sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Crítica: Dheepan, de Jacques Audiard

Dheepan é puro Jacques Audiard. Assim como os outros trabalhos do diretor, este vencedor da Palma de Ouro em Cannes do ano passado traz todas suas características marcantes: um protagonista perturbado e sofrido, imperfeito, mas que luta contra suas imperfeições, e uma narrativa triste e melancólica, ainda que se permita pequenos momentos de felicidade.


A sinopse é a seguinte: após assumirem identidades falsas para fugirem de seu país natal que está em guerra (Sri Lanka), Dheepan (Antonythasan Jesuthasan), Yalini (Kalieaswari Srinivasan) e Illayaal (Claudine Vinasithamby) chegam à França e têm que conviver como se fossem uma família. Dheepan consegue emprego como zelador, enquanto Yalini trabalha como empregada doméstica, e mesmo não conhecendo o idioma local, eles tentam levar um vida normal.

O filme claramente pode ser dividido em duas metades. Na primeira ele assume o caráter de um drama, com uma abordagem pessimista e melancólica. Já na segunda, a narrativa ganha toques de ação, e alguns momentos de felicidade são permitidos aos personagens.

Durante a primeira parte o diretor Jacques Audiard opta por uma ausência quase que completa de trilha instrumental, além de sempre manter a câmera na mão em planos fechadíssimos que funcionam perfeitamente bem para passar ao espectador o sufocamento e as dificuldades vividas pelos personagens, especialmente o protagonista.

Quando algumas coisas se assentam, e os personagens aos poucos vão se ajustando à suas novas vidas, a abordagem do diretor já muda, se permitindo até algumas sequências mais lúdicas, como aquela passada em um parque ao som de uma bela melodia instrumental.

Além disso, nesta sua parte final o filme também traz toques de Cinema de gênero, e o diretor se mostra hábil em conseguir extrair tensão e energia das sequências de ação sem que para isso precise mudar sua lógica estética, ainda mantendo a câmera na mão e planos fechados, mas agora também utilizando trilha instrumental.

Mas ainda a ação funcione tecnicamente, o fato é que ela não deixa de soar exagerada no clímax da narrativa, contrariando o tom que estava estabelecido até então, parecendo existir apenas para agitar o público que até ali vinha acompanhando uma narrativa mais lenta e intimista.

Além disso, vale dizer que os segundos finais do filme pecam muito pela artificialidade. Terminado em uma nota otimista, para tentar aliviar todo o sofrimento visto até ali, o filme aposta em um desfecho que traz uma felicidade que não convence dentro do contexto da narrativa, e leva o espectador para os créditos finais com um gosto amargo.

Mas mesmo que escorregue em sua parte final, Dheepan ainda é um bom filme, que trata de um tema atual e merece muito ser visto. Pode até não ser digno da Palma de Ouro (principalmente em um ano que tem os irmãos Coen como presidentes do júri), mas é mais um acerto de Jacques Audiard, que por sua vez tem uma carreira bem interessante.

Bom.


João Vitor, 9 de Março de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

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