segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Crítica: Homem Irracional, de Woody Allen

Woody Allen é possivelmente meu cineasta favorito. Ele pode não ter uma versatilidade tão grande quanto o Kubrick, ou o controle total sobre o espectador como o Hitchcock, mas o fato é que mesmo sem muitas “firulas” cinematográficas (embora muitos de seus filmes tragam grandes méritos técnicos) ele sempre soube que tipo de artista queria ser, e vem se mantendo coerente por 50 anos de carreira, tendo feito nada menos do que 45 filmes. E por mais que sua tarefa de fazer um filme por ano acabe inevitavelmente gerando trabalhos mais irregulares, mesmo nestes ele imprime suas características marcantes, como seu senso de humor pessimista e neurótico, sendo assim, todo ano seus fãs podem ir ao cinema tranquilos sabendo que mesmo na pior das hipóteses eles vão poder desfrutar um pouquinho de Woody Allen.


E é mais ou menos isso que acontece neste novo “Homem irracional”. Longe de ser um grande filme, ou mesmo um filme memorável, ele consegue ainda assim divertir imensamente, fazendo com que seus 90 minutos passem voando. E ainda que com certeza desagrade aqueles que odeiam o Woody Allen no “automático”, pelo menos serve como um ótimo passatempo para os fãs.

A trama é simples: Abe Lucas (Joaquin Phoenix) é um professor de filosofia em crise existencial que se envolve com uma aluna, Jill (Emma Stone), e mesmo passando por um período de puro pessimismo e desanimação, ele acaba encontrando um novo vigor após começar a fantasiar sobre cometer um “crime perfeito”.

Se durante os créditos iniciais (que não possuem música, ao contrário de todos os outros filmes do diretor) possa haver alguma dúvida de que este é um filme do Woody Allen, toda e qualquer suspeita já é deixada de lado quando a primeira cena da narrativa é acompanhada por um jazz agradável com uma narração em off existencialista sobre como a vida é sem sentido. E quando logo depois somos apresentados a um romance entre um homem de meia idade e uma jovem, bloqueio criativo e Dostoievski, não restam dúvidas: apenas uma pessoa poderia ter escrito aquele roteiro.

Uma das coisas que chamam a atenção já durante o primeiro ato da projeção é que o pessimismo habitual do diretor/roteirista está ainda mais acentuado do que o normal. Abe não é apenas um homem em conflito, ele bebe durante todo o dia, caminha sempre olhando para baixo, não parece interessado em prolongar uma conversa mais do que o estritamente necessário. E se Joaquin Phoenix peca um pouco no início por tentar incluir trejeitos característicos do Woody Allen em sua interpretação (técnica que foi muito bem utilizada por atores como Kenneth Branagh e Colin Firth ao trabalharem com o diretor), conforme o filme evolui e o personagem vai ficando mais otimista, ele se diverte imensamente no papel e demonstra ser a escolha perfeita para interpretá-lo (destaque para a cena que se passa em um jantar na casa de Jill, no final do segundo ato).

É interessante notar também que mesmo estando no “automático”, Allen não deixa de demonstrar uma preocupação estética notável, como comprovam a cena que traz Emma Stone tocando em um recital de piano, onde as luzes batendo nas janelas dão um lindo ar angelical à imagem, e outra que traz o casal principal em primeiro plano enquanto ao fundo decorações prateadas criam vários pontos luminosos ao redor deles. Além disso, como diretor e roteirista ele demostra mais uma vez uma capacidade invejável para criar momentos de um senso de humor único, como aquele envolvendo uma roleta russa, e outro que envolve um diálogo fervoroso entre Phoenix e Stone enquanto a personagem interpretada por Parker Posey fica no meio tentando acompanhar o que está acontecendo.


Ainda assim, não tem como não se decepcionar quando o filme demonstra ser apenas um passatempo, pois há ali muitas boas ideias que poderiam ser melhores desenvolvidas para criar um filme mais complexo e marcante, como as questões sobre escolha e acaso (que inclusive foram temas de seu melhor filme, “Match Point”, de 2005).


Se encerrando com um final que não deixa de soar “conveniente” demais, mas pelo menos é recheado de ironia, o que acaba fazendo valer a pena, “Homem Irracional” está longe de ser um dos melhores trabalhos de seu diretor (na realidade, não entraria nem em um top 20), mas ainda é um filme extremamente divertido, que cumpre seu papel, e mais uma vez prova que Woody Allen é um cineasta que mesmo no “automático” ainda é melhor do que 90% de outros diretores.

Muito Bom!
João Vitor, 28 de Dezembro de 2015.

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