domingo, 25 de dezembro de 2016

Crítica: Rastro de Maldade (Bone Tomahawk), de S. Craig Zahler

Bone Tomahawk é um dos melhores e mais esquisitos filmes que eu vi até agora neste ano. Mesmo sendo absurdo, ele nunca se leva mais a sério do que deveria, se mostrando uma obra inesquecível e única justamente pela sua bizarrice.

O filme acompanha um grupo de quatro pessoas (um xerife, um idoso, um pistoleiro, e um homem com a perna quebrada) que se unem para resgatar uma moça sequestrada por um grupo de índios canibais.


Já se iniciando com um assassinato envolvendo um pescoço cortado a faca, Bone Tomahawk logo se estabelece como uma narrativa imprevisível que mesmo recheada de alívios cômicos pode surpreender a todo o momento com uma súbita explosão de violência.

Uma coisa que pode afastar um pouco o público é a relativa lentidão da trama. Além da duração mais longa do que o convencional (2 horas e 10), seus primeiros quarenta minutos se dedicam exclusivamente a apresentar os personagens e estabelecer a lógica da narrativa. Mas isso se mostra uma decisão acertada e fundamental para a força dramática do filme. Após deixar o espectador conhecer com calma os personagens (principalmente a dinâmica entre o personagem de Patrick Wilson e sua esposa – que será sequestrada) fica mais fácil entender as motivações e a persistência do grupo em ir atrás do resgate.

Além disso, o diretor S. Craig Zahler também utiliza esse longo primeiro ato para estabelecer o tom que vai perdurar por todo o filme. Utilizando pouquíssima trilha instrumental (e que quando aparece se mostra melancólica, não grandiosa), o diretor dá um toque de casualidade aos acontecimentos, o que, somando à violência gráfica, ainda dá um interessante toque de humor negro (reparem na naturalidade com o qual o xerife interpretado por Kurt Russell saca sua pistola e dá um tiro na perna de outro personagem).


Mas além do drama (estabelecido pelo roteiro no primeiro ato, e pela trilha melancólica) e do humor (pela casualidade da violência e pelos diálogos – que abordarei daqui a pouco) o filme ainda funciona como um western, contando com uma fotografia “vintage” linda e um designe de produção competente por fazer um trabalho de reconstrução de época sem chamar a atenção para si, e também é competente como um suspense (a cena passada em um estábulo a noite é de uma tensão absurda).

Em relação ao senso de humor, é interessante como, além da violência absurda (tem uma cena em particular que envolve um personagem sendo barbaramente assassinado que eu garanto que você nunca irá esquecer), o roteiro ainda surpreende por conseguir extrair riso de diálogos quase “nonsense” passados nas situações mais atípicas (como a conversa sobre como é impossível ler um livro enquanto se está em uma banheira, e outra envolvendo um circo de pulgas).

O elenco também não decepciona e se mostra homogeneamente competente (se houvesse uma categoria de “Melhor Quarteto” no Oscar, este filme com certeza deveria ser o vencedor). Kurt Russell (que também esteve recentemente em outro excelente western – “Os Oito Odiados”) interpreta seu xerife com um senso de honra inquestionável e convincente. Matthew Fox (o eterno Jack da série “Lost”) também convence pelo seu mistério e sua prepotência diante de seus companheiros, e se suas motivações podem parecer um pouco genérica, tampouco soam falsas.

Já Patrick Wilson (ator subestimado, com uma carreira invejável) consegue passar toda a dedicação de seu personagem em relação ao resgate de sua esposa, e mesmo passando todo o filme sofrendo por conta de sua perna quebrada, o ator foge da monotonia e não se limita a fazer expressão de dor em todas suas aparições, sendo o principal responsável pela força dramática da narrativa.

Mas quem realmente se destaca é Richard Jenkins. Funcionando na maior parte como o alívio cômico do filme (todos os diálogos mais peculiares são protagonizados por ele), o ator experiente de 68 anos ainda surpreende pela capacidade de humor físico (como a cena que traz seu personagem armado invadindo um celeiro).

É verdade que o filme se rende a alguns pequenos clichês (os cortes secos no momento exato de alguns tiros, por exemplo, são bem genéricos), mas pelo menos compensa por seu final corajoso, que não alonga a trama nem um segundo a mais do que o estritamente necessário (lembrando até um pouco o desfecho do clássico Intriga Internacional, de 1959 dirigido pelo mestre Hitchcock).

Sendo uma obra atípica, excelente e acima de tudo bizarra, Bone Tomahawk é um filmaço, sendo um equilíbrio perfeito entre western, drama, suspense e comédia de humor negro. Não é um filme fácil, e nem dá para dizer que é para todo mundo, mas para quem gosta de um filme ousado e diferente é um prato cheio.

Ótimo!

João Vitor, 19 de Fevereiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

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