domingo, 23 de outubro de 2016

Crítica: A Bruxa, de Robert Eggers

“A Bruxa” é um ótimo filme, mas que com certeza vai desagradar todos que vão ao cinema em busca de um filme terror convencional e genérico apenas para sentir medo e tomar sustos.

Ambientado na Nova Inglaterra, em 1630, o filme acompanha uma família (pai, mãe e cinco filhos) que, após serem expulsos de sua comunidade devido à seu fundamentalismo religioso, se mudam para um lugar isolado à beira da floresta. E após seu filho recém-nascido desaparecer misteriosamente, surge a suspeita de que existe uma bruxa por perto.



Mas ao contrário do que pode parecer pela premissa, o filme se mostra muito mais interessado em criar uma clima de desconforto e inquietação do que em cenas de terror mais gráficas e sustos fáceis.
E é justamente ao focar em seus personagens que o filme encontra sua força. Apostando em uma narrativa lenta, com uma fotografia completamente desprovida de saturação, e uma ausência quase completa de trilha instrumental, o diretor estreante em longas Robert Eggers demostra um incrível controle sobre seu universo. Sem nunca apelar para um jogo de câmera mais estilizado ou sequências de ação grandiosas, o diretor mantém o espectador interessado através de minimalismos e sutilezas (reparem como os olhares dos personagens acabam dizendo muito mais do que os diálogos em si), deixando as sequências tensas surgirem de maneira natural (como aquela que se passa à noite em um estábulo, no terceiro ato da projeção).

As excelentes atuações também se mostram de fundamental importância para o funcionamento do filme. Kate Dickie convence como uma mulher que tem qualquer resquício de felicidade arrancada após a perda do filho, enquanto Ralph Ineson usa sua rigidez com os costumes cristãos como uma tentativa de esconder sua dor (e a cena que o traz falando para seu filho mais velho que “os lobos ou a fome já o levaram” representa um dos momentos mais memoráveis da narrativa).

Já Anya Taylor-Joy é possivelmente a maior surpresa do elenco. Protagonizando o filme com segurança, a jovem atriz passa com muita sutileza não só o sentimento de culpa de sua personagem (afinal, o bebê estava em seus cuidados quando desapareceu) como também sua inquietação diante dos rígidos hábitos religiosos de sua família (e não é à toa que uma de suas primeira cenas a traga se confessando pelo pecado de “quebrar os mandamentos em pensamento”).



Não que o filme seja perfeito, pois não é. Como muitas outras obras que dependem muito do suspense (até o recente “Ex Machina” serve de exemplo), a narrativa perde um pouco de sua força ao finalmente revelar suas cartas e deixar o espectador entender tudo o que está acontecendo. É claro que isso de certa forma é um mal necessário, e também é preciso admitir que o desfecho da trama é bem redondinho, mas não tem como negar que o suspense era muito mais eficiente.

Sem basear seu terror em sons altos inesperados ou monstros assustadores criados por computação gráfica, “A Bruxa” é um filme que pode desagradar quem quer um filme para perder o sono ou pular na cadeira, mas vai agradar muito qualquer um que esteja à procura de um filme diferenciado, que se preocupa muito mais com sua atmosfera e seus personagens do que qualquer outra coisa. E qualquer filme que se mostre interessado em criar algo realmente original merece atenção.


Muito Bom!
João Vitor, 4 de Março de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário