terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Crítica: The Killing of a Sacred Deer, de Yorgos Lanthimos

Como me considero um espectador forte e que não se afeta fácil, quando me percebi extremamente incomodado logo nos primeiros segundos de projeção de The Killing of a Sacred Deer, soube que estava diante de um filme singular.



Não que isso seja novidade, tendo em vista que o trabalho do diretor grego Yorgos Lanthimos está entre os mais interessantes e originais do cenário cinematográfico atual, e depois de incomodar e divertir com os fantásticos Dente Canino e O Lagosta, ele chega aqui ao seu trabalho mais original e perturbador.

A trama acompanha um cardiologista que por negligência foi responsável pela morte de um paciente durante uma cirurgia, e aos poucos passa a se encontrar com o filho desse paciente, que parece estar querendo algum tipo de vingança.

Há no filme uma aura mística, ao mesmo tempo divina e diabólica, que parece sempre se esconder embaixo de uma superfície quase igualmente incômoda.

O diretor Yorgos Lanthimos e seu diretor de fotografia habitual Thimios Bakatakis apostam constantemente em lentes bem abertas, que além de distorcerem um pouco as bordas das imagens, dão ao espectador uma visão mais ampla, reforçando o sentimento de quebra de privacidade dos personagens e também trazendo um caráter mais metafísico. E ao seguir os personagens em longos planos ou então trazer a câmera se aproximando lentamente deles, a sensação inquieta de que estamos vendo algo que não devíamos fica ainda mais forte.

Outro detalhe curioso é que raramente a câmera é posicionada na altura dos olhos dos personagens, sendo frequentemente posta ou acima de suas cabeças ou bem abaixo, o que acentua o desconforto e reforça a temática do filme (seria a visão de Deus ou do Diabo?).

Conforme a trama avança, a visão pessimista e cruel do filme se intensifica, muitas vezes se manifestando em sutilezas: repare, por exemplo, como o gesto de carinho que o personagem de Colin Farrell faz em seu filho (que está no chão) parece mais apropriado a um cachorro (que não por acaso se encontra logo ao lado). E a insistência de alguns personagens de elogiarem as mãos “belas e limpas” do protagonista também é uma forma irônica de comentar como suas mãos na verdade estão, simbolicamente, sujas de sangue.

Aliás, esse não é o único paralelo simbólico envolvendo o corpo humano no filme: enquanto o fato do protagonista ter muitos pelos no corpo (o que em mais de um momento é comentado por outros personagens) parece se relacionar com sua insistência em manter sua casa cercada por arbustos, em vários momentos também vemos personagens sobrepostas com árvores (reparem na personagem de Kidman no hospital e em sua filha no momento em que está cantando sozinha).

Tendo eficientes momentos pontuais de humor, mas sempre se mostrando disposto a incomodar, The Killing of a Sacred Deer não é um filme fácil, não é adorável, pelo contrário, é muito detestável. Por consequência, deve desagradar muita gente, mas para quem está disposto a sair da zona de conforto e ter uma experiência única, ainda que perturbadora, este filme é perfeito.

Ótimo!


João Vitor, 13 de Dezembro de 2017.

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