sábado, 27 de fevereiro de 2016

Crítica: Mad Max: Estrada da Fúria, de George Miller

“Mad Max: Estrada da Fúria” é um dos filmes mais alucinantes e envolventes que eu já vi. Brilhantemente dirigido por George Miller o longa é completamente original e inventivo, além de ser disparado o melhor filme de sua saga (que também contém os ótimos “Mad Max”, de 1979, “Mad Max: A Caçada Continua”, de 1981, e “Mad Max: Além da Cúpula do Trovão”, de 1985 – este último um pouco mais fraco que os outros).


Hábil desde o início ao apresentar seu personagem título como uma pessoa completamente perturbada por erros passados, o filme logo estabelece seu ritmo alucinante que não apenas é extremamente eficiente e envolvente, como ainda é coerente dentro do universo em que se passa o filme: um mundo pós-apocalíptico onde a gasolina e os carros são quase deuses.







Aliás, todo o trabalho de direção de George Miller é completamente impecável. Trazendo constantemente planos aéreos que dão a dimensão grandiosa da ação, e nunca apelando para câmera tremida ou cortes muito rápidos, o diretor consegue criar sequencias de tirar o fôlego e sem nunca deixar o espectador perdido em relação ao que está ocorrendo. E sua opção de filmar alguns planos em câmera levemente acelerada se mostra fundamental para a energia do filme, e passam para o público a sensação de velocidade e urgência dos personagens de maneira orgânica e extremamente eficiente.





Vale dizer também que a energia empregada por Miller e sua equipe não estão presentes apenas nas cenas mais grandiosas, mas também em combates menores – como na cena que traz uma luta entre Tom Hardy e Charlize Theron e que é de tirar o fôlego.



Também é necessário aplaudir a decisão de utilizar o máximo de efeitos práticos possíveis, deixando a computação gráfica surgir de maneira quase natural e sem chamar demais a atenção para si (como na cena que envolve uma tempestade de areia). E basta assistir a qualquer sequência que envolva trabalho de dublês neste filme (como as cenas envolvendo manobras de moto), para perceber que não importa o quão bom sejam os efeitos computadorizados, eles nunca substituirão a tangibilidade de um bom efeito prático.




O trabalho de som também merece destaque, pois além de ter que lidar com barulhos ensurdecedores de motores de carro durante boa parte da projeção, a mixagem ainda tem que se preocupar em deixar os diálogos audíveis, já que muitas informações-chave são faladas no meio de perseguições. Além disso, os efeitos sonoros ainda surpreendem por adicionarem pequenos detalhes que enriquecem a ação, como os sons de batidas de coração e até alguns sons dissonantes ao fundo que aumentam a inquietação e passam o estado de espírito perturbado do personagem título.

Já os trabalhos de designe de produção e figurino impressionam pela criatividade ao criarem seu universo e seus personagens. Reparem como a caracterização do vilão Immortan Joe é completamente imponente e ameaçadora ao mesmo tempo em que é primitiva e deslocada (sua armadura parece até de plástico), e muitos personagens secundários também chamam a atenção pela bizarrice de seus visuais – aquele que tem um nariz feito de ferro e o outro que usa um capuz feito de munições são meus preferidos.









O trabalho de maquiagem também é excelente, convencendo nas caracterizações mais fortes (como na aparência ressecada dos indivíduos que passam sede), até em alguns detalhes mais sutis (reparem em como as tatuagens em alto-relevo dos seguidores do vilão são inchadas e completamente primitivas).






Mas não são apenas as caracterizações dos personagens que surpreendem pela inventividade, já que os carros vistos no filme também são únicos e contribuem não apenas para criar uma visual interessante, como também para aumentar a energia das sequências de ação. Gosto muito daqueles que são cobertos de espinhos (mais uma vez, reparem como os efeitos práticos são fundamentais), outros que trazem prisioneiros como “bolsas de sangue” amarrados na parte da frente (recurso que já havia sido utilizado no segundo filme da série), e aquele que traz um carro convencional posto em cima de uma estrutura de rodas gigantes.







Ah, e o que dizer dos carros que trazem instrumentos musicais em sua carroceria, brincando com a própria diegese da trilha sonora?







A fotografia de John Seale também não fica pra trás. Apostando em cores vivas (subvertendo a tendência de filmes pós-apocalípticos de utilizarem sempre paletas dessaturadas), ele beneficia o 3D e cria um universo escaldante, onde a falta d’agua é algo palpável. Além disso, ele ainda faz uma excelente distinção dos cenários em que se passam o filme: a Cidadela é o único local a trazer cores verdes vibrantes, enquanto o deserto é todo alaranjado. Já para as sequências passadas a noite, ele mergulha o quadro em luz azul, o que é de uma beleza plástica sublime e ainda contribui para deixar a ação mais compreensível (já que em qualquer filme as sequências de ação passadas no escuro tendem a ser mais confusas).










Mas por mais que a grande força do filme esteja em seus aspectos técnicos, o roteiro não deixa nada a desejar.

Mesmo trabalhando em cima de uma história simples (que quase se resume a perseguições de carro), o texto escrito pelo próprio George Miller aproveita para subverter clichês (como o da “garota indefesa”) e ainda cria um universo interessante (a maneira como Immortan Joe manipula seus “súditos” com o controle da água é excelente) com personagens que fogem completamente da unidimensionalidade.







Basta ver as figuras das esposas resgatadas, por exemplo: se em inúmeros filmes o roteiro se limitaria a trazer as jovens indefesas apenas para serem salvas pelo herói, aqui elas não apenas estão fugindo de um opressor (“Não somos objetos”, elas escrevem nas paredes de suas celas), como são salvas por uma outra mulher (não um homem como seria o usual) e – e isso é o mais importante – cada uma delas tem personalidade própria.

A jovem interpretada por Abbey Lee, por exemplo, tem um charme mais selvagem, enquanto a personagem de Courtney Eaton tem sentimentos mais conflituosos. Já Zoë Kravitz é a mais impulsiva e revoltada do grupo, e Riley Keough tem a oportunidade de protagonizar momentos de sensibilidade tocantes com o personagem de Nicholas Hoult. E fechando o grupo das esposas temos Rosie Huntington-Whiteley, que surge como a mais madura e sensata das cinco.







O personagem título também não decepciona. Interpretado com uma entrega total por Tom Hardy, Max é uma pessoa atormentada por erros passados e que não está acostumado a ter conversas com outras pessoas – o que se reflete na dicção forçada do ator.


Já Hugh Keays-Byrne, que interpreta o vilão Immortan Joe (e que também interpretou o vilão no primeiro filme da saga, em 1979), talvez seja a principal surpresa do elenco. Mesmo com quase 70 anos, o ator é capaz de uma presença física assustadora, e mesmo utilizando uma mascara o filme todo, o que só o deixa com os olhos disponíveis para atuar (além da voz, é claro), ele é capaz de evocar uma insanidade total e convencer como uma ameaça real aos heróis.








Mas talvez o principal destaque do elenco seja Charlize Theron, e apesar do que sugere o título, ela é a protagonista do filme. Convencendo com a dedicação e o comprometimento de sua personagem, a atriz ainda consegue adicionar uma interessante carga dramática ao filme em um monólogo sobre sua história de vida. Aliás, é na personagem dela que o filme encontra suas forças quando a ação eventualmente fica um pouco de lado.



E mais uma vez é necessário aplaudir a inteligência de Miller em não se render ao clichê de mulheres indefesas, já que a personagem da Charlize Theron executa tarefas que o próprio Max é incapaz (o momento envolvendo uma arma com três tiros é um dos meus preferidos).



Sendo uma experiência inesquecível e inovadora, “Mad Max: Estrada da Fúria” não apenas cumpre seu papel de entreter (e muito) seu espectador, como ainda consegue subverter clichês do gênero Ação, se estabelecendo como uma obra inteligente e que mostra que ainda há espaço para trabalhos profundamente originais dentro do Cinema Blockbuster.

Excelente!


João Vitor, 26 de Fevereiro de 2016.

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