domingo, 8 de novembro de 2015

Crítica: Ponte dos Espiões, de Steven Spielberg

Steven Spielberg tem um talento inquestionável. Durante seus mais de 40 anos de carreira realizou vários trabalhos que podem facilmente ser considerados como “clássicos”, e influenciou boa parte da nova geração de cineastas, direta ou indiretamente. E por mais que alguns títulos recentes como “Cavalo de Guerra” e “Lincoln” se rendam ao exagero e se encontram comprometidos por um puro melodrama, é impossível não criar expectativas a cada anúncio de um novo filme seu.

Baseado em uma história real o roteiro de Matt Charman revisado pelos irmãos Coen acompanha o advogado James Donovan (Tom Hanks) em sua defesa de um agente soviético capturado, Rudolf Abel (Mark Rylance), e, posteriormente, sua tentativa de trocá-lo por um jovem piloto americano capturado em solo inimigo.

Já de cara é necessário aplaudir a imparcialidade política do filme, que não se rende ao patriotismo cego de muitos filmes americanos. Ao contrário de inúmeros títulos (tais como “Sniper Americano” e “O Franco Atirador”) que trazem os inimigos como pessoas excessivamente frias e inconsequentes, e americanos como heróis racionais e patrióticos, Ponte dos Espiões é um filme que não hesita em criticar a própria postura americana em época de guerra.



Em um determinado momento, por exemplo, vemos uma turma de crianças aterrorizadas sendo forçadas a assistirem a vídeos mostrando os estragos que os inimigos poderiam causar com suas bombas atômicas – ignorando que o próprio Estados Unidos havia destruído duas cidades cheias de inocentes com bombas idênticas alguns anos antes. Aliás, essa crítica à paranoia criada pela mídia está longe de ser algo exclusivo do passado, já que até alguns anos atrás o governo Bush utilizava da mesma estratégia para validar sua “guerra ao terror”.


Outro momento interessante e politicamente relevante no filme é quando vemos o americano preso pelos soviéticos sendo condenado a uma pena mais baixa do que o agente soviético havia sido nos EUA, e enquanto o tribunal americano é cheio de bagunça, com pessoas ameaçando e clamando pela pena de morte, o tribunal soviético é organizado e calmo.



É claro que o filme também não vira o jogo e mostra os soviéticos como o bem e os americanos como o mal (e nem deveria), já que o próprio americano preso na URSS é mostrado sendo impiedosamente maltratado na prisão. Mas o que o filme faz é mostrar que em uma guerra não importa os seus ideais, já que os dois lados serão capazes de atitudes desumanas. Neste quesito, Ponte dos Espiões se assemelha muito ao excelente Munique, de 2005 (talvez o melhor filme recente do Spielberg), que também fugia das generalizações, e não hesitava em criticar os horrores cometidos pelos dois lados do conflito.

Outro mérito do roteiro (e muito da direção também) é conseguir manter o espectador vidrado por mais de duas horas apenas pela força de sua trama e seus ágeis diálogos, sem nunca perder o ritmo ou apelar para cenas artificiais de ação gratuita.


Já seu senso de humor (muito provavelmente fruto da revisão dos excepcionais irmãos Coen), que é ao mesmo tempo discreto e exagerado, às vezes soa um pouco esquisito, ficando um pouco dissonante com seu drama, mas aos poucos isso também acha seu lugar, e o filme consegue criar momentos onde um risinho de canto de boca vem ao espectador de maneira espontânea e bem-vinda (destaque para as cenas envolvendo a família do agente soviético e outra envolvendo um aperto de mão).


Em relação à direção, Spielberg conduz o filme com uma segurança invejável, sem chamar demais a atenção para si. O fato de o filme ser melodramático não é novidade, já que o diretor parece nunca abrir mão de sua capacidade de criar momentos propícios a lágrimas. A grande questão é se este recurso funciona ou não, já que se utilizado em exagero acaba comprometendo o impacto da cena. Por exemplo: a cena das pedras no final de “A Lista de Schindler” é indiscutivelmente melodramática, mas é também bem dosada e funciona para fazer o espectador ir para os créditos emocionado; já o último ato de “Inteligência Artificial”, ou todas as partes de “Cavalo de Guerra”, servem como exemplos de um melodrama mal utilizado que compromete o impacto dos acontecimentos pela sua artificialidade.

Neste seu novo filme, seu melodrama ultrapassa um pouco o limite aqui e ali (como na rima visual envolvendo pessoas pulando um muro em diferentes lugares do mundo), mas de modo geral se mostra bem contido e não chega a atrapalha o resultado final, o que acaba sendo um grande alívio para qualquer fã do diretor.


Já as atuações são completamente impecáveis. Tom Hanks mostra que sempre consegue surpreender e protagoniza o filme de maneira perfeita, e confesso que não consigo pensar em nenhum ator que faria este papel tão bem quanto ele. Já Mark Rylance (o soviético capturado) surge como a grande surpresa do elenco, criando um personagem que conquista a admiração do espectador mesmo que este acredite que ele se encontre do “lado errado” (vide alguns parágrafos acima) da guerra.


A fotografia de Janusz Kaminski (parceiro de longa data de Spielberg) é linda (destaque para as cenas passadas na gelada Berlim) e a reconstrução de época é cuidadosa e competente, e deve garantir ao filme uma indicação aos óscares de melhor figurino e designe de produção.


Se encerrando com um letreiro que resume o resto da vida dos personagens principais (um recurso clichê que já foi usado milhões de outras vezes, mas que se bem dosado - como é o caso – funciona muito bem), Ponte dos Espiões é desde já um forte candidato para a temporada de premiações do final do ano, e, mais do que isso, é um trabalho admirável daquele que é um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos.

Muito Bom!
João Vitor, 7 de Novembro de 2015.

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