segunda-feira, 21 de março de 2016

Crítica: Zootopia, de Byron Howard e Rich Moore

“Zootopia” é um filme que começa parecendo um genérico “acredite nos seus sonhos, você só será feliz quando realiza-los”, mas termina sendo uma imensa diversão, que funciona ainda como uma inteligente e relevante crítica ao preconceito e à mídia sensacionalista.


O filme acompanha a personagem Judy Hopps, uma coelha que, para realizar seu sonho de se tornar policial, se muda para a cidade de Zootopia, onde diversas espécies convivem em harmonia. Porém, ao iniciar seu trabalho acaba se deparando com uma misteriosa conspiração que envolve o desaparecimento de outros animais. Para a sua investigação ela conta ainda com a ajuda inesperada de Nick Wilde, uma raposa conhecida por seus truques e honestidade dúbia.

Uma das coisas que mais impressiona no filme é sua inventividade na criação de seu universo (coisa em que a Disney vem se tornando cada vez mais competente, vide a cidade de “Operação Big Hero” e os diversos mundos de vídeo games de “Detona Ralph”). Além de visualmente interessante, recheado de cores vivas e expressivas, o trabalho do estúdio ainda é feliz em criar pequenos detalhes sobre o funcionamento daquela sociedade, surpreendendo pela criatividade e pelo bom humor – gosto particularmente da maneira como o celular da protagonista, visivelmente inspirado no iPhone, traz como símbolo uma cenoura ao invés de uma maçã. Além disso, o filme ainda brinca com nossos próprios costumes e vícios do dia a dia (como na piada que envolve um aplicativo de dança, e que rende um dos momentos mais engraçados do longa), e ainda se diverte com o que seria o estereótipo da personalidade de cada animal (os coelhos fazendeiros, a preguiça preguiçosa, o touro durão, a raposa trapaceira, etc.).


Também é necessário aplaudir o cuidado no designe dos personagens, em especial a protagonista. Seguindo a velha e eficiente estratégia de empregar grandes olhos para passar bondade e confiança, o filme traz ainda uma grande riqueza de detalhes e trejeitos que enriquecem a personagem (como o reflexo de levantar as orelhas quando ouve algo inesperado).



Mas o que realmente acaba diferenciando tanto ao obra é sua madura visão sobre a mídia (propaganda para ganhar poder, de modo geral) e preconceitos, que no início pode até parecer óbvia (o velho “não importa quem você é, você pode realizar seus sonhos”), mas acaba se desenvolvendo em algo complexo que evita moralismos e se encaixa de maneira orgânica dentro da trama de investigação do filme – e a sequência que envolve uma declaração da protagonista em uma coletiva de imprensa (e toda a eventual consequência disto) está, sem dúvidas, entre as melhores do ano e traz uma das discussões mais complexas e inteligentes que eu já vi em um filme infantil (incluindo os trabalhos da Pixar), servindo não apenas como uma crítica à política do medo (especialidade do governo americano), mas também às manobras políticas que se beneficiam do caos criado pela mídia para vender ideais preconceituosos (Trump e os muçulmanos servem como exemplo atual).

Para não dizer que o filme é exemplar, é necessário admitir que, além do começo meio incerto, sua duração poderia ser um pouco mais curta, e o excesso de reviravoltas no terceiro ato também incomoda, chegando até a soar um pouco artificial.


Achando ainda espaço para referências divertidíssimas (desde momentos rápidos, como aquele que remete a “Breaking Bad” e outro envolvendo DVDs piratas dos últimos filmes da Disney, até outros mais elaborados, como a longa sequência inspirada em “O Poderoso Chefão”), “Zootopia” é uma diversão enorme ao mesmo tempo em que é um filme ambicioso do ponto de vista temático – sendo, desde já, um dos melhores trabalhos do ano, independente do gênero ou técnica de produção*.

Ótimo!

*Como já apontei em meu texto sobre “Anomalisa”, animação não é um gênero e sim uma técnica, ainda que neste caso específico o filme se encaixe no gênero infantil, comédia e mistério.

João Vitor, 20 de Março de 2016.

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