sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Crítica: Loving, de Jeff Nichols

Loving é um filme que não precisa de momentos exagerados e melodramáticos para fazer chorar, uma vez que compreende a força de sua história e de seus personagens e cria uma narrativa sutil, que comove pela delicadeza e pelas excelentes atuações de seu casal principal.


O roteiro escrito pelo diretor Jeff Nichols conta a história real (!!) do casal Richard e Mildred Loving (sim, este era o sobrenome verdadeiro!) que em 1958 foram presos e obrigados a deixarem seu estado natal, Virgínia, nos Estados Unidos, pelo fato de terem se casado, sendo que casamento inter-racial era crime no estado.

É claro que trata-se de um história naturalmente dramática, mas o maior acerto do diretor e roteirista Jeff Nichols (do ótimo Midnight Special) é não exagerar em sua abordagem de modo a criar uma narrativa artificial. Apostando em uma visão delicada, onde a câmera se limita a observar com carinho os personagens, Nichols consegue fazer com que a força dramática do filme surja de gestos cotidianos, acertando por deixar espaço para performances doces e sutis dos atores.

E que atores! Joel Edgerton vive Richard Loving como um sujeito tímido, o que se reflete em sua dicção difícil e introspectiva (aliás, é notável como o ator substitui de maneira muito convincente seu natural sotaque australiano por um sotaque sulista americano), surgindo em cena sempre com um olhar bondoso e comovente, que passam o amor genuíno que ele sente por sua esposa. Já Ruth Negga vive Mildred com doçura e representa muito bem seu gradual engajamento com o processo legal em que o casal estava envolvido.

Outro acerto do filme é ao estabelecer em sua primeira meia hora uma atmosfera confortável e de lar para os personagens no estado de Virgínia (com paisagens tranquilas e atmosfera sonora agradável, silenciosa – que depois contrasta completamente com a casa do casal em Washington, onde até a cama parece fazer um barulho insuportável) – o que faz com que ao serem forçados a se exilarem, a decisão não apenas gera revolta pela injustiça como também é um golpe dramático por terem de deixar um lugar no qual se sentem tão bem acolhidos.


Também é notável como o filme não se perde ao lidar com o processo legal envolvendo o casal, e também ao retratar o papel da mídia durante esse processo. Não apelando para figuras vilanescas unidimensionais (reparem como os juízes do filme realmente parecem pessoas reais e não vilões clássicos), e acertando por utilizar os advogados envolvidos no processo como meros coadjuvantes, o filme sempre tem a certeza de que a história que quer contar é protagonizada única e exclusivamente pelo casal Loving, e o que acontece ao redor deles são consequências. Sendo assim, mesmo ao retratar os acontecimentos reais importantes (que, afinal, mudaram a Constituição dos Estados Unidos!), Nichols deixa claro que o que realmente importa no filme são as consequências para o casal, deixando sempre claro o que cada acontecimento significou para eles – e dessa forma, nunca perdendo o controle dramático da narrativa.


Sendo um filme delicado e que comove pela sutileza sem precisar apelar para o melodrama, Loving é mais um ótimo filme na carreira de Jeff Nichols, sendo um filme que traz uma construção dramática cuidadosa, onde pequenos gestos são capazes de emocionar, e que prova o envolvimento emocional do espectador ao chegar a seus letreiros finais – onde segurar as lágrimas pode ser uma tarefa difícil.

Muito Bom!

João Vitor, 26 de Dezembro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

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