sexta-feira, 25 de março de 2016

Crítica: Deadpool, de Tim Miller

Deadpool é um filme hilário. Não deixa de ter seus clichês e uma trama batida, mas traz um personagem principal que é sensacional e surpreende por conseguir fazer pelo menos 90% de suas piadas funcionarem.


O roteiro escrito por Rhett Reese e Paul Wernick (Zumbilândia) acompanha Wade Wilson (Ryan Reynolds), um ex mercenário que é diagnosticado com câncer terminal, mas que encontra a possibilidade de cura em um estranho experimento científico. Após o processo deforma-lo e deixa-lo com poderes de cura, ele jura vingança contra o responsável (Ed Skrein).

Auto referencial e debochado desde seus segundos iniciais, o filme acaba se prejudicando pelo fato de ter um diretor inexperiente no comando. Não que Tim Miller seja um mal profissional, pelo contrário, mas sua falta de experiência fica óbvia principalmente nas sequências de ação, onde o uso do bullet time é repetitivo e até mesmo a violência mais gráfica (uma vantagem da censura alta) é utilizada de maneira apenas O.K (os momentos mais interessantes já estavam nos trailers, como aquele que traz Deadpool decapitando um personagem e chutando sua cabeça em seus companheiros). Mas levando em consideração que é o roteiro que diferencia o filme, isso acaba sendo um problema bem menor.

E o roteiro não decepciona. Mesmo tendo uma estrutura bem convencional (embora brinque um pouco com a cronologia) e uma trama completamente previsível, o texto consegue cumprir muito bem seu papel ao construir um protagonista que transborda carisma (e os responsáveis pelos efeitos visuais também merecem créditos por deixarem o personagem expressivo mesmo com a máscara) e manter uma impressionante consistência em seus alívios cômicos, que surgem de maneira orgânica e convincente – afinal, a dinâmica entre os atores também funciona muito bem.

E são justamente esses alívios cômicos que fazem do filme uma experiência tão divertida. Suas referências vão desde outros atores (destaque para o momento que envolve Liam Nesson e a franquia Busca Implacável e outro sobre o rosto de Hugh Jackman no terceiro ato), passando por outros filmes de super-herói (a piada sobre as linhas temporais da série X-Men e aquela que ironiza a participação frustrada do Deadpoll no X-Men Origens Wolverine são hilárias) e até mesmo outros filmes aleatórios – algumas vezes de maneira mais óbvia (como aquela que envolve o filme 127 Horas) e outras bem mais sutis e que podem até passar despercebidas (como a leve referência ao Cavaleiro Negro do Monty Python em Busca do Cálice Sagrado).

É claro que tem alguns momentos em que o filme exagera na auto referência e acaba chamando demais a atenção para a forma e deixando um pouco de lado o conteúdo – como ao trazer o protagonista dizendo para outro personagem: “Você acha que o Ryan Reynolds chegou onde está por causa do talento?” e ao fazer uma quebra da quarta parede dentro de outra quebra de quarta parede apenas para chamar atenção. A piada que encerra a projeção também não tem nada de original (já tendo sido utilizada até mesmo no recente Anjos da Lei), mas pelo menos é eficiente. Mas esses momentos são exceções, e passam longe de estragar o filme.


Aliás, vale dizer que a quebra da quarta parede (quando o personagem olha para a câmera e fala com o público) é utilizada de maneira muito eficiente e contribui para criar um vínculo maior entre o protagonista e o espectador – o que se mostra fundamental para a força do filme.

Mas mesmo com o ótimo roteiro, com certeza o filme não funcionaria tão bem se não fosse pelo seu ótimo elenco. Ryan Reynolds é possivelmente o principal responsável pela força da narrativa, surgindo à vontade do primeiro ao último segundo, tendo um timing cômico impecável e convencendo ao mesmo tempo em que consegue se divertir imensamente.



Já a atriz brasileira Morena Baccarin, que faz a namorada do herói (ou melhor, “herói”), funciona para humanizar o protagonista, além de ter um indiscutível carisma e dar uma bela fragilidade para sua personagem (ainda que o roteiro se renda ao velho e ultrapassado clichê de “mocinha em perigo” em seu terceiro ato).

E se Ed Skrein pouco pode fazer com o vilão unidimensional e caricato (mas que pelo menos funciona como apoio para ótimas tiradas do protagonista), T. J. Miller pode se divertir com seu personagem, e Karan Soni surpreende muito com uma participação que basicamente se resume a duas cenas, mas que traz um dos momentos mais engraçados do longa.

Mesmo se prejudicando pelo fato de já ter sido feito pensando em continuações, Deadpool não tem uma estrutura ou uma trama particularmente originais, mas pelo menos consegue brincar com seus próprios clichês e funcionar perfeitamente bem como uma comédia. Pode não ser um dos melhores filmes do ano, mas com certeza será um dos mais divertidos.

Bom!


João Vitor, 11 de Fevereiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

quinta-feira, 24 de março de 2016

Crítica: Batman vs Superman, de Zack Snyder

Zack Snyder pode estar longe de ser o visionário que as campanhas de seus filmes tentam vender, mas tampouco é desastroso como uma parte do público gosta de sugerir. Sua carreira, mesmo que curta, tem uma relativa regularidade: três filmes muito bons (“Madrugada dos Mortos”, “Watchmen” e “300”), dois bons (“A Lenda dos Guardiões” e “O Homem de Aço”) e apenas um desastre (“Sucker Punch”). E este seu novo trabalho, “Batman vs Superman”, acaba entrando em um novo grupo: o de apenas “O. K.”, sendo um filme que cumpre sua função, mesmo que a falta de foco e o negligenciamento de alguns personagens atrapalhem bastante.


A trama se passa dois anos após os eventos ocorridos em “O Homem de Aço”, quando o Superman (Henry Cavill) divide opiniões entre o país. Enquanto alguns o encarram como um salvador, muitos o consideram uma ameaça, dentre eles Bruce Wayne (Ben Affleck), que ao mesmo tempo também faz uma investigação envolvendo o cientista Lex Luthor (Jesse Eisenberg), que está tentando descobrir maneiras de controlar o poder de krypton.

O filme se inicia muito bem, fazendo duas coisas importantíssimas de maneira bem rápida. Primeiro, resume em poucos minutos a história do Bruce Wayne (afinal, não faria sentido perder muito tempo nisso, pois a última franquia do herói acabou não tem nem quatro anos) e ainda meio que corrige um erro do “O Homem de Aço”, dando uma humanizada nos eventos que ocorreram no clímax daquele filme, que pecava justamente pelo exagero da destruição sem que sentíssemos o peso ou o tamanho daquilo para os habitantes da cidade. Sem contar que essa breve sequência também já funciona para criar o ressentimento entre o Batman e o Superman, que praticamente move o filme.


Mas a partir daí o roteiro encontra seu maior problema: a falta de foco. Ao ter que lidar com vários personagens e várias subtramas (os problemas de Clark Kent no jornal, seu relacionamento com Louis Lane, a investigação do Batman, o atrito entre os dois, os experimentos de Luthor, um personagem paralítico que quer vingança, o processo judicial envolvendo uma senadora, o mistério da Mulher Maravilha, e por aí vai...) o filme acaba ficando sem um centro emocional e a única coisa que o sustenta é a eminência do confronto entre os personagens principais – que só irá acontecer no final.

Mas conforme as subtramas vão se encontrando, e as motivações dos personagens vão ficando mais claras, o roteiro flui muito bem e finalmente encontra seu centro, utilizando Clark Kent como protagonista (afinal, o personagem é mais complexo que Bruce Wayne, pois já foi construído no filme anterior) e seu relacionamento com sua mãe e sua namorada como âmago emocional. Já o Batman acaba deixando bastante a desejar em relação à humanidade e complexidade como personagem, já que seu objetivo é única e exclusivamente derrotar o Superman. Não sabemos quase nada de sua vida pessoal, e seus traumas acabam soando artificiais por causa disso. E levando em consideração que um dos momentos chave do filme (o que termina o confronto entre os dois heróis) tenta funcionar se sustentando em sua humanidade, isso acaba sendo um problema ainda maior do que normalmente já seria. Mas também vale dizer que o seu ressentimento em relação ao Superman é plausível e o personagem tem presença (ainda que muito disso se deva ao que o espectador já conhece sobre ele de outros filmes).

Em relação ao elenco, Jeremy Irons como Alfred acaba sendo um dos maiores destaques, conseguindo ser marcante mesmo com um papel pequeno. Ben Affleck peca por não conseguir humanizar o personagem (ainda que o roteiro não ajude), mas convence pelo ressentimento e a dedicação com a qual seu personagem pretende buscar vingança. E ainda que Jesse Eisenberg exagere um pouco nos maneirismos de Lex Luthor, conforme a trama avança seu personagem acaba surpreendendo pela inteligência e funciona como uma ameaça real (mesmo que suas motivações não fiquem claras).


Particularmente, gostei bastante de como o diretor Zack Snyder voltou a utilizar algumas de suas marcas registrada que haviam sido deixadas um pouco de lado em seu trabalho anterior, como a recorrente câmera lenta e o visual estilizado que remete aos quadrinhos. Gosto muito da sequência que envolve o assassinato dos pais de Bruce (o colar de sua mãe arrebentando com o tiro do revólver pode até parecer exagerado, mas acho muito interessante como isso conversa com o visual de HQs), e a cena que envolve Batman em um deserto e outra que traz Superman salvando uma criança de um incêndio também merecem destaque, além de lembrarem muito o trabalho do diretor em “Watchmen” (que é possivelmente seu melhor trabalho).

Além disso, o diretor se mostra hábil em criar tensão (como na primeira aparição do Batman, que o traz quase como um animal) e cumpre o que promete pelo título do filme – as sequências envolvendo o confronto entre os dois personagens principais são ótimas. A única coisa que acaba atrapalhando é a fotografia demasiadamente escura, que não apenas “mata” o 3D, como também deixa muitas das sequências de ação confusas até mesmo em 2D.

Vale dizer também que o clímax é bem problemático, não só por se estender demais (na verdade é quase como se fossem dois clímaces seguidos), como também por se render a inúmeros clichês do gênero, como o cronômetro que corre contra o herói, o facho de luz colorida, a arma especial com apenas uma munição, um personagem que chega no segundo exato para salvar outro, etc. Mas apesar disso, é necessário aplaudir a trilha sonora de Hans Zimmer e Junkie XL, que mesmo reutilizando algumas ideias já presentes nos recentes filmes do Batman, consegue empolgar e ter momentos verdadeiramente originais (gosto muito da pegada rock que surge no clímax quando aparece a Mulher Maravilha).



Tendo ainda sua dose de “fan service” (os fãs da Liga da Justiça vão ficar particularmente satisfeitos), “Batman vs Superman” compre o que promete e vale o ingresso. Não é o melhor filme do ano (nem mesmo entre o gênero de super-heróis) e com certeza vai incomodar quem já não gosta do diretor, mas é suficientemente divertido e interessante para não parecer perda de tempo.

O.K.


João Vitor, 24 de Março de 2016.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Crítica: Macbeth, de Justin Kurzel

É preciso coragem para adaptar qualquer obra para o Cinema que tenha sido imaginada originalmente para outra mídia (independente se seja Literatura, Vídeo Game ou Teatro). Então, quando a obra original é de Shakespeare, e a mesma obra já foi adaptada por outros três mestres do Cinema (Orson Welles, Kurosawa e Polanski), é de se esperar que nas mãos de um diretor que tenha feito apenas um longa-metragem até então, o resultado final seja decepcionante e aquém de seu potencial. Mas felizmente não é isso que acontece neste novo “Macbeth”, que mesmo contando uma história já conhecida, consegue ser uma obra única e inesquecível, que faz jus à força do texto original que sobreviveu por séculos.



O filme acompanha Macbeth (Michael Fassbender), um general escocês que após ouvir uma profecia de três bruxas dizendo que ele está predestinado a ser rei, mata o rei atual para ocupar o trono, sendo sempre influenciado por sua esposa, a manipuladora Lady Macbeth (Marion Cotillard).

A direção é do australiano Justin Kurzel (que fez o ótimo “Snowtown”), que não se intimida diante do clássico texto e o compreende de maneira fundamental, acertando por apostar desde o início em uma atmosfera muito mais melancólica do que grandiosa, pois afinal de contas, a história se trata de uma tragédia. Igualmente interessante é a maneira como o diretor mistura as técnicas exclusivas do Cinema com elementos de Teatro, como quando usa os longos monólogos poéticos dos personagens como narração para montagens paralelas (destaque para o momento em que Macbeth fala sobre sua culpa ao cometer o regicídio enquanto vemos sua esposa plantando evidências para culpar os guardas reais).

Outra decisão acertada do diretor é a de abrir mão de uma abordagem estética que remeta ao Teatro (com câmera mais estática e longe dos atores) para apostar constantemente em câmera na mão e próxima dos personagens. Uma decisão corajosa e que demonstra personalidade.

As atuações também são ótimas (como não poderia deixar de ser, levando em consideração os nomes do elenco). Michael Fassbender mostra mais uma vez porque é um dos atores mais interessantes de sua geração, convencendo desde o início – como se por baixo de uma leve superfície de frieza ele escondesse a mais pura loucura. Loucura que não apenas serve ao personagem, como ainda cria um interessante contraste com a bondade e a generosidade passada por David Thewlis, que vive o rei assassinado por Macbeth.


Marion Cotillard também não decepciona como Lady Macbeth, surgindo sempre com um olhar frio e calculista, e a cena que a traz persuadindo o marido a matar o rei é particularmente marcante por trazer os dois atores no máximo de suas interpretações (ela friamente o manipulando, e ele com o olhar quase como um zumbi, completamente hipnotizado).



Mas ainda que Cotillard faça um trabalho admirável, é necessário admitir que se o filme tem um ponto negativo, este se encontra em sua personagem, que acaba aparecendo bem pouco na trama e sendo até um pouco sub aproveitada (principalmente quando sabemos o poder que a personagem pode ter se ganhar mais destaque).

A fotografia de Adam Arkapaw é uma pintura, e se você quiser uma prova de como o Oscar não é um prêmio de merecimento artístico basta constatar sua não indicação. A decisão de filmar boa parte do filme em locação ao invés de estúdio não apenas impressiona visualmente, como ainda deixa tudo mais tangível e crível. Além disso, o fotógrafo usa muito bem as chamas que servem de iluminação nos cenários e os constantes nevoeiros para dar um toque sombrio interessante. Aliás, igualmente interessante é a maneira como ele filma quase todo o clímax mergulhado em uma paleta laranja, como se as chamas que rondassem o protagonista finalmente invadissem sua vida e o jogasse em um escaldante inferno.


A direção de arte e os figurinos também merecem créditos por não exagerarem no glamour e não chamar muito a atenção para si. Já a trilha sonora é hábil ao apostar em melodias melancólicas durante boa parte da narrativa (como se antecipassem o fim inevitavelmente trágico), e após acompanhar o clímax com músicas tensas e empolgantes, o compositor Jed Kurzel finalmente se permite notas longas e conclusivas, mas ainda melancólicas.

Trazendo um dos clímax mais perfeitos dos últimos anos, e sendo ainda um espetáculo visual, “Macbeth” é a prova de que Justin Kurzel é um diretor que merece atenção e justifica porque os textos de Shakespeare continuam fortes até hoje.

Ótimo!


João Vitor, 30 de Janeiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: Zoolander 2, de Ben Stiller

Após iniciar sua carreira como diretor com a bela comédia dramática Caindo na Real (1994), o ator Ben Stiller comandou outros alguns outros trabalhos de qualidades variáveis, dentre eles o desastroso e sem graça O Pentelho (1996), o divertidíssimo Trovão Tropical (2008) e o bonitinho e melancólico A Vida Secreta de Walter Mitty (2013). Mas talvez seu maior sucesso (não necessariamente o melhor) tenha sido a comédia Zoolander (2001), que por mais que falhasse em suas principais tentativas de fazer rir, ao menos funcionava como uma divertida sátira do mundo da moda.

Agora, quinze anos depois, Stiller volta a reunir boa parte do elenco original para esta continuação, que assim como seu antecessor volta a falhar em suas piadas, mas consegue satirizar o mundo da moda e o gênero Ação de maneira divertida e competente.


A história é a seguinte: após uma série de celebridades serem assassinadas, a agente policial e ex-modelo de biquíni Valentina Valencia (Penélope Cruz) busca o ex-supermodelo Derek Zoolander (Ben Stiller) para ajudá-la a solucionar os casos. Há também uma subtrama que envolve o filho do Zoolander, mas que não é importante (ainda que o filme acerte por não leva-la a sério demais).


Como já apontei dois parágrafos acima, o maior mérito do filme está em sua sátira. É interessantíssimo como ele brinca com diversos clichês de gêneros, como a famosa frase “God help us all” diante de uma ameaça, ou então ao trazer os personagens andando em câmera lenta em direção à câmera antes de uma sequência de ação. Além disso, o momento que brinca com o clichê da máscara que possibilita uma pessoa se passar por outra (tão usada em série como James Bond e Missão Impossível) é possivelmente o momento mais inspirado do longa, e de longe o mais engraçado.

Aliás, momentos inspirados são o que mais faltam a este filme. Apesar de algumas exceções, como aquele envolvendo uma faca no terceiro ato, as piadas do roteiro se mostram extremamente fracas e sem graças, se limitando a tentar arrancar o riso através do exagero e demostrando muitas vezes uma incrível falta de timing e sutileza. Sem contar que se formos comparar com o Zoolander anterior, veremos que nenhum momento desta continuação se compara àquele que envolvia uma referência ao clássico 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) – e que se torna ainda mais interessante quando consideramos que o próprio filme foi feito no ano de 2001.


Em relação ao elenco, vale dizer que Owen Wilson está muito bem, com um timing cômico afinado, e sendo o responsável por alguns dos melhores momentos da obra. Mas o maior destaque fica mesmo por conta das participações especiais – enquanto Benedict Cumberbatch está divertidíssimo em seus poucos segundos de tela, Will Ferrell mostra mais uma vez que é um dos melhores comediantes de sua geração e praticamente rouba todo o ato final.

Já Ben Stiller, que tem a tarefa de ser o protagonista, falha feio em suas tentativas de humor e ainda erra por soar repetitivo. Surgindo sempre com os olhos arregalados e uma expressão passiva meio assustada (que supostamente deveria ser engraçada), o ator não consegue gerar uma risada sequer no espectador e desperdiça todo seu potencial (vale dizer que Stiller é ótimo em comédias de constrangimento, como Duplex e Entrando Numa Fria, além de saber também fazer drama, tendo um interessante senso de humor melancólico já mostrado em filmes como Enquanto Somos Jovens e A Vida Secreta de Walter Mitty).


Mas já como diretor Ben Stiller se mostra bem mais competente, brincando com a estética de filmes de espionagem, e empregando com seguranças clichês para fazer humor – como com a trilha sonora exageradamente grandiosa, ou ao trazer zoons que mergulham nos olhos dos personagens. Além disso, é interessante como a fotografia traz diversas luzes coloridas e constantes flashes em direção à lente, o que remete aos vários desfiles de moda vistos no primeiro filme.

Pecando ao se estender demais em seu clímax, o que faz com que os créditos finais sejam encarados com alívio pelo espectador (ainda que a piadinha no final envolvendo o Sting funcione pelo nonsense e seja uma das melhores de todo o roteiro), Zoolander 2 não é particularmente engraçado, mas isso não significa que seja um desastre. É um filme que, assim como seu antecessor, acerta por não se levar a sério e funciona como uma divertida sátira tanto aos gêneros de Ação e Espionagem quanto ao mundo da moda em si.

Regular.

João Vitor, 21 de Março de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Crítica: Zootopia, de Byron Howard e Rich Moore

“Zootopia” é um filme que começa parecendo um genérico “acredite nos seus sonhos, você só será feliz quando realiza-los”, mas termina sendo uma imensa diversão, que funciona ainda como uma inteligente e relevante crítica ao preconceito e à mídia sensacionalista.


O filme acompanha a personagem Judy Hopps, uma coelha que, para realizar seu sonho de se tornar policial, se muda para a cidade de Zootopia, onde diversas espécies convivem em harmonia. Porém, ao iniciar seu trabalho acaba se deparando com uma misteriosa conspiração que envolve o desaparecimento de outros animais. Para a sua investigação ela conta ainda com a ajuda inesperada de Nick Wilde, uma raposa conhecida por seus truques e honestidade dúbia.

Uma das coisas que mais impressiona no filme é sua inventividade na criação de seu universo (coisa em que a Disney vem se tornando cada vez mais competente, vide a cidade de “Operação Big Hero” e os diversos mundos de vídeo games de “Detona Ralph”). Além de visualmente interessante, recheado de cores vivas e expressivas, o trabalho do estúdio ainda é feliz em criar pequenos detalhes sobre o funcionamento daquela sociedade, surpreendendo pela criatividade e pelo bom humor – gosto particularmente da maneira como o celular da protagonista, visivelmente inspirado no iPhone, traz como símbolo uma cenoura ao invés de uma maçã. Além disso, o filme ainda brinca com nossos próprios costumes e vícios do dia a dia (como na piada que envolve um aplicativo de dança, e que rende um dos momentos mais engraçados do longa), e ainda se diverte com o que seria o estereótipo da personalidade de cada animal (os coelhos fazendeiros, a preguiça preguiçosa, o touro durão, a raposa trapaceira, etc.).


Também é necessário aplaudir o cuidado no designe dos personagens, em especial a protagonista. Seguindo a velha e eficiente estratégia de empregar grandes olhos para passar bondade e confiança, o filme traz ainda uma grande riqueza de detalhes e trejeitos que enriquecem a personagem (como o reflexo de levantar as orelhas quando ouve algo inesperado).



Mas o que realmente acaba diferenciando tanto ao obra é sua madura visão sobre a mídia (propaganda para ganhar poder, de modo geral) e preconceitos, que no início pode até parecer óbvia (o velho “não importa quem você é, você pode realizar seus sonhos”), mas acaba se desenvolvendo em algo complexo que evita moralismos e se encaixa de maneira orgânica dentro da trama de investigação do filme – e a sequência que envolve uma declaração da protagonista em uma coletiva de imprensa (e toda a eventual consequência disto) está, sem dúvidas, entre as melhores do ano e traz uma das discussões mais complexas e inteligentes que eu já vi em um filme infantil (incluindo os trabalhos da Pixar), servindo não apenas como uma crítica à política do medo (especialidade do governo americano), mas também às manobras políticas que se beneficiam do caos criado pela mídia para vender ideais preconceituosos (Trump e os muçulmanos servem como exemplo atual).

Para não dizer que o filme é exemplar, é necessário admitir que, além do começo meio incerto, sua duração poderia ser um pouco mais curta, e o excesso de reviravoltas no terceiro ato também incomoda, chegando até a soar um pouco artificial.


Achando ainda espaço para referências divertidíssimas (desde momentos rápidos, como aquele que remete a “Breaking Bad” e outro envolvendo DVDs piratas dos últimos filmes da Disney, até outros mais elaborados, como a longa sequência inspirada em “O Poderoso Chefão”), “Zootopia” é uma diversão enorme ao mesmo tempo em que é um filme ambicioso do ponto de vista temático – sendo, desde já, um dos melhores trabalhos do ano, independente do gênero ou técnica de produção*.

Ótimo!

*Como já apontei em meu texto sobre “Anomalisa”, animação não é um gênero e sim uma técnica, ainda que neste caso específico o filme se encaixe no gênero infantil, comédia e mistério.

João Vitor, 20 de Março de 2016.