domingo, 26 de fevereiro de 2017

Crítica: A Tartaruga Vermelha, de Michaël Dudok de Wit

Poucas vezes um filme foi para seus créditos finais me deixando tão emocionado como este belo A Tartaruga Vermelha. Com uma trama relativamente simples, mas que comove pelo caráter metafórico, esta nova animação do Studio Ghibli é um espetáculo visual e também uma experiência delicada e tocante.


Durante todo o filme não há um só diálogo. Começamos acompanhando o personagem principal aparentemente sofrendo um acidente que o deixa isolado em uma ilha deserta. Ele decide então tentar construir uma jangada para escapar do local, mas suas tentativas são sempre frustradas por uma enorme tartaruga vermelha, que eventualmente se transforma em uma bela mulher ruiva.

É claro que essa estrutura simples nada mais é do que uma metáfora, e por isso cabem diversas interpretações. No meu entendimento, a ilha nada mais é do que o caráter do personagem, dessa forma, ele chega lá de alguma maneira que não fica clara, tenta fugir de quem ele é, mas é impedido pelo amor (a tartaruga que depois se transformará em sua esposa). E aí que vemos uma das mensagens do filme: às vezes aceitar um amor é também aceitar quem você é, mesmo que isso signifique abrir mão de algo.


É claro que em uma obra que fala de forma tão metafórica nenhuma interpretação é certa ou errada, desde que justificada por elementos do próprio filme, e o fato de cada um ter uma visão diferente ao o assistir só o torna ainda mais fascinante e rico.

Mas mesmo que você deixe de lado as interpretações mais livres, ainda é impossível não se emocionar com a delicadeza da trilha sonora, ou então apenas pelo apuro estético de alguns momentos, como aquele que traz uma enorme onda parada no ar enquanto o protagonista a “escala” e de lá de cima observa a praia e o sol.

Aliás, esteticamente o filme é um espetáculo! Enquanto as cenas noturnas enchem a tela com um belíssimo cinza, as que se passam sob a luz do dia exploram a paisagem tropical da ilha com cores quentes e distintas: o forte azul do céu, o verde das árvores, e, claro, o forte vermelho (sempre associado à paixão) da tartaruga. E se levarmos em consideração que a ilha é uma representação do caráter ou estado de espírito do personagem, as cores podem assumir ainda mais significados.

Além disso, a animação dos personagens também é algo notável. Enquanto os momentos que se passam embaixo d’água impressionam pelo primor técnico (reparem nas ondulações das roupas e cabelos), o design do personagem principal o constrói como uma figura de olhos tristes e cujos braços sempre estendido para baixo passam uma melancolia palpável sem que ele precise dizer uma única palavra.



E se o visual é um irretocável, o trabalho de som é um espetáculo à parte. Além da já citada belíssima trilha sonora, o design de som cria o ambiente sonoro da ilha de maneira primorosa, com dezenas de sons diferentes de pássaros, e impressiona ainda pelo cuidado nos detalhes, como nos leves sons que acompanham passos de caranguejos.

Sendo tecnicamente irrepreensível e muito rico e aberto para interpretações, A Tartaruga Vermelha é um filme que emociona como poucos, fazendo com que sua duração curtíssima (pouco mais de uma hora e dez) seja até algo para se lamentar.

Ótimo!

João Vitor, 24 de Janeiro de 2017.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

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