domingo, 26 de fevereiro de 2017

Crítica: A Chegada, de Denis Villeneuve

Se tem alguém no cenário cinematográfico atual que pode facilmente ser comparado a grandes nomes da história do cinema, este alguém é Denis Villeneuve. Dono de uma carreira relativamente curta, mas que vem acumulando cada vez mais obras primas, o diretor canadense já se estabeleceu como um dos melhores profissionais de sua geração.


E este novo A Chegada não deixa nada a desejar, sendo talvez o seu trabalho mais ambicioso do ponto de vista temático, oferecendo uma experiência delicada e melancólica, e que ao mesmo tempo também é reflexiva e poética.

O roteiro escrito por Eric Heisserer e adaptado de um conto de Ted Chiang acompanha a Dra. Louise Banks (Amy Adams), uma linguista que é convocada pelo governo americano para tentar estabelecer contato com misteriosas naves alienígenas que pousaram em vários locais diferentes ao redor da Terra.

Melancólico desde seus segundos iniciais, que acompanham a relação da protagonista com sua filha desde seu nascimento até sua morte precoce na adolescência, o filme aposta em uma fotografia toda acinzentada e desprovida de cores, trazendo constantemente o quadro cheio de sombras que podem simbolizar tanto o mistério em que os personagens estão envolvidos (e que pode ou não envolver uma ameaça) quanto a tristeza que parece sempre rondar a protagonista (simbolizada também por seus flashes de memória envolvendo momentos com a filha – e aqui a montagem de Joe Walker se mostra primorosa, já que encaixa esses flashes de maneira orgânica e dinâmica na narrativa, adicionando complexidade dramática ao filme ao invés de desviar a atenção da trama).

O trabalho de efeitos visuais também merecem créditos, principalmente por não chamarem a atenção para si e se encaixarem de maneira orgânica às necessidades da trama (gosto particularmente da cena que envolve uma inversão de gravidade dentro da nave, e outra que envolve um plano aéreo que nos mostra pela primeira vez o objeto voador alienígena).

Já a trilha sonora do sempre competente Jóhann Jóhannsson acerta por equilibrar muito bem o mistério e possível ameaça representada pelos aliens com a tristeza melancólica da protagonista, sendo eficiente quando tenta emocionar (as melodias em cordas que acompanham os primeiros minutos de projeção são lindas) e também quando pretende criar tensão (mais uma vez, assim como acontecia em Sicário, apostando em sons graves pesados, mas agora os deixando mais dissonantes e desconfortáveis).

Mas apesar do primor técnico, isso não teria o mesmo valor se não fosse pela direção inteligente de Denis Villeneuve. Equilibrando aqui os principais elementos de seus últimos trabalhos (o drama opressivo de Os Suspeitos, a subjetividade instigante de O Homem Duplicado, e a tensão absoluta de Sicário), o diretor conduz o filme de maneira segura e precisa, conseguindo até brincar com “Forma vs Conteúdo”: reparem, por exemplo, no uso de círculos ao longo do filme – não só os personagens comentam sobre isso (“Eu achava que era o fim, mas era apenas o começo” diz a protagonista logo no início da projeção), como também a forma de comunicação dos alienígenas é através de figuras circulares, a estrutura do filme (aqui dão darei detalhes para evitar spoilers) também é de certa forma circular, e em interpretações mais livres pode-se ainda enxergar relação com o “ciclo da vida” (que também é um dos temas do filme), e ao terminar a projeção, basta uma reflexão sobre o que acabou de ver que você com certeza encontrará mais figuras circulares na obra (boa parte do fascínio do filme está em descobri-las por si mesmo). Além disso, o diretor ainda é hábil ao fazer o espectador se identificar com a protagonista utilizando diversos recursos que são até simples, mas poucos diretores pensariam em utilizar – desde o mais óbvio uso de câmera subjetiva (aquela que nos faz enxergar tudo com os olhos da personagem), até alternativas mais sofisticadas, como ao fazer o espectador ouvir através dos ouvidos da protagonista (destaque para a cena que se passa em um helicóptero, onde o barulho do motor e os sons do rádio são retratados de acordo com a percepção da personagem).


No elenco temos uma performance delicada e triste de Amy Adams (que se contrapõe com seus trabalho habituais, onde normalmente aparece como uma figura cheia de vida e energia), que acerta também por conseguir equilibrar o fascínio em relação à linguagem dos alienígenas e a dúvida e melancolia que parecem inerentes à personagem. E enquanto Forest Whitaker e Michael Stuhlbarg oferecem interpretações bem mais contidas do que o habitual e se saem muito bem, Jeremy Renner, que interpreta um físico, traz leveza e sensibilidade ao seu personagem e o impede de parecer uma figura excessivamente racional e fria.

Poético, melancólico, e cada vez mais rico depois de reflexões, A Chegada é possivelmente o melhor filme de 2016, compreendendo a complexidade temática de sua história e também a força dramática de seus personagens, oferecendo uma experiência intensa, triste e enriquecedora.

Excelente!

João Vitor, 24 de Novembro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

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