sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Crítica: Straight Outta Compton, de F. Gary Gray

“Straight Outta Compton” é um filme surpreendentemente bom. Digo que é surpreendente pois biografias de artistas não vêm sendo um forte do Cinema americano nos últimos anos, e a história real que inspirou esta obra tem várias armadilhas que poderiam estragar a narrativa (como o excesso de personagens e a questão social), mas felizmente isso não acontece e o filme se mostra coeso e bem sucedido.


Ambientado nos anos 80 o roteiro segue os cinco jovens que usaram suas experiências pessoais, como a constante violência policial à qual eram submetidos, para escreverem raps de protesto e que alcançaram sucesso no mundo todo com o nome de N.W.A.

O primeiro acerto do grupo de quatro roteiristas é retratarem o processo de criação das letras e a formação da banda de maneira convincente, ainda que claramente simplifiquem algumas situações e tragam vários diálogos que com certeza não aconteceram dessa maneira na vida real. E ainda que possua aqui e ali alguns momentos mais artificiais (como a discussão entre o personagem de Paul Giamatti e um policial em frente à gravadora), o texto consegue desenvolver com cuidado o alto número de personagens importantes, e faz com que o espectador entenda suas motivações.

Outra coisa interessante do filme é a maneira como ele transita com fluência de diálogos convencionais para momentos de grande tensão. E a direção ágil e segura de F. Gary Gray, que mantém a câmera inquieta e aposta em ruídos graves constantes para acentuar o desconforto crescente de algumas cenas, consegue não apenas deixar o espectador apreensivo, como ainda cria momentos de ação extremamente marcantes – como a cena que abre o longa e envolve uma invasão policial, e outra que traz uma correria caótica depois de um show.

A montagem também merece créditos pela energia imposta nas cenas de apresentações, onde os cortes sincronizados com o ritmo da música surgem de maneira orgânica e sem chamar demais a atenção para si. Já a fotografia é extremamente feliz ao utilizar a luz solar para criar constantes flares, que curiosamente lembram muito as luzes utilizadas em palcos – como se lembrasse os personagens daquilo que eles almejam.

É necessário destacar também que o filme ainda tem algumas sutilezas muito interessantes – reparem na naturalidade e o cansaço com que Ice Cube olha uma ação violenta da polícia (sem esconder seu desgosto, mas sabendo que não pode fazer nada contra), ou então quando um policial manda os personagens se deitarem no chão e eles, antes mesmo de receberem a ordem, já vão entrelaçando os dedos atrás das costas (passando para o espectador a informação de que eles já passaram por isso dezenas de vezes, sem precisar apelar para um diálogo expositivo).

Mas apesar de todas as qualidades técnicas, me arrisco a dizer que o filme não seria nada mais do que mediano se não fossem seus atores. Sendo homogeneamente competente, o carisma do elenco é fundamental para que o espectador consiga se envolver e se importar com os personagens.

Paul Giamatti, ator que já ofereceu performances impecáveis (“Sideways”, 2004) e outras vergonhosas (“A Dama na Água”, 2006), surge aqui surpreendentemente bem. Apesar de sua caracterização exagerada, seu personagem está longe de ser uma caricatura, convencendo pela maturidade, e servindo como a voz sensata para os impulsivos membros da banda.

Mas talvez o maior destaque do elenco seja Corey Hawkins como Dr. Dre, que não apenas é muito carismático, como ainda tem a chance de protagonizar duas cenas comoventes de peso dramático, se saindo incrivelmente bem. Aliás, é interessante e corajoso que a trilha sonora não apele para melodias melodramáticas para tentar arrancar lágrimas, deixando o trabalho quase que todo por conta do ator.

Voltando a encontrar uma força dramática em seus últimos minutos depois de uma hora final bem monótona, “Straight Outta Compton” funciona como denúncia ao racismo e à violência policial ao mesmo tempo em que é uma experiência envolvente e marcante. Não é o filme mais original do mundo, nem tampouco inovador, mas não deixa de ser extremamente competente e prova que ainda é possível fazer uma boa biografia em Hollywood.

Muito Bom!

P.S: Há duas versões deste filme: uma de duas horas e vinte, e outra de duas horas e quarenta e cinco. Este texto é baseado na versão mais longa.

João Vitor, 5 de Fevereiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

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