domingo, 26 de fevereiro de 2017

Crítica: Estrelas Além do Tempo, de Theodore Melfi

Algumas histórias merecem ser contadas, e a que dá origem a este Estrelas Além do Tempo é uma delas. Pena que como cinema ela fique tão abaixo de seu potencial e tenha dado origem a um filme tão convencional que é impossível de não esquecer pouco tempo depois de tê-lo visto.


O roteiro escrito por Allison Schroeder e Theodore Melfi conta a história real de três mulheres negras que durante a corrida espacial (nos anos 60, enquanto ainda havia leis segregacionistas em estados americanos) ajudaram a NASA a mandar voos tripulados para o espaço e eventualmente para a Lua.

Escancarando sua pegada hollywoodiana desde seus segundos iniciais, o filme acaba pecando justamente por sua artificialidade e excesso de ironia dramática (quando o espectador sabe algo que os personagens não), por exemplo: quando as personagens são auxiliadas por um policial na estrada, uma delas comenta algo como “três mulheres negras sendo ajudadas por um policial branco em Virgínia, 1961” – uma fala que obviamente jamais teria acontecido de verdade e só serve para dialogar diretamente com o espectador e tirá-lo do filme, além de mastigar sua discussão temática que já poderia ter ficado clara apenas com as ações realizadas pelas personagens.

Além do mais, o roteiro ainda faz questão de incluir algumas falas que chegam a dar vergonha alheia tamanha a artificialidade, como “eu sou um judeu polonês cujos pais morreram em um campo de concentração”, ou então (o meu preferido) “aqui na NASA, todos mijamos da mesma cor”. Porém, o texto ao menos acerta em fazer com que a parte mais técnica da história, que envolve matemática avançada, consiga não ser entediante e soe convincente para o espectador, mesmo que ele não a entenda completamente.

E se o diretor Theodore Melfi (que já havia dirigido o fraquíssimo Um Santo Vizinho, que tinha um ótimo elenco, mas problemas sérios de tom) erra pela abordagem convencional e artificial (reparem como ele faz questão até de dar um zoom na placa do banheiro que diz “apenas pessoas de cor”, como se o espectador não pudesse identificá-la sozinho), ao menos acerta por ter um ótimo timing musical (no que diz respeito às canções, e não a trilha instrumental) e cria algumas sequências que, mesmo bobinhas, são bastante divertidas de assistir. Além disso, as canções presentes ao longo do filme são sempre em ritmos que trazem a representação do negro na cultura popular, como o soul.

Mas já a trilha instrumental composta pelo lendário Hans Zimmer é completamente exagerada, intrusiva, e melodramática, atrapalhando até mesmo bons momentos que poderiam ser muito mais impactantes – como a cena que traz uma personagem discursando em um tribunal.

Os figurinos por outro lado merecem créditos tanto por fazerem uma reconstrução de época eficiente quanto por comentarem visualmente o deslocamento das personagens em seus ambientes de trabalho, como ao trazer a protagonista vestida toda de verde enquanto todos os outros no recinto estão completamente de branco.

O elenco também está entre as coisas boas da obra. Enquanto Taraji P. Henson protagoniza o filme com carisma, evocando empatia no espectador pela doçura exibida no relacionamento com as filhas, Janelle Monáe é responsável por ótimos alívios cômicos e se diverte imensamente, conseguindo ainda trazer uma vulnerabilidade tocante para a personagem. Sendo assim, é uma pena que a atriz lembrada pelo Oscar para concorrer como coadjuvante tenha sido Octavia Spencer, que, além de ser a mais fraca das três, se limita a passar o filme todo arregalando os olhos e torcendo os lábios na convicção de que essa expressão seja de alguma forma evocativa ou engraçada.


Tendo também sua boa dose de momentos nacionalistas exagerados, Estrelas Além do Tempo conta uma história que deveria ter sido contada há muito tempo, sobre figuras que infelizmente não recebem o reconhecimento e respeito que merecem por conta da cor de sua pele. É uma pena então que uma história tão importante seja contada em um filme tão convencional e sem nada de novo.



O. K.


João Vitor, 9 de Fevereiro de 2017.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário