segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Crítica: O Regresso, de Alejandro González Iñárritu

O Regresso é um espetáculo. Ao longo de suas quase três horas o filme traz inúmeros momentos de tirar o fôlego, impressionando pela perfeição técnica e provando mais uma vez que Iñárritu é um dos melhores diretores de sua geração.


Ambientado no século XIX o roteiro conta a história real (ainda que com diversas liberdades criativas, como abordarei daqui a pouco) do explorador Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), que após ser brutalmente ferido por um urso em uma de suas expedições, é deixado para morrer pelos seus companheiros. Mas mesmo em condições completamente adversas (com feridas abertas, perna quebrada e a centenas de quilômetros da ajuda mais próxima), Glass consegue sobreviver e vai em busca de vingança.

Um dos maiores atrativos da direção de Alejandro G. Iñarritu é seu fascínio por longos planos sem cortes. Se em Birdman (meu texto sobre pode ser lido aqui) essa manobra servia como comentário sobre o fato de o filme ser sobre uma peça de teatro (que ao contrário do Cinema, não traz cortes no meio das cenas), aqui seus longos planos servem para acentuar o desconforto do espectador em determinadas cenas e aumentar seu envolvimento na narrativa. Aliás, é impressionante o controle que o diretor demonstra sobre a mise-en-scene (geografia das cenas), pois mesmos nos momentos de ação (como o ataque de índios que acontece logo nos primeiros minutos) seus planos sem cortes aumentam a tensão e a inquietação, mas nunca deixam o espectador perdido sobre o que está acontecendo. Já em outro momento chave, que traz o protagonista sendo brutalmente atacado por um urso, a opção de filmar sem cortes (pelo menos aparentes) demostra não apenas um feito técnico impressionante, como ainda atinge um nível de desconforto e envolvimento inacreditáveis.


E se Iñarritu merece aplausos pelo seu preciosismo, o mesmo merece seu diretor de fotografia Emmanuel Lubezki. Mesmo depois de ser responsável por fotografias nada menos do que brilhantes em filmes como “Filhos da Esperança”, “A Árvore da Vida”, “Gravidade”, e “Birdman”, o fotógrafo mexicano mostra que ainda é capaz de surpreender. Aqui, mesmo utilizando apenas luz natural, ele mais uma vez consegue criar verdadeiras pinturas, como os planos que trazem raios de sol por entre as árvores e aqueles que sobrevoam as impressionantes locações montanhosas cobertas de neve.

Igualmente interessante é a maneira como Iñarritu e Lubezki criam pequenas rimas visuais que enriquecem o filme para um olhar mais atento – como o momento que traz o personagem de Leonardo DiCaprio embaçando a lente com sua respiração ofegante e logo depois vemos o antagonista interpretado por Tom Hardy enchendo o quadro com a fumaça de seu cachimbo.







É claro que aqui e ali o filme parece se impressionar consigo mesmo e acaba criando alguns momentos descartáveis que chamam demais a atenção para si, e que só estão ali por motivos estéticos – como quando o protagonista está conversando com um índio e este vai falar uma coisa (sem importância alguma) e a câmera se move lentamente até se posicionar em um ângulo contra-plongée, que enfoca o ator tendo como pano de fundo apenas o céu cheio de nuvens (um momento lindo plasticamente, mas sem propósito algum).


Já a trilha sonora merece créditos por apostar em constantes melodias dissonantes, que acentuam o desconforto do espectador, atingindo seu ápice no clímax da narrativa, onde a música não apenas funciona para incomodar, como ainda consegue fazer uma leve e discreta referência ao filme anterior do diretor (Birdman), ao trazer ao fundo alguns grooves rápidos de bateria.

As atuações também merecem destaque. Leonardo DiCaprio (que deve vencer seu primeiro Oscar por este trabalho) protagoniza o filme com uma entrega total, conseguindo ainda dar humanidade ao seu personagem ao demonstrar seu carinho com o filho. Já Tom Hardy (ator que está em plena ascensão) faz mais uma vez um trabalho admirável. Mesmo tento que atuar com um sotaque completamente diferente do seu (ele é britânico e seu personagem é um sulista americano), o ator consegue ser completamente odiável e vilanesco sem ser caricatural, convencendo como uma ameaça palpável.








Outro que surpreende e que está em plena ascensão é Domhnall Gleeson (que só nos últimos dois anos esteve presente em nada menos do que sete filme, incluindo os ótimos “Frank”, “Brooklyn”, “Star Wars: O Despertar da Força” e “Ex Machina”). Aqui ele deixa completamente de lado sua vulnerabilidade adolescente (apresentadas em filmes como “Frank” e “Questão de Tempo”) e convence como um capitão maduro e com grande senso de dever e justiça.

Já o roteiro é o que o filme tem de pior. Levando em consideração a proposta da narrativa, que depende muito mais da estética, isso acaba importando bem menos do que normalmente importaria (filmes como Spotlight e Carol poderiam beirar o desastre se seus roteiros não fossem bons), mas ainda assim, algumas coisas incomodam e poderiam ter sido evitadas.


Ainda que o filme acerte em não apelar para o velho e preconceituoso clichê do índio malvado e selvagem, ele falha ao tentar adicionar uma reflexão profunda sobre o genocídio praticado pelos colonizadores e se perde em sua auto-importância: em determinado momento, quando um francês questiona se um índio roubou os produtos que está tentando vender, este responde dizendo que o verdadeiro ladrão é o homem branco por tomar tudo que seu povo tinha – o que é verdade, e poderia ficar interessante no filme se não tivesse sido jogado de maneira tão aleatória e artificial. Em outro momento, vemos um índio morto enforcado em uma árvore com uma placa escrita “somos todos selvagens” – pecando mais uma vez pela obviedade e pela inverossimilhança (quem iria ter o trabalho de quebrar um pedaço de madeira e escrever uma mensagem para pendurar em um cadáver no meio da floresta onde muito provavelmente ninguém irá ver???)



E se o texto acerta ao tomar algumas liberdades criativas em relação à história real (a opção de colocar o filho do protagonista como mais uma vítima do antagonista não apenas aumenta a vilania deste, como também deixa o sentimento de revolta e vingança ainda mais palpável), volta a errar no terceiro ato ao incluir um detalhe envolvendo um cantil (não darei mais detalhes para evitar spoilers) que além de inverossímil, é descartável (afinal, havia outras maneiras do roteiro passar aquela informação).

Além disso, vale dizer que a cena envolvendo um cavalo e um penhasco é completamente absurda e exagerada, além de descartável.

Em relação à duração, posso dizer que em nenhum momento o filme me pareceu cansativo ou arrastado (muito pelo contrário). Mas isso não significa que ele não seja mais longo do que o necessário, pois na verdade é. Todas as cenas que trazem devaneios do protagonista sobre sua esposa morta e seu filho representam uma gordura a mais que poderia ter sido cortada na sala de montagem. Não chegam a ser completamente descartáveis, pois acabam adicionando humanidade ao personagem e são de uma beleza plástica impressionante, mas acabam tomando muito mais tempo do que o necessário.

Mas apesar desses probleminhas, o fato é que “O Regresso” ainda é um filmaço, oferecendo uma experiência única e completamente imersiva, além se ser inesquecível e provar que a parceira entre Iñarritu e Lubezki é uma das mais interessantes do cinema atual.

Ótimo!

João Vitor, 7 de Fevereiro de 2016.

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