quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Crítica: Inferno, de Ron Howard

Não é por acaso que os livros de Dan Brown são um sucesso. Com tramas interessantes e diversas curiosidades históricas, as obras ainda se beneficiam por terem uma linguagem acessível e capítulos curtos (que constantemente terminam em uma pequena reviravolta), proporcionando assim uma experiência divertida e cativante para qualquer leitor.


Mas também não é a toa que as adaptações cinematográficas de sua obra fiquem bem abaixo do esperado, já que necessitam de muitos diálogos expositivos e trazem problemas estruturais óbvios.

E este novo Inferno se mostra o pior título de sua franquia, pois além dos problemas já presentes nos filmes anteriores, agora até mesmo a trama com potencial e as belas locações não conseguem disfarçar a fragilidade temática e estrutural de um filme que simplesmente não justifica sua existência.



Mais uma vez acompanhando o professor Robert Langdon (Tom Hanks), o filme começa em Florença com o personagem hospitalizado por conta de um atentado a bala. Logo ele descobre que um bilionário que recentemente cometeu suicídio estava planejando soltar uma peste para aniquilar parte da população humana e resolver o problema da superpopulação. Mais uma vez, o professor irá encarar enigmas e quebra-cabeças e contará com a ajuda de uma bela e inteligente moça (Felicity Jones).

A estrutura do roteiro (escrito por David Koepp) incomoda não só pela similaridade com os capítulos anteriores, mas também – principalmente – por se render ao velho e artificial clichê de trazer um protagonista com amnésia que vai convenientemente se lembrando de fatos importantes conforme as necessidades da trama. Isso sem contar que ter cenas de alucinações a cada minuto durante a primeira meia hora de projeção é algo completamente aborrecido.

E, além disso, os diálogos expositivos (um problema mais fácil de contornar no livro, onde você pode ter um narrador onipresente explicando algo sem parecer muito artificial) são tantos que o roteiro se vê na obrigação de trazer a personagem de Felicity Jones dizendo que “perguntas são importantes, pois vão te ajudar a se recuperar” – em uma tentativa frustrada de justificar um erro imperdoável. E devo confessar que ri em determinado momento onde Tom Hanks, examinando um artefato, exclama “Olha só, há um texto!” – literalmente narrando o que estamos vendo e mostrando que o roteirista realmente não confia nem nos olhos do espectador.

E vale lembrar que aponto esses problemas não por um preciosismo técnico, mas sim porque eles prejudicam a própria relação entre os personagens, que por nunca terem uma conversa minimamente convencional um com o outro, acabam parecendo robôs que só existem para fazer a história ir para frente (reparem como a inteligência acima do comum da personagem de Felicity Jones não desempenha papel algum na trama) – e isso prejudica tematicamente o filme, e também fragiliza sua principal reviravolta – que (sem spoilers) posso dizer que depende essencialmente da humanidade de um certo personagem para realmente convencer.

E justamente por sacrificar seus personagens em prol de uma narrativa cheia de ação e informações, o talentoso elenco fica completamente debilitado – já que, como disse antes, os personagens nada mais são do que instrumentos para a ação continuar. Sendo assim, basta aos atores dizerem suas falas naturalmente que já cumprem seus papéis, uma vez que não podem criar figuras humanas ali. Algo que se torna ainda mais lamentável quando você tem um elenco recheado de talentos como Tom Hanks, Felicity Jones, Omar Sy, Ben Foster e Irrfan Khan.

Já a direção do experiente e – na maioria dos casos – eficiente Ron Howard é mais uma vez “certinha” e sem personalidade. Abusando de câmeras subjetivas, imagens desfocadas para sugerir tontura, cortes rápidos e câmera tremida em cenas de ação, músicas aceleradas, batidas de coração para gerar suspense, tudo aqui é correto do ponto de vista formal, mas nada é tão eficiente quanto poderia. Além disso, ver sequências de ação ininterruptas filmadas no “automático” durante duas horas não é algo muito empolgante, e acaba deixando o filme bem mais cansativo do que o necessário.


Errando ainda por apresentar uma personagem importante apenas em seu terceiro ato, Inferno é um filme tematicamente raso que não explora o potencial de sua premissa, além de ter um roteiro completamente problemático em todos seus aspectos e que mostra que um livro divertido não necessariamente vai dar origem a um bom filme.

Regular


João Vitor, 17 de Outubro de 2016.

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