categoria estaria ganha para A Chegada, mas como entrou como adaptado (por causa das regras da Academia) é o favorito, embora A Chegada ainda possa surpreender.

Qual seria meu voto: A Chegada (disparado!!)


Animação

Vai vencer: Zootopia

É divertido e tem ainda uma mensagem política sobre preconceito e inclusão, perfeita para o momento político americano atual.

Qual seria meu voto: Adoro Zootopia, mas A Tartaruga Vermelha está em outro nível, votaria nele.


Documentário

Vai vencer: OJ: Made in America

Se aqui valesse a regra dos curtas e filme estrangeiro de só poder votar quem provar que vi todos os indicados, diria que a vitória de OJ era certa, pois é impossível assisti-lo e não acha-lo infinitamente superior aos demais. Mas como sua duração é de quase 8 horas, isso pode afastar algumas pessoas e beneficiar A 13ª Emenda, que é dirigido por Ava DuVernay, com quem a Academia está em débito por não ter indicado por Selma. Porém, Oj venceu o Sindicato de Produtores e é o melhor, então aposto no bom senso, por mais que goste muito de A 13ª Emenda

Qual seria meu voto: gosto de todos, mas OJ: Made in America está MUITO acima dos demais, tem que vencer!


Edição de Efeitos Sonoros

Vai vencer: Até o Último Homem

Filmes de guerra sempre levam vantagem aqui, e Até o Último Homem tem um trabalho admirável, embora ainda seja possível que A Chegada surpreenda e leve este prêmio como “consolação”, já que tem poucas chances nas demais categorias.

Qual seria meu voto: A Chegada

P.S: se La La Land vencer aqui prova que a Academia tem que rever sua regra de deixar todos os membros votar em todas as categorias, pois ficará claro que a maioria nem sequer cabe do que se trata o trabalho de edição de efeitos sonoros.


Mixagem de Som

Vai vencer: La La Land

Musicais sempre levam vantagem nesta categoria, e La La Land é o queridinho da vez, não tem como não vencer.

Qual seria meu voto: A Chegada, por ser mais ousado, inovador, e narrativamente competente, mas La La Land também merece.


Curta Animação

Vai vencer: Piper

Qual seria meu voto: não poderia votar, pois só vi Piper (que achei de um primor técnico admirável), e nesta categoria só vota quem viu todos.


Curta Live-Action

Vai vencer: Ennemis Intérieurs

Qual seria meu voto: não vi nenhum dos indicados


Curta Documentário

Vai vencer: Capacetes Brancos

Qual seria meu voto: não vi nenhum dos indicados.


Filme Estrangeiro

Vai vencer: O Apartamento (Irã)

O alemão Toni Erdmann ainda pode ser o favorito, mas O Apartamento é um ótimo filme e que pode servir de prêmio político, já que seu diretor foi impedido de comparecer à cerimônia por causa das medidas xenofóbicas de Donald Trump.

Qual seria meu voto: meu preferido é Toni Erdmann, mas Oscar também é política, então votaria em O Apartamento (que também é um filme muito bom, não o escolheria se não fosse).


Trilha Sonora

Vai vencer: La La Land, não há dúvidas.

Qual seria meu voto: Moonlight tem meu tema favorito, mas Jackie tem o trabalho mais original e ousado, levaria meu voto.


Canção Original

Vai vencer: City of Stars (La La Land), outra praticamente ganha.

Qual seria meu voto: City of Stars


Maquiagem e Cabelo

Vai vencer: Star Trek: Sem Fronteiras

Como o franco favorito (Florence: Quem é Essa Mulher?) não foi sequer indicado, a categoria fica em aberto, todos podem vencer, mas aposto de Star Trek por ser um trabalho que chama a atenção e divide menos os votantes do que o sueco Um Homem Chamado Ove e o Esquadrão Suicida.

Qual seria meu voto: Star Trek

Figurino

Vai Vencer: Jackie... ou La La Land

La La Land tem de tudo para vencer o máximo de prêmios possíveis, porém a Academia normalmente não premia figurinos contemporâneos, e Jackie venceu os principais prêmios da temporada (incluindo o BAFTA, que tem coincidido com o Oscar nessa categoria nos últimos anos), então minha aposta vai nele, mas se La La Land vencer não será surpresa.

Qual seria meu voto: Jackie


Design de Produção

Vai Vencer: La La Land

Outra categoria que não há o que se discutir

Qual seria meu voto: La La Land


Fotografia

Vai vencer: La La Land, não há dúvidas.

Qual seria meu voto: A Chegada


Montagem

Vai vencer: La La Land

Que pena, pois o trabalho de montagem de A Chegada é tão primoroso...

Qual seria meu voto: A Chegada (seria um dos prêmios mais merecidos da noite)


Efeitos Visuais

Vai vencer: Mogli – O Menino Lobo

Mogli tem vencido os principais prêmios dessa categoria e deve vencer, mas não descarto surpresas de Doutor Estranho e até mesmo de Kubo e As Cordas Mágicas ou Rogue One.

Qual seria meu voto: Doutor Estranho



Crítica: Estrelas Além do Tempo, de Theodore Melfi

Algumas histórias merecem ser contadas, e a que dá origem a este Estrelas Além do Tempo é uma delas. Pena que como cinema ela fique tão abaixo de seu potencial e tenha dado origem a um filme tão convencional que é impossível de não esquecer pouco tempo depois de tê-lo visto.


O roteiro escrito por Allison Schroeder e Theodore Melfi conta a história real de três mulheres negras que durante a corrida espacial (nos anos 60, enquanto ainda havia leis segregacionistas em estados americanos) ajudaram a NASA a mandar voos tripulados para o espaço e eventualmente para a Lua.

Escancarando sua pegada hollywoodiana desde seus segundos iniciais, o filme acaba pecando justamente por sua artificialidade e excesso de ironia dramática (quando o espectador sabe algo que os personagens não), por exemplo: quando as personagens são auxiliadas por um policial na estrada, uma delas comenta algo como “três mulheres negras sendo ajudadas por um policial branco em Virgínia, 1961” – uma fala que obviamente jamais teria acontecido de verdade e só serve para dialogar diretamente com o espectador e tirá-lo do filme, além de mastigar sua discussão temática que já poderia ter ficado clara apenas com as ações realizadas pelas personagens.

Além do mais, o roteiro ainda faz questão de incluir algumas falas que chegam a dar vergonha alheia tamanha a artificialidade, como “eu sou um judeu polonês cujos pais morreram em um campo de concentração”, ou então (o meu preferido) “aqui na NASA, todos mijamos da mesma cor”. Porém, o texto ao menos acerta em fazer com que a parte mais técnica da história, que envolve matemática avançada, consiga não ser entediante e soe convincente para o espectador, mesmo que ele não a entenda completamente.

E se o diretor Theodore Melfi (que já havia dirigido o fraquíssimo Um Santo Vizinho, que tinha um ótimo elenco, mas problemas sérios de tom) erra pela abordagem convencional e artificial (reparem como ele faz questão até de dar um zoom na placa do banheiro que diz “apenas pessoas de cor”, como se o espectador não pudesse identificá-la sozinho), ao menos acerta por ter um ótimo timing musical (no que diz respeito às canções, e não a trilha instrumental) e cria algumas sequências que, mesmo bobinhas, são bastante divertidas de assistir. Além disso, as canções presentes ao longo do filme são sempre em ritmos que trazem a representação do negro na cultura popular, como o soul.

Mas já a trilha instrumental composta pelo lendário Hans Zimmer é completamente exagerada, intrusiva, e melodramática, atrapalhando até mesmo bons momentos que poderiam ser muito mais impactantes – como a cena que traz uma personagem discursando em um tribunal.

Os figurinos por outro lado merecem créditos tanto por fazerem uma reconstrução de época eficiente quanto por comentarem visualmente o deslocamento das personagens em seus ambientes de trabalho, como ao trazer a protagonista vestida toda de verde enquanto todos os outros no recinto estão completamente de branco.

O elenco também está entre as coisas boas da obra. Enquanto Taraji P. Henson protagoniza o filme com carisma, evocando empatia no espectador pela doçura exibida no relacionamento com as filhas, Janelle Monáe é responsável por ótimos alívios cômicos e se diverte imensamente, conseguindo ainda trazer uma vulnerabilidade tocante para a personagem. Sendo assim, é uma pena que a atriz lembrada pelo Oscar para concorrer como coadjuvante tenha sido Octavia Spencer, que, além de ser a mais fraca das três, se limita a passar o filme todo arregalando os olhos e torcendo os lábios na convicção de que essa expressão seja de alguma forma evocativa ou engraçada.


Tendo também sua boa dose de momentos nacionalistas exagerados, Estrelas Além do Tempo conta uma história que deveria ter sido contada há muito tempo, sobre figuras que infelizmente não recebem o reconhecimento e respeito que merecem por conta da cor de sua pele. É uma pena então que uma história tão importante seja contada em um filme tão convencional e sem nada de novo.



O. K.


João Vitor, 9 de Fevereiro de 2017.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: Um Limite Entre Nós, de Denzel Washington

Apesar de vários clássicos do cinema terem sido adaptados do teatro (Fausto, O Pagador de Promessas, e Uma Rua Chamada Pecado servem de exemplo), o trabalho de transpor uma peça para as telas nunca é um trabalho fácil. Dentre outras coisas, porque no teatro não há câmeras, dessa forma não há uma montagem cinematográfica alternando planos mais abertos ou mais fechados, deixando a cargo das atuações e do texto muitas coisas que no cinema podem ser ditas de outras formas. Mas o que Denzel Washington faz aqui em sua adaptação da peça Fences (Cercas), que ele próprio já havia dirigido no teatro, é um trabalho admirável, uma vez que apesar de reverenciar bastante o trabalho original, traz na dose exata elementos cinematográficos que enriquecem sua ótima trama e seus complexos personagens.


O roteiro creditado ao próprio autor da peça original (que já morreu há mais de dez anos) segue Troy, um catador de lixo de meia idade, em sua relação com sua família. Não é uma história de grandes acontecimentos e reviravoltas, pois acima de tudo, o que importa é a relação e as sutilezas entre os personagens.

E tudo o que se vê em tela reflete a vida doída e desesperançosa desses personagens. Assim, a casa em que vivem exibe em seu exterior tijolos velhos e sujos, além de ser rodeada por árvores secas cheias de galhos mortos. Da mesma forma, seu interior tenta ser aconchegante, mas não consegue disfarçar certo desconforto, e suas cores pasteis refletem a tristeza daqueles que ali moram.

Os figurinos também seguem essa lógica, já que vestem os personagens com roupas modestas, e sempre com cores escuras. E a trilha sonora discreta, que é ausente em quase toda a projeção, também é eficiente tanto por passar a tristeza da narrativa, como também por dialogar com a linguagem do teatro, que naturalmente não traz sequências musicais que são tão comuns no cinema.

As atuações também são de extrema importância para a força do filme, uma vez que é uma história centrada em personagens. Denzel Washington no papel principal evoca com seus cabelos e braba grisalha toda a essência de um homem comum endurecido pela experiência, e convence mesmo com uma linguagem corporal extravagante (claramente uma herança de seu trabalho no teatro vivendo este mesmo personagem – o que não é necessariamente um problema). Já Viola Davis consegue, com a ajuda do bom roteiro, evitar que sua personagem seja apenas a figura genérica da “esposa do protagonista”, fazendo com que sua personagem seja uma figura com motivações e sentimentos próprios e tocantes, além de ter a oportunidade de protagonizar alguns dos momentos mais fortes de todo o filme que com certeza serão lembrados pela Academia na próxima cerimônia do Oscar.

Mas o que mais me impressionou no filme foi a direção segura de Denzel Washington, que mesmo reverencial ao texto original, consegue incluir personalidade própria e sempre de forma bastante sutil. Em diversos momentos, Washington e sua diretora de fotografia Charlotte Bruus Christensen optam por planos abertos em deep focus (quando tudo que está em tela fica em foco) que mostram vários personagens juntos em cena – algo que dialoga com a linguagem teatral, que por não ter câmeras, sempre traz vários atores juntos em cena. Em outros momentos eles optam por uma montagem mais convencional, com um personagem de cada vez em tela, mas mesmo nesses momentos mais comuns há espaço para sutilezas: reparem, por exemplo, como ao filmar uma discussão entre o protagonista e seu filho, Washington deixa seu personagem a princípio do lado esquerdo, mais fraco da tela, mas após ele tomar o controle da situação, passa a ocupar o lado mais forte e dominante, o direito.


Outras sutilezas também chamam a atenção no trabalho de direção, como ao trazer a câmera girando em torno dos personagens quando estes bebem uma bebida alcoólica, em uma sacada interessante e bem humorada na dose certa, ou então ao enfocar o protagonista por detrás de grades enquanto ele discute com sua esposa, reforçando seu sentimento de aprisionamento.

E por mais que o roteiro acabe parecendo um pouco reverencial demais com o texto original da peça, fazendo com que os diálogos às vezes se estendam mais do que o necessário e a duração total da projeção seja um pouco elevada, Cercas é um filme muito impactante, com uma excelente direção, um elenco fortíssimo, e que acima de tudo comove pelo drama e pela força de seus complexos personagens.

Ótimo!

João Vitor, 21 de Janeiro de 2017.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: Animais Noturnos, de Tom Ford

Animais Noturnos é um filme memorável e intenso, e que além de ser uma experiência narrativa complexa e envolvente, funciona incrivelmente bem graças aos seus personagens complexos e humanos.


A trama se inicia com a personagem Suzan (Amy Adams) recebendo um manuscrito de um livro de suspense de seu ex-marido. A partir daí o filme acompanha três tempos diferentes: a personagem lendo o livro e sua relação distante com o atual marido, flashbacks que mostram sua relação com seu antigo esposo (autor do livro), e a história encenada do livro em si enquanto a personagem o lê.

Como o esperado, a montagem do filme se mostra fascinante, já que acompanha de maneira ágil e dinâmica três tempos diferentes sem nunca parecer confusa ou irregular. Além disso, é interessante com os cortes de um tempo para outro muitas vezes incluem rimas visuais, como ao trazer um personagem dentro do livro tomando banho e cortar para um momento em que a personagem que está lendo também está no banho. E também é interessante como o filme em alguns momentos traz a protagonista como reflexo do próprio espectador: após acompanharmos uma cena muito intensa (que se passa no livro dentro do filme), a montagem corta para a personagem que está lendo reagindo ofegante e abalada – exatamente da mesma forma que o espectador.

Mas apesar da estrutura narrativa complexa, o que realmente importa no filme são seus personagens, e é interessantíssimo notar, conforme a narrativa avança, que a trama do livro reflete de alguma forma o próprio relacionamento entre a protagonista e seu ex-marido que escreveu a história – o que reforça um dos temas do filme que é o papel e o poder da arte.

Mas a parte técnica também não fica para trás, já que a fotografia é eficiente em diferenciar os diferentes núcleos narrativos: a “vida real” é fotografada com cores frias e sem vida, enquanto a trama do livro é cheia de cores quentes, remetendo quase a um western com pitadas noir. E também é interessante notar como a personagem principal utiliza sua forte maquiagem como um escudo para se esconder de sua vida, com a qual está insatisfeita (em certo momento ela diz: “Você já teve a impressão de que sua vida tomou um rumo que você jamais planejou?”): dessa forma, nos flashbacks que mostram sua vida com o ex-marido (um período esperançoso para ambos) ela surge com o cabelo mais natural e quase nenhuma maquiagem, já as cenas no presente, onde ela está insatisfeita, surge sempre com uma pintura fortíssima, e demonstra alívio ao retira-la depois de um dia estressante.

Outro ponto fortíssimo do filme é o seu elenco. Amy Adams (em seu segundo papel memorável somente neste ano) faz um excelente trabalho em diferenciar os dois momentos distintos de sua personagem, contrastando toda melancolia e desilusão no presente com a esperança nos flashbacks. Já Jake Gyllenhaal (outro que vem construindo uma carreira cada vez mais admirável) surpreende pela intensidade e equilibra muito bem a vergonha e a raiva de seu personagem sem precisar apelar para um overacting.


E enquanto Isla Fisher e Michael Sheen conseguem ser marcantes mesmo com papéis pequenos, Aaron Taylor-Johnson surge detestável e completamente diferente de tudo que já fez em sua carreira. E Michael Shannon rouba a cena como sempre, com um típico coadjuvante que mereceria um filme próprio.

Trazendo ainda várias sequências intensas e marcantes (uma que se passa em uma estrada de madrugada está entre as melhores coisas que vi este ano), Animais Noturnos é um filmaço que além de funcionar como entretenimento e exercício narrativo, traz personagens complexos que ficam com o espectador mesmo depois dos créditos finais.

Ótimo!


João Vitor, 29 de Dezembro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: Animais Fantásticos e Onde Habitam, de David Yates

Não é por acaso que a saga Harry Potter acumulou milhões de fãs pelo mundo inteiro. Além de trazer uma regularidade impressionante ao longo dos filmes (nenhum dos oito títulos poderia ser classificado como menos do que bom – algo raro em séries longas), a saga também foi apropriadamente amadurecendo junto com seus fãs e com seus protagonistas, e sempre soube que o que mais a diferenciava era seu universo fascinante e recheado de possibilidades. Desta forma, é gratificante ver que este novo Animais Fantásticos e Onde Habitam consiga ser um filme original ao mesmo tempo em que compreende que sua força está justamente em seu universo, construindo assim uma narrativa que mesmo com diversos momentos mais sérios e sombrios, não hesita em se entregar ao deslumbramento diante da magia que retrata.


A trama é bem simples e até difícil de fazer uma sinopse, basta dizer que o roteiro (escrito pela própria criadora deste universo, J. K. Rowling) acompanha o jovem britânico Newt Scamander (Eddie Redmayne), que chega a Nova York com uma maleta cheia de criaturas mágicas. Eventualmente algumas dessas criaturas escapam, e ele, com ajuda de novos amigos, precisa recuperá-las antes que elas possam chamar a atenção dos trouxas (ou não-bruxos, para quem não está acostumado com a série) e expor a existência do mundo da magia.

A direção é mais uma vez de David Yates, que comandou também os quatro últimos filmes da série Harry Potter (todos ótimos, sendo que dois deles (o sexto e o sétimo) estão para mim no top 3 da saga – Prisioneiro de Azkaban fecharia o pódio), e seu maior acerto aqui é conseguir trazer de volta o humor e, mais ainda, o deslumbramento que tanto marcavam os filmes anteriores. Assim, temos a todo momento a câmera praticamente flutuando ao acompanhar seus personagens (o que reforça a magia daquele universo), ainda que aqui ele deixe um pouco de lado as lentes grande angulares que marcavam os outros filmes. E se por um lado o 3D se prejudica pela quase total falta de cores, por outro, o diretor é feliz ao dosar muito bem o uso de câmeras subjetivas (aquelas que nos fazem ver através dos olhos de algum personagem) e usa de maneira moderada e eficiente truques como objetos voando em direção à tela, sem que para isso precise quebrar a lógica estética da fotografia (ao contrário do que acontecia em seu último trabalho, A Lenda de Tarzan).

Mas o que mais surpreende neste no filme é sua precisão em acertar seu tom. Como comentei anteriormente, a saga Harry Potter ficou marcada por ir amadurecendo conforme seu protagonista (e também seus fãs) crescia, sendo assim, enquanto nos primeiros filmes tínhamos um apelo mais infantil, os últimos capítulos eram completamente melancólicos e não hesitavam em abraçar o drama mais pesado (ainda que, mais uma vez, nunca tenham deixado de lado o humor e o deslumbramento inerente àquele universo). E este novo capítulo impressiona mais uma vez pela capacidade de equilibrar a ameaça e o assustador com o leve e o engraçado. Desta forma, se por um lado temos uma paleta de cores acinzentada e uma organização fanática religiosa totalmente macabra, por outro, temos vários momentos de um humor delicado e preciso (gosto particularmente das cenas que envolvem uma criatura que parece um ornitorrinco e que rouba joias), fazendo com que aquele universo seja cativante e divertido. E aqui a trilha sonora de James Newton Howard também merece aplausos, tanto por conseguir acompanhar as sequências de humor sem chamar atenção para si, quanto, principalmente, por utilizar de maneira discreta e pontual o famoso tema concebido por John Williams para incluir uma dose bem vinda de nostalgia e encantamento ao filme. Aliás, é mais do que apropriado que o tema possa ser ouvido pela primeira vez justamente ao vermos o personagem principal lançando o primeiro feitiço do filme.

O elenco também merece destaque. Eddie Redmayne cativa pela inocência de seu personagem, e seu carinho com as criaturas fantásticas são essenciais para a magia do filme. E Dan Fogler, mesmo sendo usado mais para alívio cômico, também se mostra importantíssimo não só pelo talento para comédia (gosto muito de sua reação espontânea ao ver Eddie Redmayne entrando em uma mala), mas também por representar alguém não habituado àquele mundo, sendo assim, sua reação de espanto e encantamento diante de toda aquela magia, de certa forma reflete os próprios sentimentos do espectador.

Já o roteiro de J. K. Rowling acerta por conseguir contar uma história independente ao mesmo tempo em que deixa ganchos para eventuais continuações, mas ainda assim, é necessário apontar que falta foco ao texto, tanto em relação aos personagens quanto, principalmente, à trama. Se por um lado o roteiro acerta por apostar em um dos temas secundários mais fascinantes da série anterior (o “mundo trouxa” vs “mundo bruxo”) e traz alguns subtextos políticos interessantes (algo que também era marcante em Harry Potter), a falta de uma trama principal e a indecisão em encontrar seu protagonista acaba deixando o filme bem mais irregular e longo do que o esperado.


Mas isso acaba sendo apenas detalhes diante de um universo tão cativante e bem representado. Como um todo, Animais Fantásticos e Onde Habitam vale muito a pena e diverte por compreender a força e a magia de seu mundo. Agora é só torcer para que os próximos volumes sigam o mesmo caminho e formem mais uma série memorável, mas por enquanto: com é bom estar de volta a este mundo!

Muito Bom!

João Vitor, 17 de Novembro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: A Tartaruga Vermelha, de Michaël Dudok de Wit

Poucas vezes um filme foi para seus créditos finais me deixando tão emocionado como este belo A Tartaruga Vermelha. Com uma trama relativamente simples, mas que comove pelo caráter metafórico, esta nova animação do Studio Ghibli é um espetáculo visual e também uma experiência delicada e tocante.


Durante todo o filme não há um só diálogo. Começamos acompanhando o personagem principal aparentemente sofrendo um acidente que o deixa isolado em uma ilha deserta. Ele decide então tentar construir uma jangada para escapar do local, mas suas tentativas são sempre frustradas por uma enorme tartaruga vermelha, que eventualmente se transforma em uma bela mulher ruiva.

É claro que essa estrutura simples nada mais é do que uma metáfora, e por isso cabem diversas interpretações. No meu entendimento, a ilha nada mais é do que o caráter do personagem, dessa forma, ele chega lá de alguma maneira que não fica clara, tenta fugir de quem ele é, mas é impedido pelo amor (a tartaruga que depois se transformará em sua esposa). E aí que vemos uma das mensagens do filme: às vezes aceitar um amor é também aceitar quem você é, mesmo que isso signifique abrir mão de algo.


É claro que em uma obra que fala de forma tão metafórica nenhuma interpretação é certa ou errada, desde que justificada por elementos do próprio filme, e o fato de cada um ter uma visão diferente ao o assistir só o torna ainda mais fascinante e rico.

Mas mesmo que você deixe de lado as interpretações mais livres, ainda é impossível não se emocionar com a delicadeza da trilha sonora, ou então apenas pelo apuro estético de alguns momentos, como aquele que traz uma enorme onda parada no ar enquanto o protagonista a “escala” e de lá de cima observa a praia e o sol.

Aliás, esteticamente o filme é um espetáculo! Enquanto as cenas noturnas enchem a tela com um belíssimo cinza, as que se passam sob a luz do dia exploram a paisagem tropical da ilha com cores quentes e distintas: o forte azul do céu, o verde das árvores, e, claro, o forte vermelho (sempre associado à paixão) da tartaruga. E se levarmos em consideração que a ilha é uma representação do caráter ou estado de espírito do personagem, as cores podem assumir ainda mais significados.

Além disso, a animação dos personagens também é algo notável. Enquanto os momentos que se passam embaixo d’água impressionam pelo primor técnico (reparem nas ondulações das roupas e cabelos), o design do personagem principal o constrói como uma figura de olhos tristes e cujos braços sempre estendido para baixo passam uma melancolia palpável sem que ele precise dizer uma única palavra.



E se o visual é um irretocável, o trabalho de som é um espetáculo à parte. Além da já citada belíssima trilha sonora, o design de som cria o ambiente sonoro da ilha de maneira primorosa, com dezenas de sons diferentes de pássaros, e impressiona ainda pelo cuidado nos detalhes, como nos leves sons que acompanham passos de caranguejos.

Sendo tecnicamente irrepreensível e muito rico e aberto para interpretações, A Tartaruga Vermelha é um filme que emociona como poucos, fazendo com que sua duração curtíssima (pouco mais de uma hora e dez) seja até algo para se lamentar.

Ótimo!

João Vitor, 24 de Janeiro de 2017.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: A Qualquer Custo, de David Mackenzie

É sempre natural que os filmes e as obras de arte em geral reflitam a realidade em que foram produzidos, fazendo com que importantes acontecimentos históricos sejam sempre temas recorrentes na filmografia de suas épocas (a alegria do fim da segunda guerra nos anos 40-50, a desilusão com o governo e a guerra do Vietnã nos EUA na década de 60-70, medo nuclear durante a guerra fria, etc.). Sendo assim, é interessante notar como este novo A Qualquer Custo usa uma estrutura aparentemente simples para retratar todo o ressentimento e descrença para com os grandes bancos após a crise de 2008.


O roteiro escrito por Taylor Sheridan (do excelente Sicário) se passa nos dias atuais e acompanha uma dupla de irmãos que para não perderem a fazenda da família no Texas decidem cometer uma série de assaltos a bancos.

Em sua estrutura, A Qualquer Custo pode parecer um filme convencional: temos um xerife experiente prestes a se aposentar, seu parceiro de longa data, uma dupla de assaltantes onde um é mais impulsivo e violento enquanto o outro é mais hesitante e tem preocupações com os filhos... Mas a verdade é que há muito mais complexidade nessas figuras do que a princípio pode parecer, e o roteiro funciona como um retrato da ruína do “American Dream”.

Primeiro, e mais óbvio, o fato de os irmãos estarem prestes a perderem sua moradia para os bancos (e estes também serem os alvos de seus assaltos) reflete todo o ressentimento de grande parte da população que se viu obrigada a pagar por uma crise provocada por grandes corporações.  E, além disso, o filme também comenta sobre a ruína da “família tradicional americana”, como ao deixar subentendido que os dois irmãos cresceram com um pai abusivo (o que posteriormente levou um deles a assassina-lo!), ou então ao trazer seu protagonista como uma figura que mantém uma relação completamente distante de seus próprios filhos.

E também é interessante como o filme acaba comentando sobre a história dos EUA e seu ciclo vicioso: em determinado momento, por exemplo, vemos um personagem de descendência indígena dizendo (ainda que de maneira um tanto quanto expositiva demais) que seus ancestrais tiveram toda sua propriedade roubada pelos europeus, e que agora os descendentes destes europeus estão tendo suas propriedades roubadas pelos bancos.

Sendo assim, é curioso notar como o filme traz em certo momento o xerife interpretado por Jeff Bridges andando contra o vento enrolado em um cobertor: a imagem nos remete imediatamente a uma capa de super-herói clássico – mas em um mundo pós-crise (moral e econômica), nada mais apropriado do que o “herói” (ou pelo menos o que está do lado da lei) do filme ter sua capa substituída por um pano velho e desbotado.

Outra coisa que se destaca no filme é o excelente timing do diretor David Mackenzie para escolher música, sendo particularmente marcante a cena que traz uma explosão de violência ao som de um rock n’ roll que está sendo tocado no som do carro de um personagem.


E enquanto a fotografia de Giles Nuttgens é eficiente em evocar o calor escaldante do Texas, o design de produção ajuda a retratar visualmente a temática do filme, como ao trazer elementos como pichações contra a guerra do Iraque em muros, propagandas de serviços financeiros para ajudar a pagar hipoteca, e (o meu preferido) traz de maneira discreta no canto de uma escrivaninha de banco uma plaquinha com a frase “Você é sempre bem-vindo aqui”, num toquezinho de ironia muito coerente com o restante da narrativa.

O elenco também não fica para trás. Ben Foster oferece talvez a melhor performance de sua carreira, vivendo seu personagem com uma intensidade absurda, mas que tem a oportunidade de trazer complexidade dramática em uma cena em que fala sobre sua mãe. Já Jeff Bridges (que deve conseguir uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante) está excelente com sempre, e apesar do sotaque carregadíssimo, consegue passar toda a experiência e competência de seu personagem.

Conseguindo ainda comentar tangencialmente o fascínio americano por armas de fogo, A Qualquer Custo é um filmaço, que traz uma ação frenética, mas não perde o fôlego ao apostar em seus personagens, funcionando como um retrato devastador de sua sociedade e de sua época.

Ótimo!


João Vitor, 28 de Dezembro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: A Chegada, de Denis Villeneuve

Se tem alguém no cenário cinematográfico atual que pode facilmente ser comparado a grandes nomes da história do cinema, este alguém é Denis Villeneuve. Dono de uma carreira relativamente curta, mas que vem acumulando cada vez mais obras primas, o diretor canadense já se estabeleceu como um dos melhores profissionais de sua geração.


E este novo A Chegada não deixa nada a desejar, sendo talvez o seu trabalho mais ambicioso do ponto de vista temático, oferecendo uma experiência delicada e melancólica, e que ao mesmo tempo também é reflexiva e poética.

O roteiro escrito por Eric Heisserer e adaptado de um conto de Ted Chiang acompanha a Dra. Louise Banks (Amy Adams), uma linguista que é convocada pelo governo americano para tentar estabelecer contato com misteriosas naves alienígenas que pousaram em vários locais diferentes ao redor da Terra.

Melancólico desde seus segundos iniciais, que acompanham a relação da protagonista com sua filha desde seu nascimento até sua morte precoce na adolescência, o filme aposta em uma fotografia toda acinzentada e desprovida de cores, trazendo constantemente o quadro cheio de sombras que podem simbolizar tanto o mistério em que os personagens estão envolvidos (e que pode ou não envolver uma ameaça) quanto a tristeza que parece sempre rondar a protagonista (simbolizada também por seus flashes de memória envolvendo momentos com a filha – e aqui a montagem de Joe Walker se mostra primorosa, já que encaixa esses flashes de maneira orgânica e dinâmica na narrativa, adicionando complexidade dramática ao filme ao invés de desviar a atenção da trama).

O trabalho de efeitos visuais também merecem créditos, principalmente por não chamarem a atenção para si e se encaixarem de maneira orgânica às necessidades da trama (gosto particularmente da cena que envolve uma inversão de gravidade dentro da nave, e outra que envolve um plano aéreo que nos mostra pela primeira vez o objeto voador alienígena).

Já a trilha sonora do sempre competente Jóhann Jóhannsson acerta por equilibrar muito bem o mistério e possível ameaça representada pelos aliens com a tristeza melancólica da protagonista, sendo eficiente quando tenta emocionar (as melodias em cordas que acompanham os primeiros minutos de projeção são lindas) e também quando pretende criar tensão (mais uma vez, assim como acontecia em Sicário, apostando em sons graves pesados, mas agora os deixando mais dissonantes e desconfortáveis).

Mas apesar do primor técnico, isso não teria o mesmo valor se não fosse pela direção inteligente de Denis Villeneuve. Equilibrando aqui os principais elementos de seus últimos trabalhos (o drama opressivo de Os Suspeitos, a subjetividade instigante de O Homem Duplicado, e a tensão absoluta de Sicário), o diretor conduz o filme de maneira segura e precisa, conseguindo até brincar com “Forma vs Conteúdo”: reparem, por exemplo, no uso de círculos ao longo do filme – não só os personagens comentam sobre isso (“Eu achava que era o fim, mas era apenas o começo” diz a protagonista logo no início da projeção), como também a forma de comunicação dos alienígenas é através de figuras circulares, a estrutura do filme (aqui dão darei detalhes para evitar spoilers) também é de certa forma circular, e em interpretações mais livres pode-se ainda enxergar relação com o “ciclo da vida” (que também é um dos temas do filme), e ao terminar a projeção, basta uma reflexão sobre o que acabou de ver que você com certeza encontrará mais figuras circulares na obra (boa parte do fascínio do filme está em descobri-las por si mesmo). Além disso, o diretor ainda é hábil ao fazer o espectador se identificar com a protagonista utilizando diversos recursos que são até simples, mas poucos diretores pensariam em utilizar – desde o mais óbvio uso de câmera subjetiva (aquela que nos faz enxergar tudo com os olhos da personagem), até alternativas mais sofisticadas, como ao fazer o espectador ouvir através dos ouvidos da protagonista (destaque para a cena que se passa em um helicóptero, onde o barulho do motor e os sons do rádio são retratados de acordo com a percepção da personagem).


No elenco temos uma performance delicada e triste de Amy Adams (que se contrapõe com seus trabalho habituais, onde normalmente aparece como uma figura cheia de vida e energia), que acerta também por conseguir equilibrar o fascínio em relação à linguagem dos alienígenas e a dúvida e melancolia que parecem inerentes à personagem. E enquanto Forest Whitaker e Michael Stuhlbarg oferecem interpretações bem mais contidas do que o habitual e se saem muito bem, Jeremy Renner, que interpreta um físico, traz leveza e sensibilidade ao seu personagem e o impede de parecer uma figura excessivamente racional e fria.

Poético, melancólico, e cada vez mais rico depois de reflexões, A Chegada é possivelmente o melhor filme de 2016, compreendendo a complexidade temática de sua história e também a força dramática de seus personagens, oferecendo uma experiência intensa, triste e enriquecedora.

Excelente!

João Vitor, 24 de Novembro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: A 13ª Emenda, de Ava DuVernay

Em meus textos nunca digo coisas como “vá ver este filme” ou “fuja de tal filme”, pois acredito que não é papel de um crítico de cinema dizer ao público qual filme ele deve ver, e sim o fazer enxergar coisas novas nos filme que já viu, sejam bons ou ruins, e assim ter uma experiência mais envolvente e enriquecedora. Porém, como no cinema não há regras, com este documentário 13ª Emenda vou me contradizer: vá ver este filme!


Não que seja uma obra-prima, ou o melhor filme do ano, mas é um filme importante, que expõe não apenas opiniões embasadas, mas fatos incontestáveis que deveriam ser de conhecimento coletivo.

O objetivo do documentário é a princípio simples, mas se mostra cada vez mais complexo conforme o estudo vai se aprofundando: tentar entender como a 13ª Emenda Constitucional dos Estados Unidos (a que pôs fim à escravidão) na verdade foi responsável por criar a maior população carcerária do mundo, contribuindo inclusive para a desigualdade racial depois do fim da segregação.

A direção é de Ava DuVernay, uma das principais promessas da nova geração do cinema americano, responsável pelo excelente Selma (que também tratava diretamente de questões raciais) e pelos belos Middle of Nowhere e I Will Follow (estes dois disponíveis também na Netflix brasileira). Sua abordagem estética é muito interessante, mesmo que discreta: ao filmar os entrevistados, por exemplo, ela alterna planos mostrando a pessoa diretamente de frente e outros que a mostram de perfil, algo que não apenas é interessante visualmente, como ainda dialoga de maneira orgânica com as clássicas fotos de presidiários – e como o filme fala sobre prisão, e como qualquer um pode acabar sendo preso injustamente, nada mais apropriado. Além disso, a diretora ilustra de maneira muito dinâmica alguns dos dados apresentados pelo filme com animações, de modo a reforçar o absurdo destes, o que se mostra surpreendentemente eficaz e orgânico.

Mas o que faz o filme ser tão importante são os dados que ele expõe, que por mais que não sejam novidade, muitas vezes passam despercebidos por boa parte da população: como ao mostrar que enquanto 1 em cada 40 homens brancos estão presos, entre os negros esses números passam para 1 em cada 16. Outro dado importante e incontestável apresentado pelo filme são aqueles que expõem como a dita “guerra às drogas” ao invés de diminuir o consumo, apenas causou um aumento absurdo da população carcerária: enquanto no início dos anos 70 (quando Nixon declarou essa tal de “guerra às drogas”) haviam cerca de 300 mil pessoas presas no país, hoje esse número está em 2,3 milhões.

Mas o filme também não se rende à ingenuidade de retratar os republicanos como os vilões e os democratas como mocinhos, já que mostra que apesar de as principais leis responsáveis pelas prisões desproporcionais terem sido criadas nos governos Nixon e Reagan, o próprio Bill Clinton adotou uma visão moralista para se eleger após os democratas terem perdidos três eleições seguidas, e pôs em prática muitas coisas que possibilitaram o aumento da população carcerária.

E não esquecendo que estava em ano de eleição, Ava DuVernay também mostra que ambos candidatos concorrendo à presidência não estão muito preocupados em resolver este problema: enquanto Hillary Clinton aparece fazendo algumas declarações comprometedoras, Donald Trump se mostra mil vezes pior, já que foi capaz de fazer propaganda pedindo pena de morte para um grupo de jovens negros, que depois foram provados inocentes. Além disso, a sequência que o traz fazendo um discurso moralista sobre “os bons velhos tempos” enquanto a montagem intercala momentos racistas de décadas passadas, ilustra de maneira perfeita como o ciclo do preconceito nunca chega ao fim.


Trazendo também comentários extremamente reveladores de um membro do governo Nixon sobre como a “guerra às drogas” foi um disfarce para uma perseguição política, e ilustrando de maneira muito didática o racismo constitucional americano, 13ª Emenda é um filme envolvente e emocionante, mas acima de tudo, necessário.

Muito Bom!


João Vitor, 21 de Janeiro de 2017.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi, de Michael Bay

13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi é um típico filme do Michael Bay: é sexista, ufanista, cheio de cenas de ação incompreensíveis, e cai no esquecimento um dia depois de ser visto.


O filme acompanha alguns soldados da CIA durante o ataque terrorista em Benghazi, em 2012, e, bem... é só isso que dá pra falar da trama do filme, já que nada de interessante acontece e os personagens nada mais são do que instrumentos para não deixarem as explosões pararem.

O trabalho de direção de Michael Bay segue todos os artifícios que ele sempre usa em seus filmes de ação: há diversos planos aéreos em alta velocidade, panorâmicas, e sequências de ação filmadas em ângulos tortos, com câmera tremida e cortes rápidos, o que deixa as coreografias das cenas completamente incompreensíveis. E, o que é mais grave, ao apostar em uma montagem que corta de um plano para outro em intervalos minúsculos de tempo, o diretor faz com que não seja possível nem mesmo admirar algumas imagens esteticamente mais interessantes. Ainda que, é necessário admitir, às vezes ele ache espaço para alguns conceitos interessantes, como no plano que acompanha dois soldados que são mortos com tiros na cabeça e caem na piscina enquanto a câmera mergulha com eles sem cortes.

E enquanto a fotografia faz um bom trabalho em evocar o clima escaldante das locações (a opção de colocar, em diversos momentos, os personagens “emoldurados” pelo sol também é bacana, ainda que ultrapassada), a trilha sonora tem algumas ideias interessantes, como ao trazer sons que simulam batidas de coração de maneira sutil, mas na maior parte do tempo não passa do óbvio e ainda cai no melodrama ao acompanhar as breves cenas que envolvem a família do protagonista – e sua obviedade contribui para que os personagens não passem de figuras unidimensionais.

Já do ponto de vista de roteiro o filme é um desastre total. Além da construção de personagem genérica (a única coisa que o protagonista tem de humano é sua família, mas isso é tratado de maneira tão superficial e desinteressada pelo filme que não adianta nada), o texto ainda traz um ufanismo que beira o caricatural: como ao se referir a “vidas americanas” como se essas valessem mais do que as outras, ou então ao trazer terroristas praticamente interrompendo seus ataques para ficar atirando na bandeira dos Estados Unidos (quem iria se dar ao trabalho de no meio de explosões e tiroteios parar para atirar em um pedaço de pano?). Isso para não falar do machismo escancarado do filme: enquanto a única figura feminina de destaque é uma pessoa histérica e que sempre tem seus erros corrigidos por homens, todos os personagens principais ostentam um preconceito que só os tornam mais antipáticos para o público, como ao trazer diálogos sobre como é bom ter filhos homens, ou então sobre como “meninas não bebem”, e por aí vai...

Não trazendo nada de novo do ponto de vista técnico e sendo reprovável no sentido moral, 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi é um filme antipático, desinteressante, e que faz suas duas horas e vinte parecerem intermináveis.

Muito Ruim!
João Vitor, 21 de Fevereiro de 2017.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/