domingo, 26 de fevereiro de 2017

Crítica: Jackie, de Pablo Larraín

Um filme não precisa ser eletrizante para ser bom, e Jackie é a prova disso. Tendo um ritmo vagaroso, que em alguns momentos até flerta com o entediante, o filme não deixa de ser um estudo de personagem interessante, que conta com uma excelente atuação central em uma narrativa bastante sofisticada.


O roteiro escrito por Noah Oppenheim acompanha a personagem título, a ex-primeira-dama Jacqueline Kennedy, nos dias seguintes ao assassinato de seu marido, John F. Kennedy. A estrutura do roteiro é bastante convencional: temos a protagonista dando uma entrevista e conforme ela vai narrando ao repórter vemos em flashbacks suas memórias envolvendo o assassinato e suas consequências para ela, mas o que é interessante é que o filme não está interessado em fazer algo grandioso, mostrando as consequências políticas em grande escala dos acontecimentos, e traz uma proposta mais intimista, que se preocupa muito mais com o psicológico de uma só pessoa – e nisso ele se sai incrivelmente bem.

A direção do chileno Pablo Larraín (dos ótimos O Clube, No, e Tony Manero) é bastante competente e cheia de personalidade, fazendo um bom trabalho ao diferenciar esteticamente os dois momentos em que se passa a história: enquanto no “presente”, que mostra a personagem dando a entrevista, ela aposta no convencional “plano e contra-plano” (mas com o diferencial de sempre manter ambos os personagens no centro da tela), os flashbacks utilizam muito mais steadycam (que dá a sensação de câmera “levitando”) que imprimem um caráter mais fantasioso e inquieto. Outro acerto do diretor é não se render ao melodrama com uma trilha sonora óbvia ou momentos artificiais em câmera lenta – o momento mais forte do filme (aquele que traz a personagem se limpando do sangue do marido), por exemplo, é filmado em close e depende quase que inteiramente da performance de Natalie Portman, que merece aplausos tanto pela intensidade com a qual se entrega à personagem quanto pelo primor técnico de sua atuação (reparem como até mesmo sua dicção é calculosamente preparada para emular o sotaque da Jackie verdadeira, sempre com as vogais mais abertas do que o usual).


E enquanto a fotografia se aproveita do fato de o filme de passar no inverno para evocar melancolia de suas cores frias (sem contar os momentos sublimes como aquele que segue a protagonista em um cemitério cheio de névoa, e que consegue ser ao mesmo tempo triste e belo), a trilha sonora foge do convencional, que seria apostar em instrumentos agudos como violinos, e utiliza quase sempre sons graves, como violoncelo. Além disso, é interessante como as melodias constantemente fazem movimentos decrescentes, partindo de uma nota mais alta e depois escorregando para uma nota baixa – o que reflete o estado de espírito da protagonista que se sente pesada, como se o mundo estivesse desabando em suas costas.

E são por esses primores técnicos que Jackie acaba sendo tão eficiente. Pode até ter um ritmo lento, mas se apreciado com atenção vai se mostrar um filme sofisticado, delicado, e comovente.

Muito Bom! 


João Vitor, 26 de Fevereiro de 2017.

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