segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Crítica: Trumbo, de Jay Roach

Filmes sobre filmes são sempre interessantes, principalmente aqueles que acompanham o processo criativo dos realizadores (“Barton Fink”, “Adaptação” e “Desconstruindo Harry” são alguns exemplos). Além disso, o “medo comunista” alimentado pelos EUA durante a Guerra Fria sempre possibilita temas ricos para o Cinema (afinal, diversas pessoas tiveram suas vidas destruídas só pelo fato de terem sido membras do Partido Comunista). Sendo assim, um filme sobre um roteirista perseguido por suas convicções políticas tinha de tudo para ser no mínimo interessante, e “Trumbo” de fato o é, ainda que seu roteiro tente a todo custo estragar até mesmo seus potenciais mais altos.

               

O filme se passa durantes os anos 40 e 50 nos Estados Unidos, e acompanha o roteirista Dalton Trumbo (Bryan Cranston), autor de clássicos como “A Princesa e o Plebeu” e “Spartacus”, e membro do Partido Comunista, que ficou impedido de vender seus roteiros por anos tendo que apelar para codinomes e trabalhar como “escritor fantasma”.

A primeira coisa que chama a atenção no filme é seu elenco. Não deixa de ser curioso ver o comediante Louis C. K. (pelo qual tenho grande admiração) em um filme dramático, mas sou obrigado a apontar que sua escalação foi equivocada, pois ele acaba trazendo seu senso de humor inerente a um personagem que deveria ser interpretado com uma carga dramática mais forte.

Mas se Louis C. K não se livra de sua persona cômica, Bryan Cranston surge completamente diferente de seu papel mais famoso (Walter White, de Breaking Bad), fazendo por merecer sua indicação ao Oscar. Cranston não só imprime um carisma que faz o espectador se importar com seu personagem (o que é fundamental para o funcionamento do filme), como ainda convence com sua dedicação – e em certos pontos até obsessão – pelo seu trabalho, e sua performance atinge o ápice quando o personagem surge anos envelhecido para fazer um discurso de agradecimento na premiação do Sindicado de Roteiristas.

Helen Mirren por sua vez tem um grande obstáculo em seu caminho – o roteiro (que abordarei com mais detalhes daqui a pouco) –, mas ela acaba fazendo um trabalho admirável (e sua não indicação ao Oscar não deixa de ser uma surpresa), se divertindo com a vilania de sua personagem ao invés de levá-la a sério, convencendo de uma maneira surpreendente. Já John Goodman tem em suas mãos um personagem feito na medida para si, e não é novidade dizer que ele tira de letra, trazendo seu senso de humor característico e protagonizando os melhores momentos de alívio cômico do filme.


Também destaco o trabalho de Michael Stuhlbarg, que tem uma missão complicada – interpretar um ator famoso (neste caso, Edward G. Robinson, astro de clássicos noir como “Alma no Lodo” e “Pacto de Sangue”). Seu personagem surge como um dos mais complexos, e com certeza o mais conflituoso do filme, e um dos pouco méritos do roteiro está justamente em não exagerar em sua vitimização, admitindo seus erros, mas fazendo com que seus arrependimentos surjam de maneira orgânica.


E já que abordei a dificuldade de interpretar um ator famoso, não poderia deixar de citar o trabalho de David James Elliott e Dean O’Gorman. Elliott tem a tarefa de interpretar ninguém menos do que John Wayne (que é retratado de maneira bem vilanesca pelo roteiro – o que com certeza vai incomodar algumas pessoas) e se sai muito bem, convencendo sem nunca parecer que está simplesmente imitando o ator. O mesmo não pode ser dito de Dean O’Gorman, que transforma Kirk Douglas em uma caricatura pura, como se ele interpretasse um personagem até mesmo fora de cena, sendo digno de riso e até tirando um pouco o espectador da imersão do filme.


Em relação ao roteiro, além de deixar a desejar em relação aos personagens, ainda insiste em terminar diversas cenas com frases de efeito, que são artificiais e caricaturais (e o momento que traz a personagem de Helen Mirren desafiando um chefe de estúdio é particularmente ridícula e embaraçosa). Além disso, a falta de sutileza do roteirista John McNamara é gritante – por exemplo, quando o personagem de Louis C. K. revela que tem câncer (não é spoiler, isso acontece nos primeiros 15 minutos), eu juro que esperava ele cair na risada e dizer que era brincadeira, tamanha artificialidade e falta de timing. Ainda assim, é necessário apontar que ele consegue expor com competência o absurdo e a irracionalidade do medo comunista, e seus efeitos em pessoas inocentes – tema que também foi abordado no recente (e ótimo) Ponte dosEspiões. O afastamento do protagonista de sua família e sua obsessão crescente também são bem retratados, e por mais que o filme tenha duas horas, em nenhum momento ele soa cansativo ou arrastado – algo difícil de conseguir.

A trilha sonora de Theodore Shapiro peca por exagerar no melodrama, principalmente na cena que traz Trumbo olhando sua família de longe com tristeza e no momento em que o personagem conversa com um colega sobre o peso de um interrogatório. Já os figurinos erram por chamar demais a atenção para si, exagerando nas cores e pecando pela falta de sutileza, ainda que traga alguns momentos inspirados – como quando traz Trumbo com uma roupa completamente diferente de seus colegas roteiristas em uma reunião de estúdio.

Se salvando do esquecimento completo graças à força da história real e o trabalho dedicado de seus atores, “Trumbo” não é nada mais do que mediano, mas também oferece uma experiência agradável e uma história que merecia ser contada há muito tempo, afinal, poucas pessoas dão o valor necessário para o trabalho dos roteiristas.

O. K.
João Vitor, 17 de Janeiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

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