sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Crítica: Anomalisa, de Charlie Kaufman e Duke Johnson

Em meu texto sobre Trumbo, apontei que os roteiristas, ao contrário dos diretores e atores, não costumam ser valorizados pelo grande público. Basta reparar como os roteiristas mais famosos são sempre aqueles que também dirigem seus filmes (Woody Allen, Quentin Tarantino, etc). Sendo assim, é natural que muitos roteiristas se sintam frustrados diante do mau reconhecimento e passem a se arriscarem na direção. Uma prova disso, é que até mesmo o genial Charlie Kaufman (autor de roteiros absolutamente brilhantes como “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, “Adaptação” e “Quero Ser John Malkovich”) passou a dirigir seus próprios textos. E se seu primeiro trabalho como diretor (“Sinédoque, Nova York”) pode ter deixado alguma dúvida sobre sua capacidade de dirigir, toda e qualquer suspeita é deixada de lado com este seu novo “Anomalisa”.


O filme é uma animação em stop motion com massinha e conta a história de Michael Stone (David Thewlis), um palestrante motivacional melancólico e deprimido, que em uma de suas viagens de trabalho passa a enxergar a vida com mais esperança após se apaixonar por Lisa (Jennifer Jason Leigh).

A premissa pode até parecer simples, principalmente se comparada com os trabalhos anteriores do diretor, mas isso não significa que seja menos profunda ou bem construída.


Já de cara é necessário aplaudir a decisão de Kaufman de trazer todos os personagens (com exceção, é claro, dos dois principais) dublados pela mesma voz. É uma estratégia bem simples, mas extremamente eficiente para passar para o espectador o desânimo e o pessimismo do personagem. Assim, quando ele entreouve um casal discutindo, por exemplo, não faz diferença quem está falando o quê, as duas vozes são idênticas e se misturam (pois do ponto de vista dele não faz diferença).



Essa mesma estratégia funciona também para fazer o espectador entender a paixão súbita que o personagem sente por Lisa. Depois de mais de meia hora somente de vozes masculinas (inclusive para as personagens femininas), quando finalmente ouvimos uma voz de mulher, compreendemos porque o protagonista se apaixona imediatamente.


A parte técnica também não decepciona. O cuidado da composição visual é palpável, seja nos personagens (as expressões faciais e os leves movimentos de respiração) ou até mesmo em detalhes nas roupas (como as pequenas dobras e amassados, que tão um toque de realidade discreto e eficiente).

Também é interessante como Charlie Kaufman e seu codiretor Duke Johnson aproveitam as liberdades oferecidas pela animação para criarem cenas que seriam complicadíssimas de filmar em live action, como o plano-sequência que segue o protagonista desde a recepção do hotel, passando pelo elevador, até chegar a seu quarto. Outros detalhes mais sutis também são interessantes (ainda que dispensáveis), como o raccord sonoro que transforma o som de taças batendo em um barulhinho
de elevador.


Outra decisão acertada é a de utilizar pouquíssima música durante boa parte do filme, o que reforça a sensação de tristeza e desânimo do personagem. Seguindo a lógica, quando o protagonista se apaixona e passa a ser mais esperançoso, o compositor Carter Burwell investe em músicas com melodias alegres e fantasiosas.

Apesar de todas as qualidades, é necessário dizer que muita gente pode se decepcionar com o desfecho da história, ainda que ele seja tematicamente perfeito, sendo coerente com o tom melancólico que predomina toda a narrativa.


Provando mais uma vez que Charlie Kaufman é um dos nomes mais interessantes do cinema americano atual, “Anomalisa” talvez não seja para todo mundo (quem não está familiarizado com o trabalho de Kaufman ou busca uma animação convencional pode acha-lo um pouco lento), mas trata-se de uma obra única e inesquecível, que emociona e entristece pela sua sensibilidade e melancolia.

Ótimo!

P.S: Vale a pena lembrar que Animação é uma técnica, não um gênero. Nem todas as animações são voltadas para o público infantil, e “Anomalisa” é a prova disso.

João Vitor, 28 de Janeiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

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