domingo, 26 de fevereiro de 2017

Crítica: Moonlight, de Barry Jenkins

“In moonlight black boys look blue”

Esta frase, que dá nome à peça em que o filme Moonlight foi adaptado, traduzida literalmente ficaria “Na luz do luar, garotos negros ficam azul”, mas no inglês ganha um duplo sentido, já que a palavra “blue” pode também significar “triste”, assim a frase poderia ficar “Na luz do luar garotos negros ficam tristes”.

E é nessa delicadeza que este filme se baseia, sendo um estudo de personagem delicado, que não se rende à saídas fáceis, e cria uma narrativa delicada que comove pela aparente simplicidade, mas que na verdade esconde uma grande sofisticação.


O roteiro tem uma estrutura de três atos que a princípio lembra bastante a do filme O Lugar Onde Tudo Termina (excelente, por sinal) por se passar em três tempos distintos: a primeira parte segue o protagonista em um pedaço de sua infância (vivido por Alex R. Hibbert), mostrando sua dificuldade de socialização com outras crianças, sua relação complicada com a mãe viciada em drogas (Naomie Harris) , e o encontro de uma nova esperança na figura de um traficante (Mahershala Ali), que o trata com carinho; a segunda o acompanha em sua adolescência (interpretado por Ashton Sanders), onde também sofre bullying na escola, e começa a descobrir sua própria sexualidade; já a terceira e última o segue na fase adulta (agora vivido por Trevante Rhodes), onde vemos em quem ele se tornou depois de tudo pelo que passou.

O que mais emociona no filme é sua delicadeza e naturalidade em retratar os acontecimentos na vida se seu personagem principal, já que não apela para melodrama ou momentos artificiais para conseguir o que quer. Dessa forma, a trajetória do personagem não é só algo que impressiona como cinema, mas também convence como a trajetória e a formação de caráter de um pessoa real.

A abordagem estética do diretor Barry Jenkins também é ótima, variando momentos mais “convencionais” (mas que funcionam muito bem) de câmera na mão que reforçam a inquietação e desconforto do protagonista, com outros momentos que lembram bastante o estilo de Terrence Malick, onde a própria câmera parece deslumbrada com o que está vendo. E a fotografia também merece créditos não apenas pela beleza estética, como, principalmente, por brincar com a cor azul – o que dialoga com o título do filme e também com o título da peça, que é citado por certo personagem em determinado momento da projeção.

A trilha sonora também é linda, equilibrando a beleza dos instrumentos de corda com melodias dissonantes e desconfortáveis, se equilibrando apropriadamente entre o belo e o inquietante. Já o design de produção faz um ótimo trabalho em diferenciar a casa do protagonista, que é cheia de azulejos velhos e sujos, com a casa do personagem de Mahershala Ali, que é bem mobiliada e aconchegante – e o design de som também merece créditos por ajudar a fazer deste ambiente um local agradável, incluindo discretos sons de pássaros que reforçam a tranquilidade do lugar.

Já os figurinos comentam de maneira discreta a situação emocional dos personagens: trazendo muitas vezes a cor branca para refletir a inocência do protagonista em sua infância, e também camisetas xadrez em sua adolescência para comentar seu “aprisionamento” emocional (principalmente em relação à sua sexualidade) – e é interessantíssimo notar como após o momento onde o personagem finalmente se permite um pouco de liberdade, e tem seu primeiro contato sexual, na cena seguinte ele abandona seu figurino xadrez, e veste uma camiseta apenas com listras, como se tivesse se livrado parcialmente de sua prisão. Da mesma forma, quando o personagem resolve agir de maneira impulsiva em uma vingança, ele surge vestido uma camiseta azul sem listras: o que o liberta das grades momentaneamente, mas comenta sua tristeza (lembrando que “blue” em inglês tem significado duplo).


Outra coisa que faz do filme uma experiência marcante e delicada é seu forte elenco. Enquanto os três atores que interpretam o protagonista encontram uma coesão impressionante em seus trabalhos, Naomie Harris impressiona pela sutileza e por não apelar para estereótipos genéricos de “viciada em drogas”, podendo ainda, no terceiro ato, protagonizar um momento fortíssimo onde transborda os arrependimentos de sua personagem, além disso, seu emagrecimento é impressionante e orgânico para o filme. Já Mahershala Ali, um dos favoritos para o Oscar de Ator Coadjuvante, subverte o clichê do traficante durão, retratando seu personagem como uma pessoa complexa, capaz de uma humanidade doce, e consegue ser marcante mesmo com pouco tempo de tela.

Sendo um delicado e complexo estudo de personagem, que emociona pela sua sutileza e por sua beleza, Moonlight é um filme memorável, que oferece uma experiência intensa, mas que fica ainda melhor depois que acaba e é submetido à reflexões.

Ótimo!


João Vitor, 22 de Janeiro de 2017.

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