segunda-feira, 21 de março de 2016

Crítica: Macbeth, de Justin Kurzel

É preciso coragem para adaptar qualquer obra para o Cinema que tenha sido imaginada originalmente para outra mídia (independente se seja Literatura, Vídeo Game ou Teatro). Então, quando a obra original é de Shakespeare, e a mesma obra já foi adaptada por outros três mestres do Cinema (Orson Welles, Kurosawa e Polanski), é de se esperar que nas mãos de um diretor que tenha feito apenas um longa-metragem até então, o resultado final seja decepcionante e aquém de seu potencial. Mas felizmente não é isso que acontece neste novo “Macbeth”, que mesmo contando uma história já conhecida, consegue ser uma obra única e inesquecível, que faz jus à força do texto original que sobreviveu por séculos.



O filme acompanha Macbeth (Michael Fassbender), um general escocês que após ouvir uma profecia de três bruxas dizendo que ele está predestinado a ser rei, mata o rei atual para ocupar o trono, sendo sempre influenciado por sua esposa, a manipuladora Lady Macbeth (Marion Cotillard).

A direção é do australiano Justin Kurzel (que fez o ótimo “Snowtown”), que não se intimida diante do clássico texto e o compreende de maneira fundamental, acertando por apostar desde o início em uma atmosfera muito mais melancólica do que grandiosa, pois afinal de contas, a história se trata de uma tragédia. Igualmente interessante é a maneira como o diretor mistura as técnicas exclusivas do Cinema com elementos de Teatro, como quando usa os longos monólogos poéticos dos personagens como narração para montagens paralelas (destaque para o momento em que Macbeth fala sobre sua culpa ao cometer o regicídio enquanto vemos sua esposa plantando evidências para culpar os guardas reais).

Outra decisão acertada do diretor é a de abrir mão de uma abordagem estética que remeta ao Teatro (com câmera mais estática e longe dos atores) para apostar constantemente em câmera na mão e próxima dos personagens. Uma decisão corajosa e que demonstra personalidade.

As atuações também são ótimas (como não poderia deixar de ser, levando em consideração os nomes do elenco). Michael Fassbender mostra mais uma vez porque é um dos atores mais interessantes de sua geração, convencendo desde o início – como se por baixo de uma leve superfície de frieza ele escondesse a mais pura loucura. Loucura que não apenas serve ao personagem, como ainda cria um interessante contraste com a bondade e a generosidade passada por David Thewlis, que vive o rei assassinado por Macbeth.


Marion Cotillard também não decepciona como Lady Macbeth, surgindo sempre com um olhar frio e calculista, e a cena que a traz persuadindo o marido a matar o rei é particularmente marcante por trazer os dois atores no máximo de suas interpretações (ela friamente o manipulando, e ele com o olhar quase como um zumbi, completamente hipnotizado).



Mas ainda que Cotillard faça um trabalho admirável, é necessário admitir que se o filme tem um ponto negativo, este se encontra em sua personagem, que acaba aparecendo bem pouco na trama e sendo até um pouco sub aproveitada (principalmente quando sabemos o poder que a personagem pode ter se ganhar mais destaque).

A fotografia de Adam Arkapaw é uma pintura, e se você quiser uma prova de como o Oscar não é um prêmio de merecimento artístico basta constatar sua não indicação. A decisão de filmar boa parte do filme em locação ao invés de estúdio não apenas impressiona visualmente, como ainda deixa tudo mais tangível e crível. Além disso, o fotógrafo usa muito bem as chamas que servem de iluminação nos cenários e os constantes nevoeiros para dar um toque sombrio interessante. Aliás, igualmente interessante é a maneira como ele filma quase todo o clímax mergulhado em uma paleta laranja, como se as chamas que rondassem o protagonista finalmente invadissem sua vida e o jogasse em um escaldante inferno.


A direção de arte e os figurinos também merecem créditos por não exagerarem no glamour e não chamar muito a atenção para si. Já a trilha sonora é hábil ao apostar em melodias melancólicas durante boa parte da narrativa (como se antecipassem o fim inevitavelmente trágico), e após acompanhar o clímax com músicas tensas e empolgantes, o compositor Jed Kurzel finalmente se permite notas longas e conclusivas, mas ainda melancólicas.

Trazendo um dos clímax mais perfeitos dos últimos anos, e sendo ainda um espetáculo visual, “Macbeth” é a prova de que Justin Kurzel é um diretor que merece atenção e justifica porque os textos de Shakespeare continuam fortes até hoje.

Ótimo!


João Vitor, 30 de Janeiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

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